Correio braziliense, n. 20868-2 , 12/07/2020. Brasil, p.5

 

Mortes se estabilizam em platô nas alturas

Bruna Lima

Maria Eduarda Cardim

12/07/2020

 

 

CORONA VÍRUS » Número de óbitos por covid-19 no Brasil interrompe escalada acelerada, mas alcança um patamar muito elevado, na avaliação de especialistas. As atualizações diárias estão na casa de 40 mil casos e mil vidas perdidas. Analistas não enxergam diminuição sustentada

Previsto para agosto pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), o pico da covid-19 no Brasil preocupa autoridades, pesquisadores e, também, a população. No entanto, especialistas indicam ser possível que o país não tenha um pico característico como o de outras nações afetadas pela pandemia. Sem um controle efetivo do isolamento social e com a flexibilização precoce das atividades comerciais, o Brasil vê os números se estabilizarem em uma curva achatada por um maior período. O problema é que o chamado platô (estabilização), visto atualmente na curva de mortes pela doença, ocorre em um alto patamar, com atualizações diárias na casa de mil óbitos.

Para Rodrigo José, plantonista de uma unidade de terapia intensiva (UTI) que atende a pacientes com covid-19 em Curvelo (MG), “estamos tendendo a ter um platô com um número muito alto de mortes por dia. Será que nossas medidas estão sendo efetivas ou, na verdade, a gente está estabilizando por uma ineficácia do que a gente deveria ter feito e não fizemos?”

Segundo o médico do serviço de controle de infecção hospitalar do Hospital Imaculada Conceição, a estabilização na casa das mil fatalidades reflete negligência com a quarentena. “A gente vai vendo que há um relaxamento de isolamento social e isso, de certa forma, vai mudando a característica da transmissão da infecção do vírus no Brasil. Consequentemente, dificulta para fazer a previsão de quando será esse pico, se é que nós vamos ter um”, afirma. Ele lembra que o pico da doença corresponde àquele período em que o país apresenta o maior número de casos e mortes e, logo após, uma queda sustentada. É determinado, portanto, posteriormente ao seu ocorrido.

“Tem que haver uma queda sustentada para definir que houve um pico. Dessa forma, ele pode ser determinado de uma forma retrógrada, porque você vai defini-lo depois que você passa por ele”, ressalta. Já o platô seria uma fase posterior ao pico epidemiológico, no qual a curva apresenta queda e faz um achatamento, mantendo uma constância.

Ao analisar a curva do Brasil por semana epidemiológica, especialistas ainda não conseguem ver uma queda sustentada — nem em relação aos óbitos, nem em relação aos casos. Com o encerramento da 28ª semana epidemiológica, ontem, o país mantém a média de registro das semanas anteriores, não mostrando uma variação considerada significativa para definir uma alteração na curva da pandemia. No entanto, é possível observar que, enquanto se nota uma estabilização no número de óbitos há algumas semanas, a quantidade de infectados continuou em crescimento, ainda que em desaceleração. A primeira recessão ocorreu justamente entre a semana 27 e 28, com queda de 0,2% em relação ao acumulado de novos casos semanais, o que, ainda, não caracteriza uma tendência de platô (Veja gráfico).

Transmissão

Na avaliação do secretário de Vigilância do Ministério da Saúde, Arnaldo Correia, a dinâmica das novas confirmações é um reflexo do aumento da realização de testes da covid-19. “O número de casos novos tem aumentado e isso pode ser reflexo da capacidade de testagem do Brasil, que vem aumentando nas últimas semanas”, disse em coletiva de imprensa, na quarta-feira.

Outro fator importante para avaliar em que estágio o país se encontra na pandemia é a taxa de reprodução de vírus, chamada de Rt. O dado é relevante porque ajuda governantes a definirem qual a melhor hora para optar pela flexibilização do isolamento social. “O recomendado é que essa taxa esteja abaixo de 1, mas o ideal, mesmo, é abaixo de 0,8. Quando Wuhan reabriu, na China, ela estava com a taxa em torno de 0,3. Na Alemanha, a retomada aconteceu com a taxa de 0,75”, explica o plantonista do Hospital Imaculada Conceição, Rodrigo José.

Em meio à onda de flexibilização brasileira, as taxas de contágio (Rt) da covid voltaram a subir. Na nova avaliação do Imperial College de Londres, o Brasil, que na semana passada chegou perto de atingir níveis considerados controlados da transmissão, sofreu um retrocesso e aumentou a Rt para 1,11, ou seja, cada grupo de cem pessoas infectadas transmite o vírus para outras 111.

