Correio braziliense, n. 20870 , 14/07/2020. Saúde, p.14

 

Vacina russa entra em fase final de testes

14/07/2020

 

 

A fórmula deve ter "circulação pública" em meados de agosto e ser produzida em grande escala a partir de setembro. Segundo o governo, os resultados dos primeiros ensaios em humanos indicam que a imunização é tão segura quanto as disponíveis no mercado

Em uma estratégia parecida com a dos chineses — que, no fim do mês passado, anunciaram que dariam início à aplicação de uma vacina experimental de “forma interna” no Exército —, o governo russo prevê iniciar, em um mês, “a circulação pública” de uma fórmula contra o Sars-CoV-2. A vacina foi desenvolvida pelo Instituto Gamaleya, em parceria com a Universidade Sechenov, e tem obtido resultados promissores nas primeiras fases dos ensaios com humanos.

“A segurança da vacina foi confirmada. Corresponde à segurança das vacinas que estão atualmente no mercado”, disse Alexander Lukashev, diretor do Instituto de Parasitologia Médica, Tropical e Doenças Transmitidas por Vetores da universidade russa, em entrevista à agência de notícias Sputnik.  O próximo passo vem em sequência a esses avanços. “Lá para 14 e 15 de agosto, espero, entrará em circulação a quantidade pequena de vacina que devemos ser capazes de produzir” afirmou Alexander Ginsburg, diretor do Instituto Gamaleya, em entrevista à agência de notícias RIA. Também de acordo com Ginsburg, a produção em massa da fórmula deve ser iniciada em setembro.

Essa nova etapa funcionaria como uma fase 3 dos ensaios clínicos, quando se avalia a eficácia de uma vacina a partir de um número maior de voluntários. Nas fases 1 e 2, os cientistas estão mais focados em investigar a segurança da abordagem proposta. No caso da vacina russa, os testes com humanos estão sendo conduzidos pela Universidade Sechenov e envolvem 38 voluntários saudáveis — homens e mulheres com idade entre 18 e 65 anos. O primeiro grupo, composto por 18 pessoas, foi vacinado em 18 de junho. O segundo, com 20 pessoas, em 23 de junho.

Segundo Yelena Smolyarchuk, diretora do Centro Universitário de Avaliação Especializada de Medicamentos da universidade, a vacina testada se mostrou segura, como o esperado pela equipe. De acordo com o Ministério da Defesa, dados disponíveis mostram também “que os voluntários desenvolveram uma reação imunológica à vacina contra coronavírus”. Porém, os resultados obtidos até o momento não foram divulgados em uma revista científica, quando há revisão dos pares.

Duas doses

Em nota, a universidade explica que a fórmula é uma vacina liofilizada — “um pó do qual uma solução é preparada para injeção intramuscular”. Alguns participantes do estudo experimentaram dores de cabeça e temperatura corporal elevada.  “No entanto, esses sintomas desapareceram completamente dentro de 24 horas após a administração da vacina”, enfatiza o texto. Segundo Yelena Smolyarchuk, essa resposta à injeção é bastante típica no caso de doenças infecciosas, e não houve piores complicações.

A previsão é de que o primeiro grupo de voluntários receba alta do hospital amanhã e o segundo, na próxima segunda-feira. Em 28 de julho, os participantes devem receber a segunda dose. Em entrevista à agência russa Ria Novosti, Alexander Gintsburg explicou que a medida pretende aumentar o tempo de proteção. “A experiência com a vacina contra o ebola mostra que, se você se restringir a uma única dose, terá um nível de proteção contra infecção de cinco a seis ou sete meses. Para imunizar por dois anos ou mais, será necessária uma segunda dose”, justificou.

Por enquanto, os participantes estão alojados em enfermarias simples ou duplas no campus da universidade. O isolamento de 28 dias tem como objetivo protegê-los da exposição a outras infecções. Além de apoio psicológico, eles podem frequentar instalações esportivas para a prática de atividades físicas, segundo a universidade. A vacina também está sendo testada no Hospital Militar Burdenko, em Moscou. Nesse caso, porém, é usada uma versão líquida da forma.

