O Estado de São Paulo, n.46249, 02/06/2020. Política, p.A8
Moro diz que Bolsonaro desejava promover uma 'rebelião armada'
Rayssa Motta
Fausto Macedo
Julia Lindner
02/06/2020
Em nota, ex-ministro rebate presidente que, mais cedo, o acusou de ter atitude ‘covarde’ na reunião do dia 22 de abril
Ex-juiz. Moro critica ‘ofensas e bravatas’ do presidente
O ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, afirmou ontem, em nota, que o presidente Jair Bolsonaro, ao pressionar por políticas de flexibilização da posse e porte de armas de fogo, desejava promover uma “rebelião armada” contra as medidas de isolamento social determinadas por governadores e prefeitos, como forma de reduzir o ritmo de contágio da covid-19.
No mesmo texto, Moro diz que “não é medida responsável” a revogação de portarias que aumentavam o controle e rastreamento de armas e munições de armas de fogo, conforme revelou o Estadão em abril.
“Sobre políticas de flexibilização de posse e porte de armas, são medidas que podem ser legitimamente discutidas, mas não se pode pretender, como desejava o presidente, que sejam utilizadas para promover espécie de rebelião armada contra medidas sanitárias impostas por governadores e prefeitos, nem sendo igualmente recomendável que mecanismos de controle e rastreamento do uso dessas armas e munições sejam simplesmente revogados, já que há risco de desvio do armamento destinado à proteção do cidadão comum para beneficiar criminosos”, escreveu Moro. “A revogação pura e simples desses mecanismos de controle não é medida responsável.”
A divulgação da nota foi uma resposta ao presidente, que, horas antes, ao conversar com apoiadores em frente ao Palácio do Alvorada, acusou o ex-ministro de ter agido de forma “covarde” ao não se manifestar, na reunião ministerial do dia 22 de abril, sobre a portaria que revogou a possibilidade de prisão para quem descumprisse medidas de distanciamento social. Na reunião, Bolsonaro pressionou Moro a assinar uma portaria para ampliar o limite para a compra de munições no País e defendeu armar a população contra governantes que impõem quarentena, “para impedir uma ditadura no País”.
A declaração do presidente ocorreu após ele ser abordado por um apoiador em uma cadeira de rodas que se disse vítima de um assalto. Segundo o relato do homem, ele é comerciante e afirmou que, por estar desarmado, não conseguiu se defender.
“Para vocês entenderem um pouquinho quem estava do meu lado. Essa IN (instrução normativa) 131 é da Polícia Federal, mas por determinação do Moro. É uma instrução normativa, ignorou decretos meus e ignorou lei para dificultar a posse e porte da arma de fogo para as pessoas de bem”, afirmou Bolsonaro a apoiadores. A norma citada pelo presidente foi publicada em 2018, antes de Moro assumir a pasta, e trata de procedimentos relativos a registro, posse, porte e comercialização de armas de fogo e munição.
Isolamento. Bolsonaro ainda citou uma outra portaria, que previa prisão para quem descumprisse medidas de distanciamento social, para atacar o ex-ministro da Justiça. “Assim como essa IN, tem uma portaria que o novo ministro revogou que, apesar de não ter força de lei, orientava a prisão de civis. Por isso que naquela reunião secreta, o Moro, de forma covarde, ficou calado. E ele queria uma portaria ainda, depois, que multasse quem estivesse na rua. Perfeitamente alinhado com outra ideologia que não era nossa”, disse. “Graças a deus ficamos livres disso”, completou o presidente.
Na nota, Moro defendeu o isolamento social como medida mais eficaz de combate à pandemia do novo coronavírus e criticou o que classificou como “ofensas e bravatas” do presidente.
Flexibilização
“Sobre políticas de flexibilização de posse e porte de armas, não se pode pretender, como desejava o presidente, que sejam utilizadas para promover espécie de rebelião armada.”
Sérgio Moro
EX-MINISTRO DA JUSTIÇA