Título: Artifício contábil de R$ 76 bi
Autor: Hessel, Rosana
Fonte: Correio Braziliense, 04/01/2013, Economia, p. 9

No vale-tudo para cumprir a meta de superavit fiscal, governo federal saca recursos do Fundo Soberano no último dia de 2012

O governo recorreu mais uma vez à criatividade contábil para fechar as contas de 2012 e cumprir a meta de superavit primário (economia para o pagamento dos juros da dívida púbica). Dessa vez, além de antecipar o recebimento de dividendos de estatais, usar em larga escala receitas extraordinárias, como indenizações judiciais, e excluir gastos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do resultado primário, o Tesouro Nacional, comandado por Arno Augustin, partiu para cima do Fundo Soberano do Brasil (FSB). Conforme a Portaria nº 770, publicada ontem no Diário Oficial da União, no último dia do ano passado, o órgão sacou R$ 8,8 bilhões do Fundo Fiscal de Investimentos e Estabilização (FFIE), onde o dinheiro do FSB fica depositado.

É a primeira vez que o governo lança mão desse artifício. Por meio de outra portaria, também publicada ontem, o Tesouro antecipou o recebimento de R$ 2,3 bilhões em dividendos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Somadas às demais operações pouco ortodoxas já realizadas, o valor das artimanhas usadas para cumprir o superavit primário chegou a R$ 76,5 bilhões em 2012.

De janeiro a novembro, a receita com dividendos foi de R$ 20,4 bilhões, volume quase 5% maior do que o registrado no mesmo período de 2011. O item outras receitas, que inclui as indenizações judiciais, alcançou R$ 19,4 bilhões no mesmo intervalo. Além disso, o Ministério da Fazenda já anunciou que vai abater da meta fiscal R$ 25,6 bilhões em investimentos do PAC.

Todas essa ginástica foi feita para reforçar o caixa do governo, que, até novembro, estava muito longe de atingir o superavit de R$ 97 bilhões previsto para 2012. Em 11 meses, a União conseguiu economizar apenas R$ 60,4 bilhões. Com as medidas anunciadas ontem, o Tesouro acrescentou R$ 11,1 bilhões às receitas. Incluindo os R$ 25,6 bilhões do PAC, o superavit poderá ser alcançado, mesmo que, em dezembro, as contas fechem no vermelho, como tradicionalmente acontece. Para todo o setor público, incluindo estados, municípios e empresas estatais, a meta é de R$ 139,8 bilhões, o equivalente a 3,1% do PIB. Até novembro, foi cumprido 1,9%.

O saque de R$ 8,8 bilhões do Fundo Soberano foi mal visto até por técnicos do governo, elevando o ceticismo do mercado em relação à transparência das contas públicas. “Como gasta mais do que arrecada, desde 2009, o Tesouro vem usando artifícios para fechar as contas”, criticou o economista da consultoria Tendências, Silvio Campos Neto. Para ele, a insistência da Fazenda em usar ferramentas pouco ortodoxas, embora legais, compromete a credibilidade da política macroeconômica e contribui para afugentar investidores estrangeiros, apesar de a relação entre a dívida líquida do país e o PIB, na casa dos 35%, estar entre as menores do mundo.

Para Campos Neto, a falta de rigor na contabilidade comprova o descaso com a austeridade fiscal, além do abandono do tripé da política macroeconômica que garantiu a estabilidade financeira desde o fim da década de 1990, após a criação do real: câmbio flutuante, sistema de metas de inflação e superavit primário. “As conquistas dos últimos anos podem cair por terra. O governo tem se preocupado apenas em conter o aumento da dívida em relação ao PIB, a fim de mostrar que a situação fiscal não está tão ruim. E isso não é bom”, afirmou, lembrando que o indicador não vem sendo mantido da forma como deveria — com resultados da arrecadação e dos ajustes fiscais que o governo deveria estar fazendo e não faz.

Aporte Em outra portaria divulgada ontem, o Tesouro emitiu R$ 14,9 bilhões em títulos em favor do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Para Campos Neto, é preocupante o uso do BNDES para financiar investimentos privados a juros subsidiados que não remuneram o custo das emissões de papéis da dívida. “Não sabemos ainda o tamanho desse rombo, porque o governo não revela”, criticou. Procurado pelo Correio, o Ministério da Fazenda não comentou o assunto.

» Patrimônio ceifado

Criado em 2008 para fazer investimentos, formar poupança pública, combater os efeitos de crises e auxiliar nos projetos de interesse estratégico do país, o Fundo Soberano do Brasil (FSB) teve metade de seu patrimônio consumido pela operação montada pelo Ministério da Fazenda. Segundo a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o FSB tinha pouco mais de R$ 15 bilhões depositados no Fundo Fiscal de Investimentos e Estabilização (FFIE), que gerencia os recursos.