Correio braziliense, n. 20871 , 15/07/2020. Negócios, p.12

 

País perde R$ 214 bi com evasão

Ana Paula Lisboa

15/07/2020

 

 

EDUCAÇÃO » O prejuízo anual, equivalente a 3% do Produto Interno Bruto (PIB), é de jovens que não concluem os estudos e, em consequência, viverão menos, terão menor renda e estarão mais expostos à violência. Tema foi discutido em seminário

Além de todas as evidentes consequências negativas do abandono da escola na vida de uma pessoa, estudo inédito revelou que a evasão sai muito caro para a sociedade. O Brasil perde R$ 214 bilhões todos os anos por jovens que não concluem os estudos, o equivalente a 3% do Produto Interno Bruto (PIB) e a 70% do investimento do governo federal, dos estados, dos municípios e do DF na educação básica por ano.

Cerca de 575 mil jovens de 16 anos deixam de completar os estudos a cada ano, e o custo de cada aluno que evade é de R$ 372 mil, superando o PIB per capita de uma década — o valor por pessoa é de R$ 32 mil. Além disso, o preço da evasão excede em quatro vezes o valor necessário para que uma pessoa complete toda a educação básica (cerca de R$ 90 mil), do ensino infantil ao médio. A perda poderia ser ainda maior se a qualidade da educação fosse mais elevada: nos Estados Unidos, o custo da evasão escolar por aluno é de US$ 593 mil.

Os números são da pesquisa “Consequências da violação do direito à educação”, fruto de parceria do Insper e da Fundação Roberto Marinho, apresentada na tarde de ontem em seminário on-line com mediação da jornalista Miriam Leitão. Participaram do encontro Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados; Wilson Risolia, secretário-geral da Fundação Roberto Marinho; Ricardo Paes de Barros, doutor em economia e professor do Insper; e Marcos Lisboa, presidente do Insper.

Os números da evasão são fortemente marcados pela desigualdade. “Numa família relativamente rica, com pais educados, a probabilidade de o filho não concluir o ensino médio é praticamente zero. Numa família muito pobre, no interior do Norte ou do Nordeste, onde a criança vive só com a mãe analfabeta, sem o pai, esse número chega facilmente a 80% ou a 90%”, compara Paes de Barros.

Risco aumentado

Se o prejuízo da evasão parece grande agora, é preciso agir e rápido para que não aumente, já que há grandes chances de a taxa de abandono escolar crescer com a pandemia, após estudantes passarem vários meses longe da sala de aula e retornarem com variados deficits educacionais. No ritmo normal, sem considerar o agravante da crise da covid-19, 17,5% dos adolescentes de 16 anos não completarão os estudos. São pessoas que viverão menos, estarão mais expostas à violência e terão menor emprego e renda.

Rodrigo Maia (DEM-RJ) alerta para o risco de agravamento de desigualdades durante a pandemia. “A diferença de qualidade entre ensino privado e público é um grande desafio e atrapalha muito”, afirma. Maia vê dois focos claros que exigem grande trabalho e atenção no país: os jovens e a educação infantil. “Precisamos de diálogo com técnicos para saber como enfrentar esse desafio e garantir as condições para que os jovens terminem a educação básica e, mais do que isso, possam ir para um emprego de melhor qualidade.”

Hora de agir

Wilson Risolia, ex-secretário de Educação do Rio de Janeiro, observa que o estudo traz a resposta para a pergunta: quanto custa não priorizar a educação? As consequências de um ensino de baixa qualidade são conhecidas e aparecem todos os dias em estatísticas de gravidez infantil, subemprego e jovens em privação de liberdade, aponta Risolia. “Mas saber que isso existe não basta. Chegou a hora de nós nos indignarmos e não permitirmos mais isso”, defende.

“Já que as pessoas não se movem pelas mazelas, talvez se movam pelo impacto fiscal e financeiro”, sugere. “Se você tem investimento ao longo da educação básica da ordem de R$ 100 mil e gasta quatro vezes mais fazendo errado… Não é razoável que a gente veja tudo isso de maneira passiva”, afirma.

Não é necessariamente a falta de investimento o problema, já que a quantidade de recursos para a área aumentou consideravelmente nas últimas décadas. “A gente sabe que as notas dos alunos não aumentaram no ensino médio nos últimos 20 anos, apesar do aumento de recursos”, afirma Marcos Lisboa. “Boa parte dos jovens que desistiram da escola, muitas vezes, é porque a escola os frustra. A gestão da educação importa”, diz.

“Educação não melhora com mais recursos, melhora com recursos bem gastos”, defende Ricardo Paes de Barros. “Esperava-se que a educação reduziria a desigualdade de uma geração para outra. E o surpreendente da educação brasileira é que ela não só reproduz a desigualdade de uma geração para outra, como também a amplifica”, destaca.

Sugestões

Para Paes de Barros, tratar cada aluno como indivíduo em vez de ver o corpo estudantil como uma massa é uma das saídas. “É muito importante o atendimento individualizado dentro da própria escola, porque crianças vêm com deficit de aprendizado diferente, aprendem de maneira diferente em momentos diferentes. Se não tivermos um atendimento individualizado, nós geramos desigualdade dentro da escola”, esclarece. Em segundo lugar, é preciso equalizar o investimento no setor.

“Cerca de 80% da desigualdade de aprendizagem de redes do Brasil vem da desigualdade na qualidade do gasto com educação. Tão importante quanto o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) é tentar equalizar o gasto é gerar incentivos para que a desigualdade da qualidade de gastos seja reduzida”, argumenta.