O globo, n. 31701, 23/05/2020. País, p. 10

 

'Eu quero todo mundo armado', diz Bolsonaro

Marco Grillo

23/05/2020

 

 

Em reunião, presidente cobrou Moro e ministro da Defesa a assinarem portaria que aumentou limite de compra de munições por civis e disse que armar a população seria maneira de evitar instalação de ditadura no país
Agenda armamentista. Implementada por Bolsonaro no governo, a flexibilização ao Estatuto do Desarmamento é reforçada em sua fala: 'que o povo se arme'
No dia anterior à publicação de uma portaria que elevou a quantidade de munições que civis com posse e porte de armas podem comprar, o presidente Jair Bolsonaro defendeu em reunião ministerial que o povo se armasse para evitar uma ditadura. O volume autorizado para a aquisição, que era de 200 cartuchos por ano, passou a ser de até 300 unidades por mês, a depender do calibre do armamento. O conteúdo da reunião ministerial foi divulgado ontem por decisão do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF). O vídeo faz parte do inquérito que apura se o presidente Jair Bolsonaro interferiu na Polícia Federal (PF), como acusa o ex-ministro da Justiça Sergio Moro.

A agenda armamentista foi anunciada por Bolsonaro durante a campanha e implementada por ele no governo. No ano passado, o presidente editou oito decretos tratando do tema — algumas normas revogavam textos anteriores —, consolidando flexibilizações ao Estatuto do Desarmamento. Um decreto que permitia o porte — o direito de andar armado nas ruas — para várias categorias profissionais foi barrado no Senado. Neste ano, o governo elevou o número de munições, e Bolsonaro determinou a revogação de portarias do Exército que implementavam normais mais rígidas para controle e rastreamento de armas e cartuchos. O militar responsável pela regulamentação deixou o posto, mas, segundo o Exército, a ida dele para a reserva já estava prevista anteriormente, por decisão do Alto Comando.

— Olha, como é fácil impor uma ditadura no Brasil. Como é fácil. O povo tá dentro de casa. Por isso que eu quero, ministro da Justiça e ministro da Defesa, que o povo se arme. Que é a garantia que não vai ter um filho da puta aparecer pra impor uma ditadura aqui. Que é fácil impor uma ditadura. Facílimo. Um bosta de um prefeito faz uma bosta de um decreto, algema e deixa todo mundo dentro de casa. Se tivesse armado, ia pra rua. E se eu fosse ditador, né? Eu queria desarmar a população, como todos fizeram no passado quando queriam, antes de impor a sua respectiva ditadura. Aí, que é a demonstração nossa, eu peço ao Fernando (Azevedo) e ao (Sergio) Moro que, por favor, assinem essa portaria hoje e que eu quero dar um puta de um recado para esses bostas. Por que que eu tô armando o povo? Porque eu não quero uma ditadura. E não dá para segurar mais — disse Bolsonaro. A declaração do presidente também reforça a crítica feita por ele com frequência sobre as medidas de isolamento social determinadas por prefeitos e governadores durante a pandemia de coronavírus. Já a portaria citada foi publicada no dia seguinte, com a assinatura do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, e do então titular da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro. Na sequência do encontro, Bolsonaro disse que os ministros que não apoiam a defesa da família e do armamento, entre outros pontos, estão no "governo errado". — Quem não aceitar a minha, as minhas bandeiras, Damares (Alves): família, Deus, Brasil, armamento, liberdade de expressão, livre mercado. Quem não aceitar isso, está no governo errado. Esperem para vinte e dois, né? O seu Álvaro Dias. Espere o (Geraldo) Alckmin. Espere o (Fernando) Haddad. Ou talvez o (Luiz Inácio) Lula (da Silva), né? E vai ser feliz com eles, pô! No meu governo tá errado. É escancarar a questão do armamento aqui. Eu quero todo mundo armado! Que povo armado jamais será escravizado. E que cada um faça, exerça o teu papel. As declarações de Bolsonaro aconteceram após o ministro da Educação, Abraham Weintraub, defender a prisão para ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e fazer críticas a quem obtém "privilégios" do Estado. Weintraub se definiu como um "militante" e, em resposta, Bolsonaro disse que levaria ministros para andar por regiões no entorno do plano piloto de Brasília para conhecer a realidade do "povo": — É uma experiência para todo político sentir .