O Estado de São Paulo, n.46245, 29/05/2020. Internacional, p.A7

 

Irritado com o Twitter, Trump assina decreto para regular mídias sociais

29/05/2020

 

 

Tecnologia. Após ter postagens classificadas como ‘enganosas’ pela plataforma digital, presidente americano reclama de ‘censura’ e baixa norma que abre caminho para que empresas sejam responsabilizadas e enfrentem ações judiciais por comentários de usuários

Ofensiva. Trump mostra seus tuítes pouco antes de assinar determinação que responsabiliza as redes sociais por conteúdo

O presidente dos EUA, Donald Trump, assinou ontem uma ordem executiva que pode abrir as portas para ações judiciais contra Facebook, Google e Twitter pela maneira como policiam o conteúdo publicado nas mídias sociais. A determinação é um golpe contra as empresas de tecnologia do Vale do Silício, que prometeram contestar o decreto nos tribunais.

Trump argumentou que a ordem é uma tentativa de acabar com o que chama de “viés político” das plataformas. A iniciativa do presidente dos EUA veio dias depois de o Twitter ter colocado alertas de checagem nas mensagens de Trump, que direcionavam usuários para sites de verificação da veracidade das postagens.

Para Trump, houve censura. “Estamos aqui hoje para defender a liberdade de expressão de um dos seus maiores perigos”, disse o presidente, antes de assinar o documento. Na prática, a medida permitirá a agências federais regularem o conteúdo publicado nas mídias sociais.

A diretiva do presidente pretende incentivar os reguladores a repensar uma parte da lei conhecida como Seção 230. A legislação poupa as empresas de tecnologia de serem responsabilizadas pelos comentários, vídeos e outros conteúdos publicados pelos usuários.

A regra, porém, é controversa, pois dá direito às empresas de tecnologia de policiar suas plataformas por abuso sem medo de ações judiciais. Críticos dizem que essas exceções permitiram que as gigantes da tecnologia do Vale do Silício reduzissem a responsabilidade pelo conteúdo nocivo que é postado em suas plataformas, incluindo discurso de ódio, propaganda terrorista e informações falsas de políticos em meio a eleições.

A ordem pode levar autoridades federais a abrir um processo para reconsiderar o alcance da lei. A mudança significa implicações à liberdade de expressão e consequências abrangentes para uma ampla faixa de empresas de internet. A medida também deve canalizar reclamações sobre o “viés político” de publicações para a Federal Trade Commission (FTC), agência incumbida da aplicação da lei antitruste e da proteção do consumidor.

A FTC seria incentivada a investigar se as políticas de moderação de conteúdo das empresas de tecnologia estão de acordo com suas promessas de neutralidade. Além disso, a ordem de Trump também exigirá que as agências federais revisem seus gastos com publicidade nessas mídias sociais.

“Em um país que há muito tempo aprecia a liberdade de expressão, não podemos permitir que um número limitado de plataformas online escolha o discurso que os americanos podem acessar e transmitir online”, diz o documento.

A medida foi uma reação furiosa de Trump contra o Twitter, que marcou um post do presidente com um selo de “enganoso”, usado para notícias falsas. A marcação irritou o presidente e seus apoiadores, que acusaram o Twitter de “censura” e de usar “viés político” em suas publicações. As empresas de tecnologia há muito rejeitam esse argumento.

O decreto assinado ontem é a mais abrangente ação da Casa Branca contra o Vale do Silício, depois de anos de ataques e de ameaças regulatórias. A determinação também pode levantar questões novas e espinhosas sobre a Primeira Emenda, o futuro da liberdade expressão online e até que ponto o governo pode legalmente influenciar as decisões que empresas privadas tomam sobre aplicativos, sites e serviços.

Trump é um dos usuários mais prolíficos e influentes das mídias sociais. Sua conta no Twitter tem mais de 80 milhões de seguidores e se tornou um dos pontos centrais de sua campanha à Casa Branca. No entanto, o presidente também é uma das vozes mais controvertidas da internet. Ele já compartilhou postagens, fotos e vídeos que violam as diretrizes das principais empresas de tecnologia, que proíbem ou desencorajam conteúdo prejudicial, abusivo ou falso.

Twitter x Facebook. O post de Trump e o alerta colocado pela rede social provocaram uma discussão pública, que vem sendo travada desde terça-feira, entre o CEO do Twitter, Jack Dorsey, e o presidente do Facebook, Mark Zuckerberg.

Zuckerberg apareceu em um programa da emissora Fox News dizendo que não acreditava que as plataformas digitais devessem agir como um “árbitro da verdade de tudo o que as pessoas dizem online”. “Empresas privadas não deveriam fazer isso”, afirmou.

Em seguida, na mesma noite, Dorsey atacou Zuckerberg em uma série de tuítes, dizendo que o Twitter continuaria apontando informações falsas ou contestadas sobre eleições em todo o mundo. “Isso não nos torna um árbitro da verdade”, disse. “Nossa intenção é conectar os pontos de declarações conflitantes e mostrar as informações para que as pessoas possam julgar por si mesmas.”