Correio braziliense, n. 20870 , 14/07/2020. Cidades, p.19

 

Jovem picado por naja tem alta

Samara Schwingel

14/07/2020

 

 

INVESTIGAÇÃO » Pedro Henrique deixou o hospital no início da tarde de ontem. Agentes da polícia foram até o prédio do estudante, no Guará 2. Ele deve ser ouvido na delegacia ainda nesta semana. Suspeita é que ele e amigos estejam envolvidos em tráfico de animais

O jovem picado pela naja kaouthia recebeu, ontem, alta do hospital. Pedro Henrique Lehmkuhl, 22 anos, chegou a ficar em coma e esteve internado desde 7 de julho, quando foi atingido pela cobra no apartamento onde mora, no Guará 2. O estudante de medicina veterinária recebeu dose do único soro antiofídico existente no Brasil, cedido pelo Instituto Butantan, em São Paulo, e respondeu bem aos tratamentos.

Pedro deve ser ouvido pela Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) ainda nesta semana. O delegado da 14ª DP William Andrade Ricardo afirma que os investigadores intimaram o estudante ainda na segunda-feira, após ele sair do hospital. Segundo o delegado, o jovem também pode ser indiciado por crime contra a saúde pública, por expor a vida ou a saúde de outros a perigo direto e iminente, devido ao manuseio inadequado do animal.

Na tarde de ontem, agentes da PCDF estiveram no condomínio onde o jovem mora com a família. O Correio apurou que a visita era relacionada ao caso de Pedro e eles olharam imagens do circuito de segurança.

Suspeita

Na última sexta-feira, três amigos do estudante estiveram na delegacia, incluindo o jovem que deixou a naja próximo ao shopping Pier 21. Nenhum deles foi responsabilizado ainda. A suspeita da PCDF é que o grupo esteja envolvido em um esquema nacional de tráfico de animais silvestres.

O caso da naja levou a Polícia Militar Ambiental (BPMA) a encontrar mais 16 serpentes, em uma espécie de criadouro no Núcleo Rural Taquara, em Planaltina. A chácara pertence a um dos amigos de Pedro. As investigações apontam que os jovens utilizavam os animais em pesquisas clandestinas.

Na sexta-feira, agentes da Delegacia Especial de Proteção ao Meio Ambiente e à Ordem Urbanística (Dema) encontraram três tubarões, sete serpentes, uma moreia e um lagarto teiú, além de outras seis cobras, em uma chácara na Colônia Agrícola Samambaia, em Taguatinga. A polícia apura a ligação entre os animais e o estudante que foi picado.

No sábado, agentes capturaram uma jiboia arco-íris, em um apartamento vazio no Guará 2. O dono, um servidor do Judiciário, é pai de um dos amigos de Pedro, o mesmo que ocultou as 16 serpentes e soltou a naja próximo ao shopping Pier 21.

As serpentes apreendidas estão no Zoológico de Brasília e seguem em observação, após apresentarem sinais de maus-tratos. No total, o Zoo está com as seguintes espécies provenientes de apreensões: naja de monóculo, cascavel, periquitamboia, cobra rasteira, king snake, jiboia, jararacuçu, víbora verde-de-voguel, jiboia arco-íris, jiboia de Madagascar e píton indiana. Uma perícia da Polícia Civil, realizada ontem, constatou que duas piton-indianas estavam debilitadas e com lesões aparentes. Elas recebem tratamento no Hospital Veterinário do Zoológico.

Os tubarões seguem na chácara em Samambaia. O dono dos aquários precisa apresentar a documentação dos animais ainda esta semana, caso contrário o Ibama irá levá-los para algum aquário de Brasília. O órgão estuda para definir qual local seria o mais adequado para recebê-los. As autoridades ambientais ainda discutem qual será o destino final de todos os animais encontrados, sendo o Butantan o mais provável para as cobras.

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Animal silvestre pode ser criado legalmente

14/07/2020

 

 

De acordo com o Brasília Ambiental (Ibram), o Ibama é o órgão responsável por autorizar a criação de animais silvestres no Brasil. A legislação seguida depende de cada estado. No DF, só é possível criar animais que sejam originais da fauna brasileira. E mesmo assim, não são todos. Por exemplo, no caso de cobras, só é permitida a criação caso não sejam peçonhentas. Por isso, é preciso que o cidadão saiba qual espécie ele deseja obter.

