Título: Nova fase no tratamento da Aids
Autor: Chequer, Pedro
Fonte: Correio Braziliense, 02/12/2012, Opinião, p. 17

Coordenador do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids) no Brasil

O advento da terapia antirretroviral para o tratamento da infecção pelo HIV nos anos 1990 mudou por completo a perspectiva do viver com Aids. O que representava uma sentença de morte, progressivamente, se converteu em uma convivência de longo prazo com inúmeros medicamentos cujo regime terapêutico implicava múltiplas tomadas diárias. Ao efeito adverso da terapia vigente na época, somava-se a dificuldade da rígida manutenção dos horários e a multiplicidade de comprimidos e cápsulas, que com frequência geravam problemas adicionais ao aparelho digestivo. Com o evoluir da tecnologia médica e os avanços alcançados com o advento de novas drogas — mais potentes, mais eficazes —, houve progressiva redução das tomadas diárias até que se alcançasse a situação quase ideal, quando a produção de vários medicamentos alcançou o estágio da chamada "dose fixa combinada", na qual um comprimido pode conter duas, três ou mais drogas distintas e de utilização prática.

Como sabemos, o Brasil foi o primeiro país em desenvolvimento a adotar como política pública e sob a responsabilidade do Estado a terapia antirretroviral para o tratamento da Aids. Por longo período, devido a dificuldades técnicas, o país manteve em suas normas terapêuticas oficiais a utilização de drogas separadamente, o que sem dúvida traz efeitos adversos do ponto de vista da adesão ao tratamento, condição sine qua non para a eficácia desejada. Todavia, o abandono imediato dessa prática implicaria substituição da produção nacional estatal por drogas importadas de multinacionais, o que, do ponto de vista da sustentabilidade, poderia a médio ou longo prazo, representar séria ameaça à manutenção da política vigente e, consequentemente, prejuízos de maior monta aos pacientes de Aids.

Vimos recentemente, com bastante expectativa, o anúncio pelo Ministério da Saúde do início do processo de formulação e fabricação de dose fixa combinada para o tenofovir, lamivudina e efavirenz por laboratórios estatais, que desde os anos 1990 têm tradição na produção de medicamentos utilizados no tratamento da Aids. A produção estatal dessa nova formulação traz, sem dúvida, perspectivas de uma nova fase para o arsenal terapêutico contra a infecção pelo HIV do ponto de vista de sua aceitabilidade e adesão ao tratamento. São evidentes os benefícios ao paciente, que reduzirá sua preocupação de, em sua vida cotidiana, ter quase que uma obsessiva rotina da ingestão de diversos medicamentos em horários rígidos, rotina essa que não pode ser subestimada, sob pena de prejuízo à sua eficácia.

Tem-se claro, entretanto, que, como qualquer terapia, seu rigoroso cumprimento em conformidade com a prescrição médica, ainda que com a facilidade da ingestão ao mesmo tempo de mais de uma droga e em um só comprimido, continua sendo condição fundamental para que se obtenha o benefício desejado. Outro aspecto deve ser ressaltado, pela relevância e significado político: a produção estatal. O Brasil é um dos poucos países do mundo, além de Cuba — onde, por sinal, o acesso também é gratuito e alcançou cobertura universal —, que dispõe de laboratórios públicos para a produção de medicamentos, não apenas para Aids, mas destinados a uma variedade de patologias de interesse da saúde pública.

Esse fato reforça e consolida a garantia de sustentabilidade da política vigente, uma vez que não estaria o país importando, mas qualificando e ampliando a capacidade tecnológica nacional. A nova estratégia que ora se inicia está em consonância com as normas da Organização Mundial da Saúde (OMS), quando, na iniciativa chamada Tratamento 2.0, propõe a utilização de esquemas terapêuticos mais simples, com menos tomadas diárias e efeitos colaterais mínimos, o que consequentemente aumenta a adesão ao tratamento, a qualidade de vida e a sobrevida do paciente.

Aperfeiçoar e otimizar esquemas medicamentosos é, todavia, apenas um dos aspectos da iniciativa, ao qual deve-se somar o acesso ao diagnóstico no local de atendimento, ferramentas de acompanhamento simplificadas, redução de custos e mobilização comunitária. Essa nova abordagem possibilitará, sem dúvida, o acesso facilitado à dispensação de medicamentos em áreas mais remotas do país, que simultaneamente à rápida expansão da testagem para a detecção da infecção pelo HIV, possa ser implementada em áreas precárias de sofisticação tecnológica.

Considerando que o país adotou recentemente novos parâmetros com vista a antecipar os benefícios oriundos da terapia, que passa a ser utilizada de modo mais precoce, do ponto de vista médico é possível reduzir drasticamente o tempo de espera entre o diagnóstico e o início da terapia, suprimindo etapas que passariam a ser inócuas — e isso pode ser adotado, mesmo antes da disponibilidade da dose fixa.

O fortalecimento do Sistema Único de Saúde, enquanto estrutura estatal e de interesse coletivo, ao lado da mobilização comunitária, é aspecto essencial para o sucesso dessa nova fase que se inicia. Isso passa necessariamente pela melhoria da gestão pública, da eficiência, do compromisso profissional e do acolhimento adequado do paciente em condição de cidadão.