Título: A estreita relação entre Rose e Lula
Autor: Lyra, Paulo de Tarso; Kleber, Leandro
Fonte: Correio Braziliense, 02/12/2012, Política, p. 2

Para investigadores, o motivo do poder da secretária estava na relação íntima com o petista. Relatório da Polícia Federal detalha, ano a ano, os pedidos feitos e recebidos por Rosemary

O relatório da operação Porto Seguro, deflagrada pela Polícia Federal, traz um intricado roteiro de trocas de favores entre a ex-chefe de gabinete da Presidência da República em São Paulo, Rosemary Nóvoa de Noronha, e os chefes da quadrilha que negociava pareceres técnicos fraudulentos, Paulo e Rubens Vieira, ex-diretores da Agência Nacional de Águas (ANA) e da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), respectivamente. A polícia destrinchou, ano a ano, as vantagens concedidas e exigidas por Rosemary, mulher de 57 anos que transita no Partido dos Trabalhadores desde o início dos anos de 1990, quando trabalhava como secretária do então presidente nacional do PT, José Dirceu. Para os investigadores, Rosemary era mais importante que o cargo que ocupava. A facilidade com que se movimentava dentro da quadrilha e do governo pode ser creditada a uma relação íntima com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo o Ministério Público Federal, parceiro da PF nas investigações, Rosemary interferiu diretamente na nomeação dos nomes de Paulo e Rubens Vieira para as agências de regulação. Nos e-mails interceptados pelos investigadores, a ex-chefe de gabinete da presidência se coloca como mulher de trânsito direto com Lula e José Dirceu. Em março de 2009, Rosemary escreve a Paulo e diz: "O PR (presidente) falou comigo hoje e disse que na terça-feira, quando voltar dos USA (Estados Unidos) resolve tudo do seu caso". Mais adiante ela pergunta: "Não vem para a festa do JD (José Dirceu)?". Em outra conversa por e-mail, sobre o cargo na ANA, Paulo diz a Rosemary que um pedido pessoal dela a José Dirceu, "tratando a questão como de interesse pessoal" dela, "ganha muito mais força", o que endossa que Rose não era apenas uma simples chefe de gabinete.

Rosemary conheceu Lula em 1993. No ano seguinte, ela fez parte da equipe da segunda campanha presidencial de Lula, tornando-se logo depois secretária do José Dirceu, braço direito de Lula até o estouro do caso do mensalão. Eleito em 2002, Lula levou Rose para trabalhar com ele no escritório da presidência em São Paulo onde recebia salário de R$ 11,1 mil. Foi mantida no cargo no mandato de Dilma Rousseff a pedido de Lula. Na gestão passada, era a única funcionária do gabinete da presidência em São Paulo a participar das comitivas oficiais nas viagens presidenciais, mas só viajava quando a então primeira dama, Marisa Letícia, não estava presente. Policiais federais, em tom de chiste, referem-se à Operação Porto Seguro como "Operação Marisa".

Em diversas situações, Rose chegou a ficar hospedada no mesmo hotel que Lula. Foi assim em Córdoba (Argentina), em 2006; em Lisboa, em 2007 e 2009; em Santiago, em 2007; em Madri, em 2008; e em Montevidéu, em 2008. A hospedagem de Rosemary também coincidiu com a do então presidente em 2009 em Caracas, na Cidade da Guatemala e em Havana. Em 2010, ela voltou a ficar no mesmo hotel que Lula dormiu em Paris. A PF chegou a incluir no relatório fotografia de Rosemary e Lula.

Em troca da proximidade com o ex-presidente, Rosemary pedia de tudo à quadrilha. O relatório da Polícia Federal lista uma série de exigências, de contrato com a construtora do atual marido para realização de reformas no flat e no restaurante japonês de Paulo Vieira a empregos para a família. Uma das beneficiadas foi a filha Mirelle Nóvoa de Noronha, levada a Rubens Vieira, que precisou colocá-la a contragosto no cargo de assessora técnica da Anac. Nos e-mails com as trocas de favores — que para o Ministério Público Federal de "favores" não tinham nada —, Rosemary também tratou de pagamentos. Entre eles, o envio de 30 "livros", jargão usado pela quadrilha para se referir a quantias de dinheiro, segundo a Polícia Federal.

VOLTA AO MUNDO

Nos últimos 10 anos, Rosemary Nóvoa de Noronha viajou para pelo menos 24 países a serviço do governo brasileiro e recebeu R$ 59 mil em diárias. Mesmo sem ter uma função específica, a cada dia ela embolsava cerca de 300 dólares para custear despesas de viagem. França, Inglaterra, Alemanha, Coreia do Sul, Rússia, México e Catar foram alguns dos destinos. Rosemary era a única funcionária do escritório da Presidência da República em São Paulo a participar das comitivas presidenciais. Ela também participou de viagens presidenciais. Em várias dessas ocasiões, ficou hospedada no mesmo hotel onde o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os ministros ficavam. Em setembro de 2003, por exemplo, ela fez parte da comitiva oficial que acompanhou Lula em viagem a Havana.

Sem informação

O presidente do PT, Rui Falcão, disse ontem em Belo Horizonte não ter “nenhuma informação sobre a intimidade do ex-presidente Lula” com a ex-chefe do escritório da Presidência em São Paulo, Rosemary Noronha. De acordo com ele, o PT não tem relação com o escândalo desvendado pela Operação Porto Seguro. “Eu não tenho conhecimento de toda a extensão mas o PT não tem nenhum envolvimento”, ressaltou. “(Ela) é uma pessoa que terá direito a defesa e que recebe nesse momento acusações de tráfico de influência. Já foi inclusive exonerada pela presidenta no dia seguinte das denúncias.”