Título: Novos diálogos pela paz
Autor: Tranches, Renata; Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 02/12/2012, Mundo, p. 18

Segundo especialistas, o atual status da Palestina na ONU exige mudanças nas políticas de pressão internacional voltadas para o fim do conflito com israelenses

Paralisado desde 2010, o modelo de negociação de paz entre palestinos e israelenses precisa ser reconfigurado. Para analistas consultados pelo Correio, os eventos das últimas semanas e meses mostraram que a proposta do Quarteto para o Oriente Médio — formado por Estados Unidos, Nações Unidas, Rússia e União Europeia — se tornou obsoleta, ao mesmo tempo em que cresceram os apelos internacionais por diálogo. Sozinho, segundo os especialistas, o novo status da Palestina alcançado na ONU na última quinta-feira não muda nada imediatamente. Mas futuras negociações precisarão levar em conta de que agora se tratam de dois Estados legitimados pela ONU.

Formado em 2002 após a segunda Intifada, o grupo diplomático tinha como objetivo mostrar aos dois lados o caminho de volta à mesa de negociações. Dez anos depois, seu modelo continua vigente, mas, para o diretor do Projeto Árabe-Israelense do International Crisis Group (Nova York), Robert Blecher, do jeito que está "não alcançará nenhum plano substancial". "As conversões precisam ser radicalmente modificadas", afirmou, acrescentando que a recente vitória do líder Mahmud Abbas, presidente da Autoridade Palestina (AP), na ONU não muda isso.

Para o analista e professor de direito internacional da Fundação Getulio Vargas (FGV/ São Paulo) Salem Nasser, além da votação na Assembleia Geral, é preciso considerar outros fatores. Entre eles, uma eventual mudança na posição do grupo palestino islâmico Hamas após a campanha militar de Israel contra o território de Gaza, sob seu controle, e a transição de poder no Egito, hoje nas mãos da Irmandade Muçulmana. Todos esses episódios, na sua avaliação, levaram as pessoas a refletirem sobre o tema e a defenderem a retomada das negociações.

Nasser pondera, porém, que o caminho para o diálogo oferecido pelo Quarteto "já se revelou um beco sem saída". Desde 2010, propostas apresentadas pelo grupo foram rejeitadas pelos dois lados. No ano passado, depois que o presidente Abbas pediu a adesão plena de um Estado da Palestina à ONU — bloqueada no Conselho de Segurança —, o bloco diplomático propôs que os dois lados recomeçassem as conversações, o que não ocorreu. Para os palestinos, as negociações são "inúteis" enquanto Israel continuar com a colonização. Esse, por sua vez, defende a retomada do diálogo sem pré-condições.

Enquanto isso, a aprovação do governo israelense, na sexta-feira, da construção de mais de 3 mil novas casas de colonos judeus na Cisjordânia tornou ainda mais distante a perspectiva de um acordo. A medida foi vista por autoridades palestinas como uma retaliação à conquista do novo status na ONU e provocou a reação internacional. Ontem, o ministro das Relações Exteriores da França, Laurent Fabius, fez um apelo a Israel para que se abstenha do projeto e manifeste "claramente a vontade de retomar as negociações". Seu país votou a favor da medida de Abbas. Na noite de sexta-feira, a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, cujo país foi totalmente contrário à votação na ONU, também criticou a resposta israelense e disse que ela "retarda as negociações de paz".

Reconciliação Ainda que a solução dos dois Estados pareça distante, a sensação para os palestinos foi a de que uma dívida histórica começou a ser paga na última quinta-feira. A adesão da Palestina à ONU ocorreu exatamente 65 anos depois que a Assembleia Geral — então presidida pelo brasileiro Oswaldo Aranha — aprovou sua divisão em dois estados: um árabe e um judeu. Em 30 de novembro de 1947, a medida, respaldada pelo governo do Brasil e por outras 32 nações, culminou na criação do Estado de Israel e aprofundou a crise no Oriente Médio.

