Correio braziliense, n. 20866 , 09/07/2020. Cidades, p.22

 

Picada de naja deixa jovem em coma

Darcianne Diogo

09/07/2020

 

 

COBRA EXÓTICA » Estudante de medicina veterinária criava o réptil em um condomínio no Guará 2. Ibama informou que o estudante não tem permissão para manter o animal em ambiente doméstico. Polícia Civil investiga a procedência do animal

A polícia investiga a procedência da naja que picou um estudante de 22 anos, no Guará 2. Investigações apontam que Pedro Henrique Santos Krambeck Lehmkuhl criava o réptil e o mantinha em casa. O rapaz está internado em estado grave na unidade de terapia intensiva (UTI) do Hospital Maria Auxiliadora, no Gama. O Batalhão da Polícia Militar Ambiental (BPMA) resgatou a cobra na noite de ontem, perto do shopping Pier 21.

A naja, espécie encontrada no sul da Ásia, é extremamente nociva ao ser humano, possuindo um veneno de ação neurológica, segundo informou o Zoológico de Brasília. O jovem, que é estudante de medicina veterinária, foi picado na última terça-feira, dentro de casa, em um condomínio na QE 40 do Guará 2, segundo a apuração policial. Após ser atingido, ele foi encaminhado ao hospital. O soro antiofídico necessário para a anulação do veneno veio do Instituto Butantan, em São Paulo, e chegou ao DF na noite de terça-feira.

O Correio apurou que, na madrugada de ontem, Pedro sofreu um choque anafilático, consequência de uma reação alérgica grave, e a administração do soro precisou ser interrompida. Só após um período de mais de seis horas em observação, a equipe médica pôde continuar o procedimento. Pela manhã, o estudante apresentou melhora e precisou ser submetido a uma hemodiálise, com o intuito de remover substâncias tóxicas do sangue. O rapaz, no entanto, permanece em coma.

Buscas e apreensão

A 14ª Delegacia de Polícia (Gama) recebeu denúncias anônimas de que o animal estaria em uma chácara na cidade. A partir daí, agentes saíram às ruas em busca da naja. “Descobrimos que a cobra estava com um amigo do jovem, que, inclusive, estava ao lado dele no momento em que foi picado. Entramos em contato com esse colega e estávamos negociando para que ele entregasse o animal na delegacia. Contudo, em determinado momento, ele falou que devolveria o animal para a Polícia Militar”, frisou o delegado-chefe da 14ª DP, Jônatas Silva.

Segundo o comandante do BPMA, major Elias Costa, familiares de Pedro Henrique forneceram informações que levaram ao contato do adolescente que estaria com o bicho. Após buscas no Lago Norte, Setor de Mansões do Lago Norte, Paranoá, Lago Sul e até na Ponte Alta do Gama, integrantes do batalhão convenceram o garoto a revelar que ele havia deixado o animal nas proximidades do shopping Pier 21, “num local escuro e atrás de um morro de areia”, como descreve o major. “A cobra, aparentemente, está bem. O local onde está condicionado é ideal para esse tipo de animal, caso alguém queira levá-lo para algum lugar. Muito embora seja uma espécie bem agressiva, nós não o encontramos agressivo, está bem tranquilo”, detalhou.

O Correio apurou que o animal foi apresentado na Polícia Federal. De acordo com o delegado Jônatas Silva, o amigo de Pedro Henrique será ouvido pela polícia. “Caso fique constatado que ele praticou algum tipo de crime, poderá responder por tráfico de animais, pelo fato de ter ocultado a cobra”, destacou.

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) informou que o estudante não tem permissão para manter o animal em ambiente doméstico, pois a legislação permite apenas espécies não venenosas para esse fim. O órgão destacou que o animal poderia ser criado apenas para fins comerciais, no caso de instituições farmacêuticas ou com o intuito de conservação, ou seja, quando o animal não pode voltar à natureza. “Para isso, o responsável precisa ter autorização emitida por órgão ambiental estadual e seguir regras para a criação, como mantê-la em local apropriado” destacou o instituto.

O Ibama informou que emitirá multa, que pode variar de R$ 500 a R$ 5 mil, ao proprietário da residência onde estava o animal. De acordo com o instituto, a cobra será encaminhada para o Zoológico de Brasília.

Fã de cobras

Nas redes sociais, Pedro Henrique demonstrava ser um admirador de cobras. Em um perfil no Facebook, o rapaz costuma compartilhar diversas publicações com imagens do réptil. Em uma delas, uma criança aparece brincando com o animal. Contudo, não há, ao menos em modo público, qualquer registro que revele espécimes criadas pelo próprio estudante.

Pedro cursa medicina veterinária na Uniceplac desde 2016. A coordenadora do curso, Daniella Ribeiro Guimarães Mendes, disse ao Correio que diversos alunos manifestam apreço pelos mais diversos tipos de animais, mas são instruídos sobre a necessidade do respeito ao habitat de cada espécie. “Para aulas, podemos ter bovinos, equinos e outros animais mais domésticos. Animais selvagens em cativeiro representam um perigo e pode ser um mal para o próprio animal. Até porque é impossível alguém sair andando e se deparar com uma espécie dessas por aqui”, pontuou.

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Cobra é rara e tem veneno mortal

Maíra Alves

09/07/2020

 

 

A cobra naja, espécie encontrada no sul da Ásia, que picou o estudante de veterinária Pedro Henrique é extremamente nociva ao ser humano, possuindo um veneno de ação neurológica, segundo o Zoológico de Brasília. A serpente, encontrada especialmente na Tailândia e responsável por vários acidentes no país, possui uma peçonha capaz de afetar o sistema nervoso central das vítimas, vindo a ser fatal.

“Vai afetar a respiração, a noção de espaço e tempo, a pessoa perde essa noção e tende a ir para o estado sonolento até para o estado mais sério, e ter complicações mais graves decorrentes do veneno do animal, podendo vir a óbito”, explica o biólogo diretor de répteis e artrópodes do Zoo, Carlos Eduardo Nóbrega.

Carlos diz, também, que não é possível mensurar o tempo que leva para o veneno chegar a matar outros animais ou seres humanos. Tudo dependerá da quantidade de peçonha injetada e do estado prévio da saúde daquela vítima.

De acordo com o biólogo, a espécie brasileira que mais se assemelha ao tipo de veneno e comportamento da naja é a cobra-coral verdadeira. Contudo, ele ressalta que a peçonha da naja tem maior potencial danoso às pessoas. As najas vivem, em média, 15 anos e, na fase adulta, podem chegar a medir até três metros. O biólogo afirma, contudo, que a espécie é tranquila e que só ataca os seres humanos exclusivamente por defesa. “Ela é uma espécie que, se você não mexe com ela, ela é tranquila e vai embora sem maiores problemas. Mas, se ela se sente ameaçada, a primeira reação dela não é atacar, é levantar, erguer o corpo e abrir o capelo”, explica.

De acordo com o diretor, não se deve trazer nenhum animal para o Brasil sem autorização do Ibama e licença de todos os órgãos ambientais. “Isso porque, quando você traz um animal desse, você tem que primeiro trazer o soro”, explica.

Soro antiofídico

O hospital Maria Auxiliadora fez um pedido em caráter emergencial para que o Instituto Butantan, em São Paulo, enviasse o soro antiofídico para Brasília. O Instituto Butantan ressalta que, por ser uma espécie exótica, o soro é importado e faz parte de um estoque limitado, voltado para uso dos próprios pesquisadores caso aconteça algum acidente. O Butantan produz soros apenas para espécies encontradas no Brasil.