Título: As agências desreguladas
Autor: Lyra, Paulo de Tarso; Kleber, Leandro
Fonte: Correio Braziliense, 02/12/2012, Política, p. 2

Criadas para fiscalizar a prestação de serviços públicos praticados pela iniciativa privada, as instituições se tornam reféns do loteamento político. Ação da PF expôs um quadro ainda mais grave: a transformação desses órgãos em balcão de negócios

Um setor que deverá fiscalizar pelo menos R$ 200 bilhões em investimentos nos próximos anos teve sua fragilidade escancarada com a deflagração da Operação Porto Seguro pela Polícia Federal. A prisão de dois diretores de agências reguladoras — Paulo Vieira, da Agência Nacional de Águas (ANA), e Rubens Vieira, da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) —, que comandavam um esquema de venda de pareceres jurídicos, expôs os problemas de entidades criadas para regular os serviços prestados ao cidadão brasileiro.

Indicações políticas de pessoas sem o mínimo conhecimento técnico para as funções que exercem, falta de independência orçamentária para executar o trabalho, ausência de transparência nas decisões tomadas e diretores que acabam sendo, posteriormente, capturados pelo mercado que deveriam fiscalizar são alguns dos problemas levantados pelo Congresso e por órgãos de controle externo, como o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria-Geral da União (CGU).

Criadas durante o governo Fernando Henrique Cardoso, as agências foram perdendo autonomia ao longo dos anos. O governo de Luiz Inácio Lula da Silva determinou que os cargos técnicos fossem preenchidos por servidores de carreira, concursados e bem remunerados. Mas são os postos de diretores que se tornaram alvo de disputa entre os partidos políticos.

Os principais controladores são o PT e o PMDB, mas o PSB, por exemplo, comanda o setor de portos e o PCdoB ainda tem bastante ascendência sobre a Agência Nacional de Petróleo (ANP). PR e PTB são outros partidos que têm apaniguados em vagas que deveriam ser ocupadas por pessoas com expertise na função. Até o PSD, que tem pouco mais de um ano de existência, já está de olho na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).

Para o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) José Jorge, não há como impedir a interferência política no setor. Na opinião dele, o problema é a falta de compromisso na escolha de nomes qualificados. "Nessa operação de agora (Porto Seguro), vemos uma secretária (Rosemary Noronha, ex-chefe do gabinete presidencial em São Paulo) influenciando a nomeação de dois diretores de agências (Paulo e Rubens Vieira)", exemplificou o ministro.

Outro problema também detectado pelo TCU: a falta de autonomia orçamentária. "As agências não têm recursos para exercer seu trabalho, as verbas são sempre contingenciadas", afirma o senador Delcídio Amaral (PT-MS). Segundo o relatório elaborado pela Corte, esse é um dos principais pontos que dificultam o planejamento estratégico das agências. "O impacto gerado por suas atividades regulatórias tende a ser relativamente maior do que os respectivos montantes dos orçamentos."

Levantamento feito pelo Correio mostra o descompasso entre o orçamento total das agências para 2012 e o que elas efetivamente tiveram disponível para gastar. A Agência Nacional do Petróleo (ANP), por exemplo, que fiscaliza as empresas nacionais e estrangeiras de exploração do petróleo — incluindo o pré-sal — tinha orçamento original de R$ 4,1 bilhões, mas só pode gastar R$ 497,7 milhões, já que o restante está contingenciado. Dos R$ 2,11 bilhões disponíveis para a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), só R$ 465 milhões estão liberados. A que está em melhor condição no ranking é a Anac: dos R$ 463,8 milhões da previsão orçamentária, ela poderá gastar R$ 435,3 milhões.

Mercado Outra reclamação é com a possibilidade de os diretores de agências serem "capturados" posteriormente pela iniciativa privada. "Como elas foram criadas a partir de reivindicações do mercado, quando deveriam ter sido concebidas para atender aos interesses, principalmente, dos usuários dos serviços, atuando para o equilíbrio na relação entre as partes, ficaram muito mais sujeitas à conhecida captura pelo mercado", informou ao Correio a assessoria da Controladoria-Geral da União (CGU).

Além disso, esses mesmos diretores não podem ser convocados pelo Congresso para prestar contas das respectivas atuações. "Por que os ministros são obrigados a dar esclarecimentos ao Legislativo e os diretores de agência não?", questiona o deputado Leonardo Picciani (PMDB-RJ), relator de um substitutivo sobre o assunto que tramita na Câmara. Segundo a CGU, as agências ainda resistem em oferecer informações aos órgãos de controle, como a própria Controladoria e o TCU.

Entraves

Confira alguns problemas enfrentados pelas agências reguladoras

» A Agência Nacional de Aviação (Anac) não conseguiu impedir que um compadre do ex-presidente Lula, Roberto Teixeira, participasse das negociações da aquisição da Varig pela Gol.

» A Anac não solucionou o problema do caos aéreo nos aeroportos. Uma das diretoras, Denise Abreu, apareceu fumando charuto enquanto brasileiros passavam horas nos aeroportos sem conseguir embarcar.

» A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) aplicou multas às empresas de telefonia móvel, mas os serviços não melhoram.

» Então chefe da Casa Civil, Erenice Guerra pressionou a Anatel para liberar a concessão de funcionamento para a Unicel, empresa de propriedade do marido. A Unicel faliu e será vendida por R$ 500 milhões para a Nextel.

» A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) convive com sucessivos apagões no setor elétrico, sem conseguir punir com eficiência as concessionárias e distribuidoras de energia elétrica.