Título: Egípcios vão às ruas em apoio a Morsy
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Fonte: Correio Braziliense, 02/12/2012, Mundo, p. 20
Milhares de islâmicos reuniram-se na capital contra as críticas ao decreto que aumenta os poderes do presidente e ao novo projeto de Constituição
"Levante com orgulho a sua cabeça, seu presidente é Morsy." A frase foi entoada por milhares de apoiadores islâmicos de Mohammed Morsy reunidos, ontem, em frente à Universidade do Cairo. Carregando bandeiras e retratos do presidente egípcio, os manifestantes organizaram o movimento em resposta aos protestos da oposição que há dias tomam as ruas da capital contra o decreto que reforça os poderes de Morsy e o novo projeto de Constituição. A Carga Magna é criticada por violar a liberdade de religião e de expressão.
Essa é a crise política mais grave enfrentada pelo país desde a eleição de Mohammed Morsy, da Irmandade Muçulmana, em junho deste ano. As divisões são cada vez mais profundas entre islâmicos e grupos laicos, liberais e cristãos no país, que têm visto as tensões se intensificarem de forma substancial desde 22 de novembro. A data foi marcada pela emissão de um decreto de emergência garantido que as decisões de Morsy não podem ser revogadas por qualquer autoridade, inclusive o Judiciário, até que a nova Constituição seja ratificada e uma eleição parlamentar realizada.
Entretanto, a pressa na elaboração da Constituição, aprovada na última sexta em Assembleia Constituinte formada por uma maioria islâmica, irritou ainda mais insurgente liberais, seculares e cristãos que não se sentem representados pelos constituintes e não concordam com o texto da Carta. O projeto de Constituição, que substituirá a lei fundamental suspensa após a queda de Hosni Mubarak, no início de 2011, deverá ser entregue ao presidente, que submeterá o texto a um referendo popular.
Os partidários de Morsy acreditam que as decisões recentes permitirão ao Egito, que passa por uma difícil transição política, estabilizar e consolidar a sua democracia. "Queremos que essa transição termine, queremos uma Constituição. Se alguns não gostam da Constituição, que opinem nas urnas", gritou um manifestante. Durante o evento, uma árvore caiu sobre a multidão perto do pódio principal da universidade, matando uma pessoa e ferindo outras 24. As manifestações pró-Morsy também aconteceram em Alexandria e na província de Assiut (centro).
Acampados Na outra margem do Nilo, centenas de manifestantes mantêm o acampamento na Praça Tahrir (o epicentro da revolta de 2011) desde 23 de novembro como forma de protesto ao decreto que aumentou os poderes de Morsy. A Frente de Salvação Nacional (FSN), uma coalizão de partidos de oposição liderada por Mohamed ElBaradei, ex-chefe da agência nuclear da Organização das Nações Unidas (ONU), e Hamdeen Sabbadi, um ex-candidato presidencial, convocaram os egípcios a rejeitarem o decreto e reivindicarem o cancelamento do projeto de Constituição. A coalizão ressaltou em um comunicado o direito do povo de "usar todos os meios pacíficos de protesto, incluindo a greve geral e a desobediência civil".
Como na antiga Constituição, o novo texto baseia-se em princípios da sharia, lei islâmica bem-aceita no Egito. Entretanto, ele acrescenta uma disposição segundo a qual os preceitos devem ser interpretados de acordo com a doutrina sunita, o que alguns veem como uma oportunidade para reforçar a posição da lei islâmica, particularmente mais rigorosa em suas interpretações. O artigo que trata do tema é o número dois. Na Constituição de 1971, o texto diz que "o Islã é a religião do Estado, o árabe é seu idioma oficial e os princípios da sharia são a principal fonte de legislação". Já na reformulação, apesar de o artigo 2 permanecer igual, o acréscimo de um novo artigo, de número 219, dá outra significação ao conteúdo: "Os princípios da sharia incluem evidências e fundamentos gerais, regras e jurisprudência, assim como fontes aceitas pela doutrina sunita islâmica e a maioria dos estudiosos muçulmanos".
Entre as cláusulas que incomodam ativistas está também a preservação de boa parte dos poderes que o Exército tinha no governo de Mubarak, como o de aprovar o orçamento militar sem supervisão do parlamento. Outro ponto controverso do esboço aprovado é a inexistência de garantias explícitas dos direitos das mulheres no país. Além disso, o projeto também dá ao Estado um papel de "proteção da moral" e proíbe "insultar pessoas humanas" e "profetas", disposições que poderiam abrir caminho para a censura. A limitação do mandato presidencial a no máximo dois períodos de quatro anos é um dos pontos vistos como positivo.