Correio braziliense, n. 20871 , 15/07/2020. Brasil, p.6

 

Convergência contra o desmatamento

Rosana Hessel

15/07/2020

 

 

O aumento expressivo do desmatamento na Amazônia, que já superou os dados de todo ano passado, está colocando o Brasil na berlinda do mundo e pode comprometer a retomada do país da recessão provocada pela covid-19 sem que ele tenha conseguido sair da recessão anterior, de 2015 e 2016. A piora na imagem do Brasil no cenário global acendeu o alerta de 17 ex-ministros da Fazenda e de ex-presidentes do Banco Central, que, apesar das divergências no pensamento econômico, se uniram para uma iniciativa inédita denominada Convergência Pelo Brasil. E lançaram, ontem, carta aberta defendendo medidas socioambientais em uma agenda governamental para a retomada do país pós-pandemia. A inciativa engrossa o coro de empresários e de investidores estrangeiros que demonstram preocupação com a questão ambiental no Brasil.

Entre as quatro iniciativas apontadas pelos ex-ministros, destacam-se a redução de emissões de carbono e zerar o desmatamento da Amazônia e do Cerrado. O memorando também defende medidas preventivas contra mudanças climáticas e incentivos para pesquisa e desenvolvimento de tecnologias de vanguarda do mundo de baixas emissões de carbono.

O documento ainda faz um alerta para os efeitos de longo prazo da pandemia, que tende a aumentar a desigualdade social. A foi carta assinada pelos ex-ministros Alexandre Tombini, Armínio Fraga, Eduardo Guardia, Fernando Henrique Cardoso, Gustavo Krause, Gustavo Loyola, Henrique Meirelles, Ilan Goldfajn, Luiz Carlos Bresser-Pereira, Maílson da Nóbrega, Marcílio Marques Moreira, Nelson Barbosa, Pedro Malan, Pérsio Arida e Zélia Cardoso de Mello. A iniciativa tem o apoio do Instituto Clima e Sociedade (ICS) e do Instituto O Mundo Que Queremos.

Consequências

Na apresentação, os ex-ministros alertaram que haverá consequências caso o país não busque uma economia mais sustentável. A indústria agropecuária, que cresceu as exportações nesta crise, poderá ser uma das mais atingidas.

O ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga defendeu que o meio ambiente precisa ser prioridade na agenda de retomada. “Essa crise é lenta e silenciosa, e as pessoas têm de ter em mente que o impacto será bem maior do que o da pandemia”, disse.

Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente, criticou as mudanças no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) justamente quando os dados de desmatamento superaram os de 2019. E ressaltou que o país precisa entrar rápido na discussão sobre a economia de baixo carbono para não perder, novamente, o bonde da história. “Temos uma janela de seis meses em que serão tomadas as decisões que vão nos hipotecar por 20 a 30 anos”, frisou.

Os ex-presidentes do Banco Central Pérsio Arida e Gustavo Loyola defenderam que o Brasil lidere o processo global por ter um ativo ambiental que precisa ser preservado. “O Brasil tem de sair da posição em que está hoje e ter uma liderança global no aspecto ambiental”, afirmou Arida. Loyola criticou a polarizaçãona pandemia, que não contribuiu para a informação e para a retomada das atividades. “O dilema entre distanciamento e retomada da economia não existe. Todo mundo sabe que a economia só vai se recuperar se a doença for vencida”.

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A ex-ministra Zélia Cardoso de Mello, que mora em Nova York, reforçou que a imagem do Brasil tem piorado pela falta de políticas de preservação ambiental. “A resposta que o governo está dando tanto na questão ambiental quanto em outras, deixa a desejar”, afirmou.

Em oposição às críticas, o secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, afirmou que “a agenda ambiental é prioritária” e que o “cuidado com o meio ambiente e sua preservação para as gerações futuras é um ativo do qual nosso país se orgulha”. “O Brasil está entre os países que mais preservam. O país tem sido um porto seguro e um destino importante para o fluxo de investimentos diretos estrangeiros”, afirmou, em nota.

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Derrubada não causou exoneração

Sarah Teófilo

15/07/2020

 

 

O ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação, Marcos Pontes, afirmou ontem que a exoneração de Lubia Vinhas, coordenadora-geral de Observação da Terra — departamento reponsável pelos sistemas que acompanham o desmatamento na Amazônia e no Cerrado —, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), não tem relação com o aumento dos alertas de desmatamento na Amazônia Legal. A saída foi publicada na última segunda-feira, três dias depois da divulgação dos dados referentes a junho.

A pasta justificou que a servidora apenas mudou de coordenação, passando para um de base de informações georreferenciadas na nova estrutura organizacional, que é inserida em um departamento chamado Gestão de Projetos e Inovação Tecnológica. “A transferência de Lubia para esse novo setor acabou acontecendo em um momento que chamou a atenção de todo mundo. Ela foi transferida por causa da reestruturação, mas o pessoal ficou olhando para o momento, pelo aumento dos alertas de desmatamento. Basicamente, foi um mal entendido”, disse Pontes, em coletiva na qual participou o diretor interino do Inpe, Darcton Policarpo Damião, militar da Força Aérea Brasileira (FAB). Em vários momentos, o ministro frisou que o coordenador direto dos sistemas de monitoramento será Cláudio Almeida, atualmente coordenador do Programa Amazônia, subordinado à Coordenação-Geral de Observação da Terra — que era dirigida por Lubia.

A reestruturação, conforme explicado por Darcton, agrupará áreas até então descentralizadas. Ele afirmou que a estrutura atual possui muitos diretores e uma base escassa, com coordenações com uma pessoa só. A ideia é mudar isso, mas sem suprimir nenhuma das estruturas do Inpe. No ano passado, o ex-diretor do Inpe Ricardo Galvão foi exonerado também após a divulgação de dados que mostraram um aumento expressivo do desmatamento, criticado por Jair Bolsonaro. Questionado, Pontes afirmou que o pesquisador não foi demitido devido aos resultados, mas porque rebateu as críticas do presidente.