Depois, é necessário observar a procedência do animal. A única forma de possuir uma espécie silvestre legalizada é comprá-la de um criadouro ou estabelecimento comercial autorizado pelo Ibama ou pelo órgão estadual ou distrital (no Distrito Federal, o Instituto Brasília Ambiental).

O interessado deve solicitar autorização ao órgão ambiental estadual e seguir as regras necessárias para a criação da espécie, como mantê-la em local apropriado. Também é proibido criar, manter e alojar animais selvagens da fauna exótica (não natural do cerrado) no DF, a não ser por exceções previstas em lei. A venda de animais silvestres é proibida pelo Código de Fauna (Lei 5.197/67).

VOCÊ SABIA?

Animais silvestres X animais exóticos

» Animais silvestres — são aquelas espécies que vivem de forma livre no Brasil e se reproduzem em território nacional. Por exemplo: lagartos, quelônios, jabutis, coruja, jiboia, falcão e macacos, entre outros.

» Animais exóticos — são originais de outros países e não têm reprodução em território nacional naturalmente. Eles podem existir no Brasil, mas devem ter sido introduzidos de forma artificial e só podem se reproduzir em cativeiro. Por exemplo: píton, urso, cacatua, calopsita, entre outros.

Fonte: ICMBio

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Entregas voluntárias aumentam

14/07/2020

 

 

Desde a semana passada, 26 cobras de 13 espécies já foram entregues ao Zoológico de Brasília. Algumas delas foram apreendidas em ações da Polícia Civil e do Ibama, e outras foram entregues espontaneamente pelos antigos proprietários.

Segundo Marco Freitas, analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio), o número de entregas voluntárias aumentou depois do caso de Pedro. Ele ressalta que a denúncia (veja Disque-denúncia) é importante e auxilia as autoridades no combate ao tráfico. “É um mercado muito grande, existe muita coisa por trás desse universo. Por isso, qualquer pessoa que quiser denunciar pode entrar em contato com os órgãos anonimamente”, afirma. “O mais correto seria chamar diretamente o Ibama ou o Ibram para fazer a recolha do animal.” A penalidade para quem cometer os crimes ambientais pode chegar a um ano, além de multa aplicada pelo Ibama.

No DF, há pelo menos três órgãos responsáveis pelo combate ao tráfico de animais: a Delegacia Especial de Proteção ao Meio Ambiente e à Ordem Urbanística (Dema), o Batalhão da Polícia Militar Ambiental (BPMA) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O analista ambiental considera que a fiscalização é importante e a introdução de animais exóticos na fauna brasileira pode ser extremamente prejudicial. “Se as espécies exóticas entrarem em contato com as locais, elas podem competir por espaço e comida, e isso pode levar algumas espécies brasileiras à extinção”, diz Marco. Ele afirma que em todo o Brasil há muitos animais em situação ilegal, e que os órgãos ambientais trabalham para recolher e cuidar dessas espécies.

Serpente asiática

A Polícia Civil apura a origem da víbora-verde-de-voguel, cobra exótica entregue na sede do Ibama na última sexta-feira.  Segundo o delegado William Andrade Ricardo, da 14ª DP, por ser uma cobra estranha ao território brasileiro, pode ter sido traficada pelo mesmo grupo responsável pela vinda da naja que picou Pedro Henrique. A serpente é asiática e não possui antiofídico no Brasil. Ela foi entregue pelo dono, junto com uma jararacuçu, que é nativa do Brasil.

Disque-denúncia

Quem mantém animais silvestres ou exóticos de forma irregular pode fazer a entrega voluntária ao Ibama em todas as unidades do país. A população também deve denunciar suspeitas de criação por meio da “Linha Verde”, no telefone 0800-618080. O órgão chama a atenção para o risco de ter animais, como serpentes, em ambientes inapropriados, tanto para o bicho, quanto para as pessoas.