Correio braziliense, n. 20868 , 11/07/2020. Cidades, p.16

 

Comércio vive insegurança

Tainá Seixas

Cibele Moreira

Mariana Machado

11/07/2020

 

 

CORONA VÍRUS » Após disputas judiciais e decretos abrindo e fechando setores da economia, o sentimento que paira sobre pequenos empreendedores é de incertezas. Em Ceilândia apenas atividades essenciais estão liberadas. No resto do DF, salões de bebeza e academis reabriram as portas

A semana foi de incerteza para os comerciantes do Distrito Federal. No início, a expectativa era de que todas as atividades seriam retomadas gradualmente, seguindo calendário organizado pelo governo local. Os principais afetados foram salões de beleza e academias, que reabriram, na última terça-feira, e precisaram suspender, novamente, os serviços, no dia seguinte, devido a uma decisão judicial. O governo recorreu e, na quinta-feira, teve o pedido acatado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT).

A Barbearia Chiquinho, na W3 Norte, acompanhou o vai e vem de decisões. Funcionou, na terça e quarta-feira; fechou, na quinta; e reabriu, ontem. Cícero Araújo, 33 anos, proprietário do estabelecimento lamenta a incerteza que a disputa, entre governo e judiciário, inflige aos comerciantes. “Deixou a gente em uma insegurança tanto jurídica quanto profissional. A gente se preparou para reabrir, atendendo ao decreto, atendendo à norma técnica da vigilância sanitária. Eu fiz um investimento, usei dinheiro que não tinha e, logo em seguida, já tive que fechar.”

Com a pandemia e necessidade de suspender as atividades comerciais, Cícero viu sua renda secar. Ele acumulou dívidas e reduziu a equipe de 18 para 10 pessoas. “Se for pra funcionar, que a gente funcione com uma data certa para poder trabalhar. Se não for, digam logo, porque do jeito que estão fazendo, toda hora uma decisão diferente, a nossa maior preocupação é não saber o que vai acontecer amanhã”, desabafa.

No salão de beleza de José Felix, 57 anos, não foi diferente. Após manter o local fechado por 4 meses, na quarta-feira, as portas estavam abertas, seguindo todo o protocolo de segurança determinado pelo governo, mas, na quinta, a atividade foi, novamente, suspensa. Ontem, abriu mais uma vez. Localizado na Quadra 300 do Sudoeste, a loja de José foi uma das poucas a abri. “Com essa instabilidade, você acaba desestimulando e deixando todo o segmento frustrado. Gerou uma frustração muito grande, por conta dos investimentos que foram feitos. Pra nós, é complicado, porque são muitas expectativas não só dos clientes, mas, também, dos funcionários.”

“Caos”

Outro setor afetado pelas mudanças foram as academias. A presidente-fundadora do Sindicato das Academias do DF (Sindac) descreve a situação como “o caos para o segmento”. De acordo com ela, o que era para ser uma questão simples de gestão se transformou em prejuízo para diversas empresas, que precisaram retomar contratos com empregados e investir na reabertura, seguindo as normas de segurança. “Os alunos estão estarrecidos, questionando o fechamento, porque academia é um lugar onde se cuida, justamente, da saúde. A nossa batalha, agora, é pra tornar o nosso serviço essencial.”

A academia Acuas Fitness, na Asa Sul, precisou mudar o cronograma de reabertura. Depois de ter planejado abrir as portas na próxima segunda-feira, a gerência do estabelecimento suspendeu a decisão. “A gente vai ter que refazer o retrabalho de marketing, ligar para os clientes, mandar e-mail, colocar nas redes sociais. É um retrabalho que a gente faz a cada novo decreto”, argumenta Fabíula Magalhães, gerente do local.

Para manter as portas abertas, no entanto, as lojas precisam seguir recomendações da vigilância sanitária. Academias, por exemplo, não podem utilizar catracas com biometria, e salões devem afastar as cadeiras de atendimento, em dois metros umas das outras.

 “Meio aberto”

O clima de incerteza estava, também, entre os comerciantes de outras regiões do DF. Em Sobradinho, salões de beleza mantiveram portas semiabertas e muitas academias permaneceram fechadas. Nos estabelecimentos em atividade, funcionários usavam máscaras, e havia álcool em gel para clientes nos balcões.

Em Ceilândia e Sol Nascente/Pôr do Sol, no entanto, o cenário era diferente. O governador  Ibaneis Rocha (MDB) determinou a suspensão das atividades não essenciais, desde quinta-feira. Com a decisão, maioria dos estabelecimentos está proibida de funcionar. No Sol Nascente, a população respeitou a determinação. Somente locais como mercados, farmácias e padarias abriram as portas, ontem, e havia pouca gente na rua. No centro de Ceilândia, grande parte dos estabelecimentos suspenderam o funcionamento, mas era possível observar algumas lojas desobedecendo a decisão. Ambulantes ocupavam as ruas vendendo mercadorias em  bancas.

Seliane Gonçalves, 45 anos, comerciante autônoma reconhece que não está cumprindo a regra, no entanto ela argumenta não ter alternativa para conseguir seu sustento. “A gente está aqui trabalhando dignamente. É errado, porque a gente está passando por cima de normas, que devia obedecer. Mas, se a gente precisa do sustento que vem daqui, a gente vai ficar em casa? Quem vai pagar nossas contas?”, reclama.

Janaína Marcela Rocha da Silva, 36 anos, é moradora de Ceilândia, mas vai à Asa Norte todos os dias, onde trabalha como empregada doméstica. Apesar de observar diferenças no tráfego de pessoas entre as diferentes regiões, discorda da medida do governo. “Eu acho que deveria ser no DF inteiro. De que adianta fechar aqui e o povo ir para Taguatinga. Eu acho que ele (Ibaneis) não está sabendo lidar com a situação”, opina. O garçom José Cosme do Nascimento, 54 anos, por outro lado, vê o esvaziamento do centro de Ceilândia com bons olhos. “Devia ter tomado essa providência antes. Agora que está se alastrando o vírus. Mas está em tempo, ainda”, acredita.