Destaque chinês

A vacina é a primeira e a única fabricada na Rússia indicada no relatório mais recente da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre ensaios clínicos em andamento: são 21 no total. O governo russo desenvolve 17 fórmulas imunizadoras contra a covid-19, das quais três ou quatro devem entrar na fase de produção, segundo o Ministério da Saúde.

No momento, dois projetos estão em estágio avançado dos ensaios clínicos: um da chinesa Sinopharm e outro da AstraZeneca e da Universidade de Oxford. Essa segunda inciativa contará com a participação de voluntários brasileiros, assim como a fórmula desenvolvida pela chinesa Sinovac Biotech, cujo início da fase 3 dos testes com humanos está previsto para o próximo dia 20.

A China é o país com maior número de testes de vacinas contra a covid-19 em andamento. Ao todo, oito projetos receberam permissão para a realização de ensaios em humanos tanto dentro do país quanto no exterior. Um deles, conduzido pela empresa CanSinoBio e pela Academia Militar de Ciências Médicas, é testado apenas em militares, depois que “os dados dos testes clínicos demonstraram um bom perfil de segurança e níveis elevados de resposta imune”, segundo nota divulgado pelo grupo.

Frase

 “Lá para 14 e 15 de agosto, espero, entrará em circulação a quantidade pequena de vacina que devemos ser capazes de produzir”

Alexander Ginsburg, diretor do Instituto Gamaleya

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Imunidade pode durar apenas alguns meses

14/07/2020

 

 

Resultados de um estudo britânico servem de alerta para a importância de estar sempre atento aos impactos do novo coronavírus, inclusive as pessoas que já foram infectadas. Liderados pelo King’s College de Londres, cientistas descobriram que a imunidade baseada em anticorpos, adquirida após a cura da covid-19, não dura muito tempo: a quantidade máxima de células de defesas que combatem o Sars-CoV-2 pode permanecer por até três meses.

O prazo foi detectado pela equipe ao estudar a resposta imunológica de mais de 90 pessoas que tiveram diagnóstico positivo para a infecção. Os níveis de anticorpos neutralizantes, capazes de destruir o coronavírus, atingiram o pico médio cerca de três semanas após o surgimento dos primeiros sintomas. Depois, começaram a diminuir rapidamente. Apenas 16,7% dos indivíduos apresentavam altos níveis de anticorpos neutralizantes 65 dias após o início dos sinais da infecção.

Exames de sangue mostraram ainda que mesmo os indivíduos com sintomas leves da doença apresentaram uma resposta imune ao vírus. A reação, porém, foi geralmente menor do que a de pacientes acometidas com formas mais graves da doença e também foi enfraquecendo ao longo do tempo.

Para os autores do estudo — publicado no site medrxiv, mas ainda não revisado—, os dados também sinalizam novos desafios na busca por uma vacina contra a covid-19. “Se a infecção fornece níveis de anticorpos que diminuem em dois a três meses, a vacina potencialmente fará a mesma coisa, e uma única injeção poderá não ser suficiente”, explica Katie Doores, principal autora do estudo, em entrevista ao jornal Guardian.

Proteção global

O trabalho também tende a enfraquecer a hipótese de imunidade coletiva, que supõe uma proteção global após uma alta porcentagem da população adquirir imunidade por ter sido infectada. A ideia serve de estímulo para a retomada das atividades em países que enfrentaram o pico dos casos, como os europeus.

Por isso, a indicação de especialistas é não afrouxar as medidas protetivas. “Mesmo aqueles com um teste de anticorpos positivos, especialmente aqueles que não sabem onde foram expostos, devem continuar a ter cautela, a manter o distanciamento social e a usar máscara apropriada”, afirma James Gill, professor honorário da Warwick Medical School.

Mala Maini, consultor da University College de Londres e professor de imunologia viral, pondera que a imunidade não se baseia apenas na ação de anticorpos. “Mesmo que você não tenha anticorpos circulantes detectáveis, isso não significa, necessariamente, que não tem imunidade protetora. Isso porque, provavelmente, têm células de memória imune que podem rapidamente entrar em ação para iniciar uma nova resposta imunológica caso seja exposto ao vírus novamente”, explica.

16,7%

Quantidade de infectados que apresentaram altos níveis de anticorpos neutralizantes 65 dias após o surgimento dos primeiros sintomas da infecção