O globo, n. 31701, 23/05/2020. País, p. 13

 

Bolsonaro vê ação para incriminar seus filhos

Daniel Gullino

Naira Trindade

23/05/2020

 

 

Presidente admite que pediu ajuda do ex-ministro da Justiça Sergio Moro para impedir 'chantagem', classifica vídeo de 'farsa' e diz que a responsabilidade pelo conteúdo da reunião é do ministro Celso de Mello, do STF
O presidente Jair Bolsonaro minimizou a divulgação do vídeo da reunião ministerial ontem, mas admitiu preocupação coma possibilidade de que algum de seus filhos seja alvo de busca e apreensão. Em entrevista na porta do Palácio do Alvorada depois da divulgação do vídeo, ele disse que pediu ajuda ao ex-ministro Sergio Moro (Justiça) para impedir isso.Bol sonar o negou que agravação prove interferênciana Polícia Federal. — O tempo todo vivendo sob tensão, possibilidade de busca e apreensão na casa de filho meu, onde provas seriam plantadas. Levantei isso, graças a Deus, tenho amigos policiais civis e policiais militares do R iode Janeiro, que isso estava sendo arma dopar aci made mim ."Moro, eu não que roque me blinde, mas você tema missão de não deixar eu ser chantageado" —afirmou. Bolsonaro fez uma longa defesa sobre o conteúdo do vídeo. Antes de falara jornalistas, publicou nas redes sociais que a divulgação mostrou"mais uma farsa( foi) desmontada". "Nenhum indício de interferência na Polícia Federal", acrescentou, em publicação no Facebook, junto com um trecho de 21 minutos da reunião. Depois, em entrevista à rádio Joven Pan, Bolsonaro insistiu que não há prova de interferência na gravação e disse que Sergio Moro "deve estar revoltado":

— Qual é o ponto na fita que eu interfiro na Polícia Federal? O senhor Sergio Moro deve estar revoltado, porque não tem nada. Isso é o que interessa.

Na sequência, na portaria do Alvorada, reclamou da divulgação do vídeo. Disse que o conteúdo da reunião ministerial do dia 22 de abril foi classificado como secreto e que a responsabilidade pelo o que foi dito sobre outros temas pelos ministros cabe a Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou sua divulgação. —O senhor Celso de Mello resolveu suspender o grau de sigilo secreto do vídeo e divulgou, pelo o que consta, 99% do vídeo. Apenas dois pedaços que falamos de política internacional não foi divulgado. O vídeo para nós estava classificado como secreto, quem suspendeu o sigilo do vídeo foi o senhor Celso de Mello, então a responsabilidade de tudo naquele vídeo que não tem a ver com o inquérito é do senhor ministro do STF, Celso de Mello. Nenhum ministro meu tem responsabilidade do que foi falado ali, foi uma reunião reservada de ministros, não foi reunião aberta. E essa sempre foi a nossa prática —afirmou Bolsonaro, na chegada ao Palácio da Alvorada. Em conversas reservadas, Bolsonaro demonstrou a aliados preocupação com poucos trechos da gravação, como a parte em que xinga os governadores João Doria e Wilson Witzel, e com a possibilidade de o ministro da Educação, Abraham Weintraub, responder criminalmente pelas falas contra os ministros do Supremo Tribunal Federal. Já em relação às suas declarações, integrantes do Planalto minimizaram os impactos institucionais e avaliaram que a divulgação das imagens pode até repercutir positivamente junto à base eleitoral e à militância dele.

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Oposição repudia gravação, e centrão fica em silêncio

Isabella Macedo

Bruno Góes

23/05/2020

 

 

Grupo de partidos elaborou nota conjunta para pedir impeachment de Bolsonaro. Apoiadores do presidente comemoraram imagens divulgadas
A divulgação do conteúdo do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril mobilizou parlamentares do Congresso Nacional na noite de ontem. Partidos de oposição ao governo Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados e no Senado assinaram juntos uma nota de repúdio às falas do presidente e dos ministros, reveladas nas imagens. Líderes de PT, PDT, PSB, PCdoB, PSOL e Rede afirmaram que a gravação revela "o baixo nível dos integrantes" do governo, além de representar um ataque à Constituição. Siglas do centrão, que têm se aproximado e negociado cargos com o governo, não se manifestaram sobre as declarações. Aliados de Bolsonaro comemoraram a repercussão.