Contraponto

Os especialistas temem que as medidas de proteção adotadas não sejam suficientes para evitar o aumento de infecções pelo novo coronavírus, com a reabertura do comércio em meio a um crescimento no número de casos e óbito, no DF. Segundo o infectologista Leandro Machado, é uma decisão difícil porque, por um lado, muitas pessoas estão sem renda. Por outro, retomar as atividades representa risco de infecções.

“A gente está vivendo um contexto onde os hospitais estão sem vaga de UTI. Se você abre comércio, você aumenta a probabilidade de uma pessoa não infectada entrar em contato com uma pessoa infectada. Com isso, você não só aumenta o número de infecções, mas, também, de infecções graves. O perigo é a gente vivenciar aquilo que Manaus e São Paulo viveram”, descreve o médico.

Em nota, a Casa Civil alega que os números de casos e óbitos estão de acordo com os valores projetado e que a situação é monitorada diariamente. Além disso, o órgão defende que a retomada de atividades comercias é importante para a manutenção da saúde física e mental da população. 

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Empresários fazem ataques e ameaças

Cibele Moreira

11/07/2020

 

 

O retorno de alguns setores da economia autorizado pelo governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), e o embate judicial em torno das tomadas de decisões gerou ataques nas redes sociais, na última quarta-feira. Indignados com a suspensão da reabertura dos estabelecimentos, dois empresários publicaram vídeos em que fazem ameaças aos autores da ação popular, que deram início ao processo judicial, e ao magistrado que concedeu a liminar que impedia a retomada.

Exaltado, Gustavo Barbosa Sampaio, 43 anos, dono de uma academia, no Guará , chegou a dizer que “meteria a porrada” no juiz responsável pela determinação de fechar, novamente, os estabelecimentos. Ontem, ele publicou um outro vídeo, alegando que a fala dele foi em uma hora de impulso e de nervosismo. “Foi um vídeo de desabafo, estou há quatro meses sem trabalhar. Acho que todo mundo tem esse momento. Não conheço esse juiz nem quero conhecer”, explica o professor de artes marciais ao Correio.

No entanto, Gustavo conta que não se arrepende de ter feito a gravação. Ele se indigna pela situação e afirma ser revoltante o que está acontecendo, pois muitos empresários tiveram que fazer investimentos para poder reabrir e, logo depois, precisaram que fechar. “As pessoas gastam o que não têm, para, dois dias depois, fechar novamente. Estão brincando com os seres humanos”, argumenta.

Em nota, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) informou que o juiz que deliberou e concedeu a liminar que pede a suspensão da reabertura está recebendo todo o apoio da administração do órgão e que está sendo assistido pela Assessoria de Segurança Institucional para a adoção de eventuais medidas cabíveis.

“Estrume”

Além do magistrado, o advogado e militante do PSol Marivaldo Pereira, 41, foi alvo de ameaças nas redes sociais. Ele, o conselheiro de saúde do DF Rubens Bia, o jornalista Hélio Doyle e o cientista político Leandro Couto entraram com a ação popular na Justiça. O autor dos ataques é o empresário Felipe Carvalho, dono de uma marca de suplementos. Em vídeos divulgados no Instagram, ele chama Marivaldo de “estrume” e convoca seus seguidores a agredi-lo. “Só entrar no perfil desse retardado mental que você vê que ele não gosta de cuidar nem dos próprios dentes e quer vir falar de saúde. Estamos cansados de ouvir essa palhaçada. Isso aqui está parecendo um circo”, diz o homem, no vídeo.

Os ataques continuam: “Pode meter processo, não ligo, não, você vai matar mais do que o vírus, você está sendo um assassino. Eu acho que quem devia ter medo de mim era você. Você não ganha mais do que eu. Tenho 21 anos e ganho mais do que você. Eu peço a Deus que um dia eu te encontre na rua”, esbravejou Felipe, na gravação. Após tomar conhecimento das agressões verbais, Marivaldo prestou queixa na 5ª Delegacia de Polícia (Área Central de Brasília). No entanto, o caso será investigado pela 2ª DP (Asa Norte). Até o fechamento desta edição, o boletim de ocorrência não havia sido entregue à unidade policial.

Marivaldo conta que recebeu os atos com tristeza e indignação. “Estamos pleiteando em defesa da vida, nossa ação não é contra o pequeno e médio empresário. Estamos lutando para que o Estado tenha mais responsabilidade nas ações de combate à pandemia da covid-19”, ressalta. Ele acredita esses ataques não representam a categoria. “Apesar dessa situação, recebi muitas mensagens positivas, de apoio. Isso me dá forças”, pontua.

Ao Correio, Felipe afirmou que os vídeos não se tratam de uma ameaça e que a intenção dele era fazer uma live com o Marivaldo. “Gostaria de dizer exatamente o que foi dito, sem cortes, não foi ameaça de violência, no meu caso, não, falei que íamos fazer uma live de surpresa quando achasse ele um dia, não foi ameaça de violência física”, defendeu-se.

De acordo com Felipe, a live seria para que o militante explicasse seu posicionamento. “Para perguntar para ele o que o povo comentaria na própria live, as pessoas que estão indignadas, não sou eu, as revoltas em massa na rede social dele já estavam acontecendo antes de eu ver a publicação. A consequência do ato dele, de mexer com o trabalhador, não foi eu o responsável por todo esse ódio disseminado”, disse o empresário.