Valor econômico, v.21, n.5017, 08/06/2020. Brasil, p. A3

 

Governo quer 'ambientalismo de resultado'

Fernando Exman 

08/06/2020

 

 

Ciente de que o aumento do desmatamento tem causado graves prejuízos à imagem do Brasil no exterior e sua relação com parceiros históricos, o governo divulgará nos próximos dias o Plano de Combate ao Desmatamento Ilegal, que deverá vigorar até julho de 2023. O plano atual expira no fim deste mês, num momento em que o vice-presidente Hamilton Mourão tenta implementar algumas medidas para evitar uma nova onda de queimadas no segundo semestre. Um dos motes do plano é tolerância zero ao desmatamento ilegal.

A produção do documento é do Ministério do Meio Ambiente, mas está sendo feita sob a supervisão da Vice-Presidência da República desde que Mourão assumiu o comando do Conselho da Amazônia. A recriação do colegiado foi uma sugestão do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. O vice assumiu a missão e tem coordenado os esforços do governo na área, assim como a interlocução com Estados e embaixadores.

A versão do plano à qual o Valor teve acesso não mascara a gravidade da situação e os desafios a serem enfrentados nesta área. Cita, inclusive, indicadores antes contestados por algumas autoridades do Executivo e pelo presidente Jair Bolsonaro. "Considerando que os esforços realizados no passado não foram integralmente suficientes, a taxa de desmatamento na Amazônia Legal voltou a subir, com oscilações, a partir de 2012 (Prodes/Inpe.2019). Para o cerrado, a taxa de desmatamento reduziu no último ano. Nos demais biomas, o cálculo das taxas está em processo de desenvolvimento", destaca o texto já em seus parágrafos iniciais.

Essas mesmas linhas revelam outra característica do documento, que deve valer até 2023. Enquanto o plano atual foca a Amazônia, a nova edição aborda todos os biomas presentes no Brasil e prega a implementação de um "ambientalismo de resultado" a partir de algumas diretrizes para as políticas públicas e para a interação do governo com demais setores da sociedade. "Para que um ambientalismo de resultado seja efetivamente implementado, é necessário desenvolver mecanismos econômicos e jurídicos robustos, de modo que forneça incentivos para quem pretende empreender de forma sustentável, coibindo a prática de crimes ambientais", pontua o plano em seu tópico sobre ambiente de negócios. "Assim, espera-se alcançar mais emprego e renda associados a atividades sustentáveis e maior conservação dos biomas."

Nesse sentido, o plano é dividido em cinco eixos: tolerância zero ao desmatamento ilegal, regularização fundiária, ordenamento territorial, pagamento por serviços ambientais e bioeconomia. A ideia é reverter a lógica do desmatamento ilegal, fomentando atividades legais e formais. O documento também fala em "promover a adequada distinção entre desmatamento legal e ilegal".

Para tanto, o plano destaca a importância do aprimoramento das atuais ferramentas de controle e alerta de desmate. "É necessária a implantação imediata de uma estrutura permanente de monitoramento, planejamento e combate ao desmatamento. Tal estrutura deve atuar de forma coordenada com os diferentes entes responsáveis pela atuação ambiental", define o plano. "Existe um limite para a manutenção da efetividade das ações de fiscalização e combate ao desmatamento e aos incêndios florestais. Sendo assim, há que se trabalhar, também, com outros componentes, como a regularização fundiária, o zoneamento ecológico econômico, o pagamento por serviços ambientais e a bioeconomia."

Em relação à regularização fundiária, o plano sublinha que esse é o eixo a representar a etapa inicial e mais importante para atrair investimentos sustentáveis na proteção dos biomas brasileiros. Essa frente de atuação, porém, enfrenta resistências no Congresso para sair do papel. Uma medida provisória que tratava do assunto não avançou e perdeu validade. Agora, busca-se um entendimento entre governo, ruralistas e ambientalistas por meio de projeto de lei que tramita na Câmara.

O governo sustenta que precisa saber CPFs e CNPJs para identificar e punir os responsáveis pelos crimes ambientais. Também insiste na necessidade de um ordenamento territorial para definir as diretrizes de desenvolvimento regional. "O Brasil já avançou em relação aos percentuais do território protegido. Agora, há que se avançar a passos largos nos aspectos relacionados à gestão efetiva e equitativa das áreas", diz o documento.

O plano destaca a importância de mecanismos de mercado para fomentar projetos sustentáveis e iniciativas que possam amenizar os efeitos das mudanças climáticas. Em outro ponto, elenca os gargalos a serem enfrentados para destravar o potencial da bioeconomia: burocracia, custos elevados, demora nas licenças, tributação inadequada, necessidade em facilitar o registro de pesquisas e desenvolvimento, patentes e estabelecer parcerias e projetos com o setor privado. Para o governo, o Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA), uma iniciativa entre o governo e o setor privado, deve ser visto como um ponto de partida dessa integração e pode se tornar um centro de inovação e desenvolvimento para a região Norte.