Em abril, com Rt de 2,3, o país chegou a ocupar o primeiro lugar no ranking de nações com maior descontrole da doença. Já no fechamento da 26ª semana, chegou próximo de sair do rol de disseminação ativa, com Rt de 1,03. Taxas acima de 1 significam que o contágio está descontrolado, não sendo possível rastrear com precisão o caminho do vírus. Com a atualização, o Brasil se mantém pela 11ª semana entre os países com transmissão ativa, sendo os Estados Unidos o país com mais longa permanência neste patamar.

Por outro lado, o Brasil tem apresentado melhoras graduais em relação às subnotificações, um dos critérios necessários para conseguir identificar e conter a transmissão da covid-19. Com o fechamento da semana 27, de 28 de junho a 4 de julho, o Imperial College calcula que a nação reporta 43,9% dos casos. No balanço anterior, o índice estava em 36,3%. Em relação ao início de abril, o avanço foi significativo, já que, à época, o país só registrava 10,4% das infecções.

Testagem

A testagem é, ainda, uma das principais estratégias para alcançar infectados, tratando precocemente o paciente e evitando a continuidade de contágio com o correto isolamento. No entanto, sem a articulação dos outros elementos, como distanciamento social e completo isolamento dos infectados, os esforços das autoridades de saúde com ampliação de testagem não garantem o controle.

“É necessário manter uma vigilância clínica e laboratorial. Do contrário, podemos ser surpreendidos por novos surtos, ainda que em um momento de estabilização ou queda”, afirma a médica Nancy Bellei, infectologista e virologista da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Dizer que o país vive uma única curva, para a especialista, não retrata a realidade continental do Brasil, que observa diferentes etapas de contágio no momento. Sem vacina, no entanto, todas as localidades estão sujeitas a novas elevações da curva, se não houver cuidado. “Em pouco tempo, países já estão experimentando algumas recrudescências e fazem intervenções. Não necessariamente voltarão os picos com tantas mortes, já que uma parcela da população já se infectou. Estamos iniciando um momento novo, mas a pandemia não acabou. Teremos que aprender a conviver com o vírus, porque ele vai continuar circulando. Conviver com esse vírus é não relaxar nas medidas, fazer a nossa parte”, orienta a infectologista.

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Controle da pandemia no mundo

Bruna Lima

Maria Eduarda Cardim

12/07/2020

 

 

No atual cenário, a previsão da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) é de que o maior acumulado de casos e mortes no Brasil ocorra em agosto, assim como na Argentina, Bolívia e Peru. Chile e Colômbia devem estar vivenciando o pico da doença agora, já na Costa Rica, por exemplo, a curva deve começar a achatar em outubro. As estimativas, no entanto, dependem da manutenção do distanciamento social. Caso seja abandonado, países, estados e municípios ficam sujeitos a enfrentar surtos catastróficos de novos casos e óbitos. A doença pode matar 440 mil pessoas na América Latina até outubro.

Um novo aumento de casos também é observado nos Estados Unidos. Enquanto Washington e Nova York têm números muito baixos de novos infectados e fatalidades, 27 estados norte-americanos registram crescimento. O país ainda não conseguiu controlar a doença para inferir uma nova onda de contágio.

Em países como China, Alemanha, Bélgica, Grécia, Singapura, Coreia do Sul e Austrália, que sofreram com a pandemia antes e voltaram a registrar novos casos recentemente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) diz ser cedo para considerar uma segunda onda de covid-19, mas não descarta a possibilidade. “Às vezes, há casos esporádicos que, ao serem investigados, levam a novos focos, como eventos de contágio em massa em ambientes fechados. É preciso monitorar para evitar um segundo pico de infecções e voltar a ter que recorrer a confinamentos”, explicou o diretor de Emergências da OMS, Mike Ryan.

Segunda onda

Enquanto, nesta semana, Pequim parou de registrar novas confirmações depois de um foco de contágio iniciado em junho, a Austrália precisou decretar novo confinamento para habitantes de Melbourne, a segunda maior cidade do país. A medida ocorre após a cidade do estado de Victoria anunciar 191 novos casos em um dia e deve durar, ao menos, seis semanas, afetando 5 milhões de pessoas. “Ninguém deseja ficar nesta situação, mas não podemos fingir que a pandemia terminou”, afirmou o primeiro-ministro de Victoria, Daniel Andrews, ao anunciar a decisão.

A Europa também se preocupa com novos surtos. Com quarentenas pontuais, Alemanha, Bélgica e Grécia monitoram a situação após explosões de casos, a fim de evitar que o contágio volte a se espalhar de forma descontrolada. “É preciso mostrar habilidade e rapidez para usar os dados desses focos de contágio, fazer diagnósticos e acompanhar casos, além de adotar o distanciamento físico”, afirmou o diretor de Emergências da OMS, Mike Ryan, ao se referir aos recentes acontecimentos como sendo um “segundo pico”, ao invés de uma “segunda onda.”