Consultados pelo Correio, moradores da Faixa de Gaza e da Cisjordânia afirmaram que o triunfo em Nova York muda os paradigmas do conflito israelo-palestino e assenta as bases para a criação de um Estado palestino soberano e independente. "A partir de agora, a referência para o processo de paz no Oriente Médio será a nova resolução das Nações Unidas", afirma o cientista político Atef Abu Saif, professor na Universidade Al-Azhar, na Cidade de Gaza. Ele lembra que, nas últimas duas décadas, palestinos e israelenses negociaram segundo o entendimento mútuo. "A Cisjordânia e a Faixa de Gaza, de acordo com Israel e com o marco internacional, eram considerados territórios em disputa. Isso porque a Cisjordânia tinha sido ocupada pela Jordânia, e Gaza, pelo Egito. Agora, nós temos uma resolução segundo a qual esses territórios pertencem ao Estado da Palestina sob ocupação", explica.

Para Saif, toda a perspectiva do processo de paz sofrerá uma completa transformação. A adesão na ONU também mexe no tabuleiro político dos territórios palestinos, com o Hamas se aproximando dos moderados do Fatah, partido do presidente Abbas. Os grupos romperam em 2007, depois das eleições nacionais. Abbas é esperado hoje em Ramallah e deverá ser recebido como um herói. Os palestinos foram convidados a se reunirem próximo à sede da AP, onde o presidente fará um discurso.

Encontro com Patriota Um dos negociadores para a reconciliação com o Hamas, o comissário-geral do Fatah para Relações Exteriores, Nabil Shaath, fez ontem uma rápida visita ao ministro das Relações Exteriores brasileiro, Antonio de Aguiar Patriota. Shaath veio ao Brasil para participar do Fórum Social Mundial Palestina Livre, iniciado na última quinta-feira, em Porto Alegre, e passou por Brasília antes de seguir para o Oriente Médio. Segundo nota oficial do Itamaraty, o ministro e o comissário analisaram a situação atual, como a votação na ONU, e as "perspectivas futuras da Palestina".

TRÊS PERGUNTAS PARA

Atef Abu Saif, cientista político na Universidade Al-Azhar (Cidade de Gaza)

Qual é o risco do reconhecimento de um Estado comandado por duas forças — o Fatah, politicamente forte depois da resolução; e o Hamas, com prestígio militar depois da Operação Pilar de Defesa? Essa é uma situação que aborda todo o povo palestino, incluindo o Hamas, que apoiou a iniciativa do Fatah. Isso ficou muito claro quando o Hamas anunciou seu apoio à demanda do presidente Mahmud Abbas na Assembleia Geral da ONU. Isso foi uma demanda, não uma implementação. Nós ainda estamos sob ocupação na Cisjordânia e sob força excessiva na Faixa de Gaza. Todos os palestinos, incluindo o Hamas e o Fatah, precisam materializar isso.

A resolução confere uma maior legitimidade aos palestinos? Sim, é óbvio. Reforça a posição palestina e aumenta o compromisso da comunidade internacional com a causa. A comunidade internacional não é mais apenas uma mediadora, mas parte do conflito. Isso porque um Estado-membro da ONU está sob ocupação. Isso é importante não apenas no nível moral, mas pelo fato de que agora há um Estado palestino reconhecido pela lei internacional. Antes, o que havia era uma terra árabe ocupada por Israel.

No caso de reconciliação entre Hamas e Fatah, como será possível trabalhar a negociação de paz já que o movimento islâmico insiste que não dialoga com Israel? O princípio por trás da reconciliação palestina será o acordo de consenso nacional, assinado no Cairo, em 2005. Pelos termos desse pacto, as partes concordam que a meta das instituições políticas e militares será a obtenção de um Estado palestino na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Mas esse estado só será criado depois de resolvido o impasse sobre o retorno dos refugiados. O Hamas concordou com isso e aceitou negociar, em nome dos palestinos.