Correio braziliense, n. 20870 , 14/07/2020. Política, p.4

 

Especialistas cobram foco para o projeto

Luiz Calcagno

14/07/2020

 

 

FAKE NEWS » Debates sobre o PL 2.630/20 sugerem que texto seja restrito. Lembram que notícias falsas sempre existiram e que as redes sociais são um importante espaço de debate público

Um texto necessário, mas que precisa de muitas modificações. Esse foi o balanço do primeiro dia de debate de deputados com especialistas sobre o Projeto de Lei 2.630/20, que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, o PL das Fake News. Especialistas destacaram que o texto precisa de um objeto e uma direção claros, pois notícias falsas sempre existiram. O problema, apontam, é que as redes sociais se tornaram um importante local de debate público, mas, ao mesmo tempo, um espaço fértil para criação de esquemas de disseminação de desinformação com objetivos políticos e ideológicos.

A ideia dos parlamentares é ouvir representantes de empresas, da sociedade civil e pesquisadores por 10 sessões, que, por enquanto, receberam a recomendação de alterarem o texto aprovado no Senado, em 30 de junho, para regular, principalmente, o espaço de debate, de forma a garantir a liberdade de expressão. Mas as empresas do setor seriam afetadas: os convidados dos deputados destacaram que as plataformas das redes sociais precisam ser transparentes, por exemplo, quanto a conteúdos impulsionados por meio de pagamento ou com o uso de robôs para viralizar artificialmente conteúdos, e para permitir que seja possível chegar aos responsáveis por disseminações de fake news, discursos de ódio e linchamentos virtuais. Os debatedores criticaram, em especial, o artigo 10, que permite a exposição de perfis em caso de disparos em massa de mensagens mentirosas, na tentativa de chegar ao autor dos disparos.

Para os pesquisadores, num caso assim, pessoas teriam o sigilo quebrado para se chegar a um responsável. Há, ainda, o risco dessa medida restringir a liberdade de expressão.

O presidente da casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ) afirmou que o texto apresentado será aperfeiçoado por senadores. “Tenho certeza de que os parlamentares, com a sociedade, vão ampliar esse debate e chegar a um texto que garanta a liberdade de cada um dos cidadãos, mas que organizarão o tema de forma que os que usem de forma indevida possam também ter punição”, defendeu.

Descontrole

Laura Schertel Mendes, professora-adjunta de Direito Civil da Universidade de Brasília (UnB) e doutora em direito privado, correlacionou o PL e a Lei de Proteção de Dados, aprovada no Congresso, prevista para entrar em vigor em agosto. “Com um fluxo de dados descontrolado, os danos que a desinformação pode trazer são agravados”, explicou, citando as ações da Cambridge Analytica, que interferiram no resultado do plebiscito sobre o Brexit –– quando a Inglaterra decidiu deixar a União Europeia.

Mestre em Ciências Sociais e Internet na Universidade de Oxford (Inglaterra) e mestre em Direito e Tecnologia pela Universidade de Sorbonne (França), Caio Machado alertou que o problema não é a tecnologia, mas o mau uso. Ele também destacou que a tentativa de regular debates na esfera pública ocorreu outras vezes na história.

Para Renata Mielle, coordenadora geral do Fórum Nacional para Democratização da Informação e integrante da Coalizão Direito na Rede, um PL não alcança a complexidade da comunicação e do debate público nas redes sociais. “O fenômeno da desinformação tem muitas dimensões. Você não consegue, em um PL, dar conta da multiplicidade de fatores para esse fenômeno circular como circula hoje. A desinformação sempre fez parte no debate público na sociedade. O que há de novo é o comportamento e uso de poder econômico para disseminar, de forma artificial, conteúdos para trazer danos a processos políticos pela internet”, salientou.

Frase

“A desinformação sempre fez parte no debate público na sociedade. O que há de novo é o comportamento e uso de poder econômico para disseminar, de forma artificial, conteúdos para trazer danos a processos políticos pela internet”

Renata Mielle, coordenadora geral do Fórum Nacional para Democratização da Informação