O principal pedido da oposição, registrado na nota de repúdio, é que o Congresso abra um processo de impeachment de Bolsonaro "o mais rápido o possível". Líderes partidários afirmam que o Parlamento está "a postos para fazer cumprir o seu papel" nesse sentido. Para essas legendas, a reunião deslegitima o governo e "escancara o desprezo à democracia, à vida e às conquistas civilizatórias do povo brasileiro" e "indica a tentativa de formação de milícias em defesa de um projeto antinacional e antidemocrático".

O PSDB, que não assinou a nota, classificou o encontro como "um dos momentos mais baixos e deprimentes da história recente brasileira" e criticou os palavrões e ameaças proferidas. "Em alguns momentos, parecia mais uma reunião de uma gangue armamentista", completa a nota da sigla. O grupo silencioso do centrão (PP, PL, Republicanos e PSD) compõe uma bancada de 146 deputados na Câmara. Para que um processo de impeachment seja barrado na Casa, Bolsonaro precisaria conquistar 172 votos a seu favor. A ideia do Planalto é consolidar cerca de 200 votos para evitar o prosseguimento de qualquer denúncia por crime de responsabilidade. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), comentou sobre o vídeo antes mesmo de assistir às imagens. Ele disse que a postura de integrantes do governo não o surpreende. — Há ministros que não precisam de uma reunião privada para serem agressivos e atacarem as instituições. Isso se faz há algum tempo, principalmente o ministro da Educação (Abraham Weintraub) e o ministro da GSI (Augusto Heleno). São dois que têm a mania do enfrentamento e do ataque até abusivo em algum momento em relação às instituições — disse Maia em entrevista ao canal Record News. Para o líder do partido Novo na Câmara, Paulo Ganime (RJ), o STF deve prosseguir com o inquérito sobre a suposta interferência de Bolsonaro na Polícia Federal (PF), "mas se essa era a única prova de interferência indevida na PF, não há prova alguma", afirmou o deputado nas redes sociais.

 COMEMORAÇÃO

Parlamentares bolsonaristas comemoraram a divulgação do vídeo. Bia Kicis (PSL-DF) disse que Bolsonaro "esbraveja exinga não pra desviar dinheiro, fechar contratos com empreiteiras, mas para proteger o povo dos ditadores e Já a deputada Carla Z ambelli ( PS L- SP) anunciou nova manifestação a favor de Bolsonaro no domingo. Ela acrescentou que o vídeo é "sensacional" e que o presidente representa os brasileiros.

No Senado, líderes partidários reclamaram sobre a falta de debate de ações para enfrentara pandemia do novo coronavírus durante a reunião. Líder do PDT na Casa, o senador Weverton (MA) publicou na internet que "não se vê uma mobilização sincera e preocupada em torno do te maque domina avida de todos os brasileiros: o combate ao coronavírus". As falas dos ministros Weintraube Ricardo Salles( Meio Ambiente) foram os principais alvos de indignação entre parlamentares, além das declarações de Bolsonaro. Weintraub afirmou durante a reunião que, por ele, "botava esses vagabundos todos na cadeia" e mencionou em seguida os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O líder da minoria no Senado, Randolfe Rodrigues (RedeAP), afirmou que o ministro deveria ser preso. "Cadê a ordem de prisão contra Weintraub? Não tem conversa alguma", escreveu no Twitter. Governadores de partidos de oposição também se manifestaram virtualmente. Flávio Dino (PCdoB), do Maranhão, disse que assitiu aos vídeos com "perplexidade, indignação e tristeza". Já o governador da Bahia, Rui Costa (PT), afirmou que a reunião "revela um repertório inacreditável de crimes, quebras de decoro e infrações administrativas" e "uma imensa desmoralização e perda de legitimidade" do comando do país.