O globo, n. 31696, 18/05/2020. País, p. 4

 

PGR investiga influencia na PF

Marco Grillo

Carolina Brígido

Juliana Dal Piva

Juliana Castro

18/05/2020

 

 

Suplente diz que Flavio foi avisado de operação

A Procuradoria-Geral da República enviou um ofício à Polícia Federal solicitando o depoimento do empresário Paulo Marinho no inquérito aberto no Supremo Tribunal Federal (STF) para apurar se o presidente Jair Bolsonaro tentou interferir politicamente no órgão, como afirma o ex-ministro da Justiça Sergio Moro.

Marinho — que foi um dos principais apoiadores da campanha de Bolsonaro à Presidência —disse, em entrevista à “Folha de S. Paulo”, que o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) teria sido informado antecipadamente, por um delegado da PF, sobre a deflagração da Operação Furna da Onça, em 2018. A ação continha documentos que mostravam movimentação atípica de R$ 1,2 milhão na conta de Fabrício Queiroz, então assessor de Flávio.

A PGR também solicitou que a PF ouça, na mesma investigação, Miguel Ângelo Braga G ril lo, chefe de gabinete de Flávio desde 2007. A deflagração da operação, segundo Marinho —suplente de Flávio no Senado—,teria sido adiada para que não acontecesse em meio ao segundo turno da eleição presidencial de 2018, o que poderia prejudicara campanha de Jair Bolsonaro.

PF ABRE PROCEDIMENTO

A Polícia Federal instaurou procedimento para investigar a hipótese de vazamento e atraso da operação, mas ponderou que a Furna da Onça foi deflagrada apenas oito dias após a expedição do mandado.

Em nota, o presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, desembargador Abel Gomes, afirmou que a Operação Furna da Onça não foi adiada, mas, sim, deflagrada no momento considerado mais oportuno pelas autoridades envolvidas naquele processo de decisão. A motivação, segundo o magistrado, não foi “favorecer quem quer que seja”, mas evitar a falsa percepção de que a ação tinha motivações políticas.

Um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) disse ao GLOBO, em caráter reservado, que a revelação de que a PF teria antecipado a informação para Flávio Bolsonaro pode influenciar o inquérito aberto no tribunal. Para esse ministro, os novos fatos serviriam como elemento para comprovar que a família Bolsonaro tinha acesso a informações sigilosas da PF.

Parlamentares de oposição insistem que o caso deve ser investigado no STF. Em petição enviada à Corte, o deputado federal Marcelo Calero (Cidadania-RJ) argumenta que há relação entre os fatos apresentados por Marinho e a investigação já em andamento no Supremo, aberta após a acusação do ex-ministro Sergio Moro de que Bolsonaro buscava interferir na PF. Calero sugere que 13 pessoas sejam ouvidas: Flávio, Queiroz, Marinho, advogados que teriam presenciado a conversa, assessores do senador e delegados da PF —entre eles,

Alexandre Ramagem, que teve a nomeação para a direção geral da PF barrada pelo Supremo e comandou a Operação Cadeia Velha, que precedeu a Furna da Onça.

Os dez deputados que compõem a banca dado P SOL na Câmara e o líder do PDT, Wolney Queiroz (PE), também apresentaram um pedido para que o relato de Marinho seja investigado dentro do inquérito já aberto. Líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) afirmou que também vai pedir ao STF que Marinho seja ouvido.

As legendas que se opõem ao governo se mobilizam para instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Líder do PSB, Alessandro Molon (RJ) afirmou que começará hoje a recolher assinaturas para a “CPI do Queiroz”. Para o líder da minoria, José Guimarães (PT-CE), o relato de Marinho reforça que Bolsonaro construiu uma “rede de ilegalidades”.

Líder do governo no Congresso, o senador Eduardo Gomes (MDB-TO) chamou de “ridícula” a tentativa de criar uma CPI:

—O Paulo Marinho demorou mais de um ano para contar isso? Evidente que tem um componente político forte. Não tem o menor sentido —disse Gomes.

MARINHO DIZ TER PROVAS

Marinho preside o PSDB fluminense e anunciou a intenção de concorrer à prefeitura do Rio neste ano. Segundo informação da colunista Bela Megale, o empresário disse a interlocutores que tem como comprovar as acusações. Ontem, ele pediu proteção policial ao governo fluminense, sob alegação de que corre risco de vida.

O empresário disse à “Folha” que, no dia 12 de dezembro de 2018, recebeu um telefonema de Flávio pedindo a indicação de um advogado criminalista para defendê-lo no caso da “rachadinha”. No dia seguinte, Flávio teria relatado a Marinho e ao advogado Christiano Fragoso que, em outubro daquele ano, uma semana após o primeiro turno das eleições, assessores dele foram ao encontro de um delegado da PF, que os alertou sobre a futura deflagração da Operação Furna da Onça. Estariam presentes seu chefe de gabinete, coronel Miguel Angelo Braga, o advogado Victor Alves e a funcionária Val Meliga.

Após o encontro com Flávio, Marinho e Fragoso teriam indicado o advogado Ralph Hage Vianna para fazer a defesa de Queiroz. Vianna admitiu ao GLOBO ter sido procurado para atuar no caso em dezembro de 2018, mas diz que não permaneceu na causa.

Segundo Marinho, a defesa de Flávio e Queiroz, que estava sendo montada pelos advogados Christiano Fragoso e Ralph Hage Vianna, respectivamente, mudou depois do dia 18 de dezembro. No relato de Marinho, depois da cerimônia de diplomação do mandato no Senado, Flávio contou a ele que tinha mudado de estratégia jurídica.

As informações de Marinho são corroboradas pelas mudanças na defesa de Queiroz. Os autos da investigação aos quais O GLOBO teve acesso mostram que, no dia 18 de dezembro, o advogado Paulo Klein oficializou a troca.

Flávio exonerou Queiroz em 16 de outubro de 2018. No mesmo dia, a filha dele, Nathalia, foi exonerada do gabinete de Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados. A Operação Furna da Onça foi deflagrada pouco depois, em 8 de novembro. Embora não tivesse Queiroz entre os alvos, a ação expôs sua movimentação financeira atípica, uma vez que ela constava entre os documentos recebidos pelos procuradores. Relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) elaborado em janeiro de 2018 comprova que os investigadores já detinham essas informações antes da eleição.

LINHA DO TEMPO DO CASO QUEIROZ

14/11

Operação Cadeia Velha prende Jorge Picciani, ex-presidente da Alerj

03/01

Relatório do Coaf, com dados de movimentações financeiras de funcionários da Alerj, é remetido ao MP do Rio

31/07

MP do Rio instaura procedimento de investigação a partir do relatório do Coaf

7/10

Primeiro turno das eleições. Uma semana depois, segundo Paulo Marinho, Flavio Bolsonaro teria sido informado sobre a futura Operação Furna da Onça

16/10

Fabrício Queiroz e a filha Nathalia Queiroz são exonerados dos gabinetes de Flávio Bolsonaro e Jair Bolsonaro, respectivamente

8/11

Operação Furna da Onça é deflagrada e prende 10 deputados no Rio

22/11

Fabrício Queiroz é notificado pelo MP do Rio para prestar depoimento no dia 04/12/2018

03/12

Cezar Tanner, primeiro advogado de Queiroz, pede adiamento do depoimento

06/12

Reportagem do Estadão revela movimentação atípica de Queiroz