O globo, n. 31692, 14/05/2020. Especial Coronavírus, p. 5

 

Leitos na Justiça

Henrique Gomes Batista

Elisa Martins

Constança Tatsch

14/05/2020

 

 

Brasil tem mais de 100 ações pedindo vagas em hospitais

ALEXANDRE CASSIANOBem raro. Escassez de UTIs para Covid-19 vem causando disputas judiciais; especialistas cobram plano unificado

 Com o avanço da pandemia do novo coronavírus, a briga por leitos hospitalares começa a esbarrar na Justiça. Já há ao menos 119 ações demandando vagas em quatro estados (RJ, AM, CE e RN), segundo levantamento do escritório Rubens Naves Santos Jr. Advogados.

No Brasil, 25% da população têm plano de saúde e a rede de hospitais privados dispõe de 15.754 leitos de UTI para adultos — parte destes também é usada para atender a pacientes do SUS, graças a convênios já existentes. Porém, coma Covid-19, a discussão entrou em outro patamar.

Na sexta-feira, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou uma nota técnica que recomenda a adoção de medidas para prevenir a judicialização da saúde durante a pandemia. O texto não tem efeito de lei, mas é uma sugestão do Poder Judiciário aos governos federal, estaduais e municipais sobre a necessidade de um plano de ação para a ocupação dos leitos de UTI público privados e de uma centralização nessa gestão.

A proposta defende a criação de Centros de Operações de Emergência Estadual, que seriam responsáveis por acionar os planos de contingência e monitorar os recursos para a crise, em articulação com a União.

“A preferência neste momento deve se dar pela requisição/contratação de leitos não SUS, pela rapidez e pela economicidade dessa ação em relação à contratação de hospitais de campanha, mantendo-se, é claro, a utilização das estruturas já criadas”, orienta a nota, que prega a negociação antes da requisição e judicialização dos leitos.

Há um consenso entre especialistas de que um marco jurídico nacional é essencial na orientação de governos, gestores de saúde e juízes em eventuais processos.

—Se já tivemos caos na disputa por respiradores e equipamentos, com várias decisões judiciais no mesmo dia pelo mesmo bem, a situação tende a ser ainda pior com leitos, se não houver um diálogo nacional — afirma Domiciano Sá, sócio do Campos Mello Advogados, que defende diversas instituições de saúde.

Procurado pelo GLOBO, o Ministério da Saúde afirma que estuda diversas possibilidades para atendimento da população no SUS eque“ouso d eleitos de hospitais particular e sé uma das ações que ainda estão emaná li separas erem adotadas de acordo coma evolução da doença no país ”.

Ou sode leitos privados está longe de sera solução para a crise, já que há estados em que a rede particular também está lotada. Breno Monteiro, presidente da Confederação Nacional de Saúde, entidade que representa empresas do setor, diz que Amazonas, Pará, Maranhão, Ceará, Pernambuco e R iode Janei rojá estão nesta situação, ou muito perto dela.

— Estamos conversando com o Ministério da Saúde há dois meses. Uma estratégia nacional seria muito mais vantajosa —afirma.

ESTADOS FECHAM ACORDOS

Alguns estados e municípios chegaram a acordos para uso da rede privada sem a necessidade de disputas na Justiça. Foi o caso da prefeitura de São Paulo, que, no dia 6 de maio, emitiu um decreto que cria parâmetros para abrir até 20% da rede privada da cidade para pacientes do SUS.

Segundo o prefeito Bruno Covas, a medida vai permitir à rede municipal ampliar a oferta em 3.456 leitos entre os de UTI e os de enfermaria. Já foram fechados acordos com ao menos sete hospitais privados da capital paulista. A prefeitura deverá pagar R$ 2.100 por leito, por dia de uso.

Estratégia semelhante adotou o Rio Grande do Sul, onde a taxa de ocupação dos leitos de UTI, entre SUS e privados, chegava a 72% na última sexta-feira. Naquele dia o governo estadual lançou um edital para credenciamento de hospitais privados interessados em oferecer leitos de UTI adultos para pacientes suspeitos ou confirmados de Covid-19 com remuneração de R$ 1.600 por leito, por dia.

Alguns dos principais hospitais privados do país, como o Sírio-Libanês e o Einstein, ambos em São Paulo, são favoráveis ao acionamento da rede privada, mas cobram critérios claros na requisição das vagas. As duas instituições já fazem gestão de algumas unidades públicas na cidade.

Marcela Arruda, sócia do escritório Rubens Naves Santos Jr. Advogados, alerta para a necessidade de critérios bem definidos para determinar a necessidade da requisição na rede particular.

— O gestor público realmente esgotou os esforços para adequação de leitos em hospitais públicos? Instalou os hospitais de campanha? São perguntas necessárias — diz ela, que fez o levantamento das 119 ações pelo país, a maioria delas no Rio.