Título: Oposição dividida
Autor: Tranches, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 07/01/2013, Mundo, p. 12

Após a derrota nas eleições de 2012, o Partido Republicano luta para se estabilizar em meio a uma disputa interna. Enquanto uma ala defende um conservadorismo mais firme, outra teme que a discordância total com Obama provoque a antipatia da opinião pública

Ter sido derrotado nas eleições presidenciais de novembro e passar, pelo menos, outros quatro anos longe da Casa Branca não é o único problema que aflige o Partido Republicano. Os primeiros dias do ano em Washington revelaram uma oposição dividida em suas visões sobre como lidar com a próxima gestão democrata. De um lado, há a defesa de um maior conservadorismo. Do outro, o temor das consequências que essa postura possa causar ao partido. As divergências marcaram o início da 113ª legislatura, inaugurada na última semana, e, na avaliação de analistas consultados pelo Correio, criaram uma situação delicada para o presidente Barack Obama, que se prepara para tomar posse do segundo mandato em 21 de janeiro.

Após uma dura queda de braço sobre o ajuste fiscal que ameaçava levar os Estados Unidos a uma nova recessão, congressistas e presidente chegaram a um acordo, mas não sem um alto preço à oposição. Líderes do Partido Republicano custaram a chegar a um entendimento sobre a proposta do presidente autorizando o aumento automático de impostos somente aos mais ricos. A medida acabou endossada por 85 republicanos na Câmara dos Representantes, entre eles o presidente da Casa, John Boehner. A vitória de Obama despertou a ira dos mais conservadores, que repudiavam qualquer tipo de elevação na taxação. Na sequência, Boehner conseguiu se reeleger como presidente da Casa, mas não com o apoio unânime de seu partido.

Depois de duas derrotas consecutivas nas votações populares presidenciais, o Partido Republicano tenta entender o que não está dando certo. Para o cientista político da Brown University James Morone, há uma séria divisão ideológica nas fileiras da legenda. Os mais conservadores preferem continuar se opondo a tudo que o presidente Obama e os democratas propuserem, um pensamento defendido pelo grupo ultrarradical Tea Party, que ajudou os republicanos a reconquistarem a maioria da Câmara em 2010. “Eles acham que estão perdendo porque não estão sendo conservadores o suficiente”, avalia Morone. No Senado, onde os democratas têm a maioria, entre os únicos oito senadores que votaram contra o acordo de ajuste fiscal, estavam Rand Paul e Marco Rubio, dois prováveis pré-candidatos à Presidência em 2016.

Do outro lado, há os republicanos que temem que o partido seja culpado pela opinião pública por resistir demais nas negociações com a Casa Branca e acabar causando um pânico no mercado ou até mesmo o retorno à recessão. Essa fileira da legenda, relutantemente, tem concordado em ceder. Para o analista, seguir na linha mais conservadora será um “desastre para o partido”, que de tanto se posicionar contra o Estado, perdeu sua visão de governo. “A verdade é que o governo federal nunca será abolido, então como a oposição pretende governar se chegar ao poder?”, indaga Morone. Nova batalha

O acordo fiscal deu um fôlego aos dois partidos, mas a batalha voltará a se acirrar no fim de fevereiro, quando será debatido o teto da dívida do país e o pedido da Casa Branca para elevá-lo. A expectativa é que, assim como em 2011, a barganha seja novamente margem de manobra da oposição. Para o cientista político da Universidade de Iowa Tim Hagle, esse intervalo será fundamental para o Partido Republicano se reorganizar e começar a se preparar para as eleições de 2014.

Ele diz que é prematuro falar em crise, mas o que acontece em Washington são fortes sinais de que republicanos precisam se entender. “Se não conseguirem um bom acordo (com os democratas), aí, sim, haverá sérios problemas para as eleições de 2014”, analisa. Segundo o cientista político, é primordial que Boehner e o líder da maioria da Câmara dos Representantes, Eric Cantor, mais conservador, se entendam se quiserem sanar os arranhões da última semana.

Conseguir um bom resultado nas legislativas de 2014 tornou-se imperioso para os republicanos. Hagle avalia que, apesar de a oposição ter maioria na Câmara dos Representantes, o controle democrata no Senado foi o que realmente ditou o poder em Washington. “O que parece é que os republicanos não estão fazendo nada, porque não têm habilidade de emplacar qualquer lei no Senado”, diz. A situação se desdobra em um Congresso com a mais baixa popularidade da história. A última pesquisa do Instituto Gallup sobre o tema mostrou que apenas 10% dos americanos aprovavam o desempenho do Legislativo. É o índice mais baixo em 38 anos de medição do instituto.

As divergências entre os opositores, contudo, não favorecem necessariamente o presidente. Na avaliação de Morone, elas criam uma situação delicada para o mandatário, uma vez que são ao mesmo tempo uma oportunidade e um perigo. O presidente, segundo Morone, prefere negociar e fazer acordos, mas o fato de uma parte da sigla se recusar a isso dá a ele a oportunidade de mostrar um contraste de posições e culpá-la pelo que der errado, como já fez uma vez. Ao mesmo tempo, cria um grande risco de que sérias questões — como evitar o calote da dívida nacional — fiquem bloqueadas em meio a um impasse. “O perigo para Obama é que, ou ele terá de assumir grande compromisso com os radicais conservadores ou o país poderá sofrer sérios prejuízos econômicos. É uma situação muito delicada”, alerta o especialista.

