Valor econômico, v.21, n.5017, 08/06/2020. Política, p. A9

 

FHC, Ciro e Marina defendem frente ampla pela democracia

08/06/2020

 

 

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e os ex-ministros Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (Rede) reforçaram a necessidade de união de lideranças políticas contra retrocessos democráticos em meio à crise política pela qual passa o país. Os três participaram de um debate mediado ontem pela colunista do Globo, Miriam Leitão, na "GloboNews".

De acordo com o ex-presidente, o atual governo seria um símbolo do atraso. FHC criticou a forma pela qual Bolsonaro vem lidando com a crise do novo coronavírus, criando uma crise econômica e também institucional. "O problema maior que temos no Brasil, e simbolizado pelos que estão no poder, é o atraso. Não é questão de ser de direita: eles são atrasados. Eles têm teia de aranha na cabeça, não conseguem ver a realidade, se agarram a fantasmas. Inventaram agora um tal de marxismo globalista. Não sei o que é isso, e olha que eu entendo dessas coisas", afirmou o ex-presidente.

O ex-ministro Ciro Gomes também afirmou que as forças políticas, mesmo que sejam adversárias, devem se unir para combater o que enxerga ser um risco para a continuidade da democracia no país. O pedetista aproveitou para criticar aqueles que "por mimimi" não participariam da luta pela proteção da democracia no Brasil. A declaração ocorre dias após o ex-presidente Lula ter declarado em reunião do PT que não assinaria manifestos assinados por alguns dos adversários do partido, sobretudo aqueles que defenderam o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

"Nós vamos fazer o que for necessário. Dar as mãos a adversários políticos? Isso é nada. Ninguém do povo vai entender a superficialidade de qualquer um de nós que, por mimimi, por manha, por marra, não cumpra sua tarefa de proteger a democracia que custou vidas a vários brasileiros", afirmou o ex-ministro, que lembrou dos torturados e exilados pela ditadura. "Vamos esquecer o exílio? Nem a pau, Juvenal. Vamos pro cacete, vamos defender a democracia brasileira e quem não vier é traidor", disse.

A ex-ministra Marina Silva também reforçou a necessidade de união de diferentes lideranças políticas. Segundo ela, os políticos terão que saber compartilhar a luta pela democracia. "É com esse espírito que homens públicos e a sociedade civil estão se mobilizando. Vamos ter que compartilhar três coisas. Compartilhar a humildade de compartilhar a autoria dessa luta para sair da crise, compartilhar o processo de realização dessa obra que os políticos e os partidos são apenas a menor parte e, sobretudo, compartilhar o reconhecimento que ficará nos anais da história", disse a ex-ministra.

Os três também discutiram outros temas atuais, como o racismo, que levou a manifestações ao redor do mundo após o assassinato de George Floyd, em Minneapolis, nos Estados Unidos, e o desmatamento. A ex-ministra Marina Silva lembrou também da morte de uma criança de 5 anos, que caiu de um prédio em Recife. A criança foi colocada no elevador pela patroa de sua mãe, uma empregada doméstica, enquanto esta passeava com o cachorro. "A patroa não teve a responsabiliadde ética de tratar uma criança de 5 anos como uma criança de 5 anos. Será que isso aconteceu só por causa do desleixo ou porque a criança foi tratada como uma criança não merecia ser cuidada?", questionou a ex-ministra.

Marina voltou a defender a união para combater o racismo e o negacionismo ambiental. Segundo ela, é preciso reconquistar o laço social entre a população, que estaria desiludida com a política, e as principais lideranças do país. "Que a gente possa estar unidos em torno de um projeto de país, não de um projeto de poder", disse.

Durante o debate, ex-ministro Ciro Gomes destacou a presença de FHC no encontro. Os dois eram aliados quando da formulação do Plano Real, mas se distanciaram nos anos seguintes. Nos últimos anos, Ciro criticou duramente o ex-presidente em diversas ocasiões. "Ele, com todos os títulos, aceita debater conosco, especialmente comigo, que nem sempre fui tão cordial nas críticas que lhe fiz, embora sejam todas no plano das ideias. Quero agradecer, foi especial para mim essa convivência", afirmou Ciro Gomes.

O ex-ministro afirmou que, embora as condições para o impeachment do presidente Bolsonaro ainda devem ser construídas, tem clareza de que a saída de Bolsonaro. "Temos três tarefas agora que devem unir todo mundo, agora que for possível e que têm boa vontade. Salvar vidas. São estimados 100 mil mortos até agosto no Brasil. É possível evitar muitas dessas mortes. Salvar empregos. A destruição dos empregos exige uma agenda em que nós exijamos que o governo tome as providências. E acima de tudo a defesa da democracia. E, por fim, precisamos na hora própria discutir o que nos fez chegar nesse fundo de poço e como vamos sair disso", disse Ciro Gomes. Já FHC afirmou que, apesar da situação atual, é necessário ter esperança no potencial do Brasil.