O globo, n. 31703, 25/05/2020. País, p. 7

 

Na pandemia, Salles já passou parte da ‘boiada’

Leandro Prazeres

25/05/2020

 

 

Sugestão do ministro para que governo aproveite o coronavírus e simplifique normas ambientais já está sendo posta em prática. Medidas vão de afrouxamento a exportações de madeira nativa a anistia a desmatadores

 A sugestão do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, para o governo aproveitaras atenções da imprensa voltadas ao Covid-19 eassim“passara boiada ”, simplificando normas ambientais no Brasil, provocou críticas entre ambientalistas no Brasil e no exterior. O GLOBO reuniu as principais mudanças feitas pelo governo na área ambiental —de afrouxamento na fiscalização de exportação de madeira nativa até a anistia a desmatadores da Mata Atlântica —enquanto o número de mortes pela Covid-19 aumentava.

Durante a reunião, Salles sugeriu que o governo unisse“esforços” para aproveitar o mom entoem que a atenção da mídia estava voltada à pandemia para passar reformas “infralegais”, aquelas que não precisam de aprovação do Congresso e podem ser feitas por meio de portarias, instruções normativas, decretos. A declaração se tornou pública com a divulgação, na quinta-feira, do vídeo da reunião ministerial, de 22 de abril.

MATA ATLÂNTICA AMEAÇADA

Um dos casos mais emblemáticos das mudanças “infralegais” citadas por Salles na reunião foi o despacho no qual reconhece como locais de ocupação consolidada as áreas de preservação permanente (APPs) desmatadas até julho de 2008. A medida permite o retorno de atividades agropecuárias nessas áreas e tem impacto na preservação da Mata Atlântica, bioma mais devastado do Brasil. E abre brecha para a anistia de proprietários multados por desmatamento.

A medida foi questionada na Justiça pelo Ministério Público Federal (MPF) e mencionada pelo ministro na reunião, quando enfatizou a necessidade de uma dobradinha com a Advocacia-Geral da União (AGU).

Um dia antes da confirmação do primeiro caso de Covid -19, em 25 de fevereiro, terça-feira de carnaval, o presidente do Ibama, Eduardo Bim, liberou as exportações de madeira nativa sem autorização do Ibama, após pedido de duas associações de madeireiros do Pará.

Em março, ainda em meio à repercussão da liberação da exportação de madeira, o presidente do Ibama assinou portaria em que restringiu o acesso de servidores do órgão à imprensa. Medida tratada internamente com uma“mordaça” a funcionários contrários à gestão de Bime Salles.

Outro exemplo de mudança infralegal foi a reestruturação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), responsável pela gestão de 334 unidades de conservação no país, que entrou em vigor este mês.

O governo reduziu de 11 para cinco as gerências do instituto e abriu a possibilidade das gerências serem ocupadas por pessoas de fora do órgão. Hoje, das cinco gerências do I CM Bio, uma é ocupada por agente de carreira, as demais estão a cargo de policiais militares.

No mesmo dia no qual Salles sugeria que o governo aproveitasse o momento para “passar aboiada ”, a Funai publicou instrução normativa que permite a regularização de fazendas em áreas que fazem parte de terras indígenas em processo de homologação. Como o processo demora anos, o risco é que, quando a terra seja homologada, boa parte esteja desmatada. Uma reivindicação antiga de ruralistas com os quais Salles tem proximidade.

DEMISSÃO NO IBAMA

Entre as decisões de Salles que causaram mais ruído está a demissão, em 14 de abril, do então diretor de fiscalização do Ibama, Olivaldi Azevedo, após operações do órgão contra garimpeiros que atuavam em terras indígenas.

Este mês, em outra medida infralegal, o presidente Jair Bolsonaro decretou a segunda operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para combater crimes ambientais na Amazônia. O decreto determinou que Ibama eI CM Bio ficarão subordinados às Forças Armadas nas operações realizadas durante a GLO.

Na avaliação do coordenador de políticas públicas do Greenpeace no Brasil e secretário-executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini, a fala de Salles soa como uma convocação a uma“força-tarefa” de destruição domei o ambiente. Para ele, afalado ministro deixa claro que ele sabia estar fazendo algo errado:

— Salles sabia que, para evitar problemas jurídicos, precisaria encomendar pareceres jurídicos junto à AGU. É um absurdo por si só.

Questionado,vi anotado Ministério do Meio Ambiente, que “regras irracionais” atrapalham o país. “Sempre defendi desburocratizar e simplificar normas, em todas as áreas, com bom senso e tudo dentro da lei. O emaranhado de regras irracionais atrapalha investimentos, a geração de empregos e, portanto, o desenvolvimento sustentável no Brasil.”