Nesta semana, Obama deverá enfrentar críticas de seus aliados e da oposição. De acordo com o jornal The Washington Post, a Casa Branca vai anunciar o ex-senador republicano Chuck Hagel como secretário de Defesa. Enquanto os democratas preferiam alguém do partido, o Partido Republicano tampouco está satisfeito com a escolha. Hagel criticou duramente a invasão ao Iraque e, em 2008, ganhou inimigos ao dizer que não se intimidava pelo “lobby judeu”, referindo-se ao grupo de pressão pró-israelita Comitê de Assuntos Públicos Israel-Americanos.

Divergências além de Washington

Nem bem o Partido Republicano havia se recuperado da batalha do ajuste fiscal, a decisão de adiar a votação de uma lei que liberaria ajuda às vítimas do Furacão Sandy na Costa Leste desencadeou críticas de políticos da sigla nessa região e mostrou que os problemas vão além de Washington. O presidente da Câmara dos Representantes, John Boehner, se viu novamente no centro de uma divergência ao decidir não votar a lei na quarta-feira e foi citado em um enfurecido discurso do governador de Nova Jersey, Chris Christie, considerado a grande aposta dos republicanos em 2016. A votação ocorreu na sexta-feira e a Câmara aprovou a liberação de US$ 9,7 bilhões em empréstimo para o Programa Nacional de Seguro Contra Enchentes (PNIF, por sua sigla em inglês) para socorrer os proprietários em áreas inundadas. A proposta passou com facilidade no Senado, onde a maioria é democrata.

A ajuda do governo federal em casos de desastres naturais comumente enfrenta a resistência do Partido Republicano. Durante a campanha presidencial, o então candidato Mitt Romney se viu no centro de uma polêmica ao defender o fechamento da Fema (Federal Emergency Management Agency), responsável por prevenir e remediar estragos como os provocados por Sandy. Quando seus estados são atingidos por desastres naturais, os governadores do partido acabam presos em um dilema.

“O que fazer quando um desses desastres deixar estragos que requerem gastos de mais de US$ 60 bilhões?”, questiona o cientista político da Brown University James Morone. A resposta para os republicanos, segundo Morone, perseguirá o partido até que ele reveja sua visão de governo. “Naturalmente, todos os políticos do partido em regiões afetadas vão gritar, e alto, afinal, são seus eleitores quem estão sofrendo.”

O caso de Christie é ainda mais particular, opina o cientista político Tim Hagle, da Universidade de Iowa. O governador é considerado uma estrela do Partido Republicano, com seu carisma e forma direta de falar. “O problema é que suas aspirações nacionais esbarram na posição de governador de um estado liberal (Nova Jersey) que, para administrar, precisa fazer concessões”, afirma. O caso se assemelha ao de Romney, que viu seu passado de governador de outro estado com mesmo perfil (Massachusetts) ser usado por seus críticos para acusá-lo de ser liberal demais para o Partido Republicano. (RT)

» Três perguntas para

James Morone, cientista político da Brown University (Providence, Rhode Island)

O presidente Barack Obama conquistou a reeleição, entre outros fatores, graças ao apoio em massa das minorias no país. Essa é agora uma questão urgente para o Partido Republicano? Sim! Ficou claro para os cientistas políticos que o Partido Republicano tem enfrentado um grande problema demográfico há algum tempo. O que chamamos de voto latino cresceu, mas tem também o voto asiático, o negro, o jovem, o das mulheres. Os republicanos não podem continuar a ser simplesmente o partido dos “velhos homens brancos”, a parcela demográfica em que eles levam vantagem.

O tema poderá afetar as eleições legislativas de 2014? Os resultados das eleições de meio de mandato são mascarados porque a participação é muito menor, especialmente entre diferentes grupos demográficos, comparada com as eleições presidenciais. A questão da demografia esmagou os republicanos em 2008, ano em que Barack Obama saiu vencedor, mas não em 2010, quando os republicanos ganharam as legislativas. Muitos observadores pensaram que a nação tinha virado as costas para Obama.

Foi então um resultado superficial? O que aconteceu, e isso sempre se repete, é que os brancos idosos são os que mais participam das eleições de meio de mandato. Dessa maneira, o cenário pode se repetir em 2014 e dar a falsa sensação aos republicanos de que eles não precisam fazer mudanças em sua filosofia. E se continuarem pensando assim, é provável que eles fiquem chocados mais uma vez nas presidenciais de 2016. Eles poderão se surpreender como agora, em 2012, quando achavam que derrotariam Obama e conquistariam o Senado.

Agenda

Além do ajuste fiscal, outros temas devem agitar o Congresso americano nos próximos quatro anos:

Controle de armas O presidente Barack Obama promete tomar medidas enérgicas para o controle de armas no país na esteira do massacre em uma escola em Newtown (Connecticut).

Imigração Eleitores hispânicos ajudaram a eleger Obama e legisladores democratas. Agora, republicanos querem ganhar esse apoio para as eleições de 2014. Mas não está claro quanto cederão em prol de uma reforma imigratória.

Limite da dívida Executivo e Legislativo terão até o fim de fevereiro para encerrar a negociação sobre o limite da dívida dos EUA, hoje em US$ 16,4 trilhões. Obama se recusa a permitir que ela se torne objeto de barganha política da oposição. Os republicanos não parecem dispostos a ceder sem que o governo se comprometa com grandes cortes de gastos.

Violência contra a mulher Democratas e republicanos terão de superar as divergências para tentar renovar a Lei 1994 de Violência Contra a Mulher, defendida há quase duas décadas por Biden.

US$ 9,7 bilhões Valor liberado pela Câmara dos Representantes para socorrer as vítimas do Furacão Sandy, que arrasou a Costa Leste dos Estados Unidos