Título: Festival de fantasmas
Autor: Caitano, Adriana; Valadares, João
Fonte: Correio Braziliense, 15/01/2013, Política, p. 2

Casos de servidores que recebem salários sem trabalho estão espelhados pelo país e não ficam restritos apenas à esfera federal. O Correio teve acesso a cinco situações em que municípios brasileiros mantinham contratos com indícios de fraudes. No mais escandaloso deles, em Macapá, há a suspeita de que 7.589 pessoas eram fantasmas da prefeitura — é como se uma cidade inteira pouco maior que Alto Paraíso (GO) ficasse em casa recebendo uma remuneração mensal sem nenhum esforço. Além do Norte, há relatos de que a verba pública esteja escoando de escolas, prefeituras e hospitais em cidades do Nordeste, do Sul e do Sudeste.

O caso do Amapá começou a ser investigado pelo Ministério Público Federal após uma denúncia anônima em 2009, primeiro ano de mandato do ex-prefeito Roberto Góes. Após detectar indícios envolvendo verba federal que mereciam apuração, o MPF-AP encaminhou o caso à Promotoria de Patrimônio Público do Ministério Público estadual. A investigação, ainda em curso, engrossa a lista de suspeitas que caem sobre Góes.

No ano passado, o MP do Amapá pediu à Justiça estadual o afastamento do então prefeito após tê-lo denunciado pelo crime de peculato por desvio de verba destinada a empréstimo consignado dos servidores do município, que chegaria a R$ 8 milhões. O ex-prefeito, que não conseguiu a reeleição, coleciona processos na Justiça decorrentes e já chegou a ser preso duas vezes — por tentar encobrir provas da Polícia Federal e por porte ilegal de armas. À reportagem, a defesa de Góes disse não ter conhecimento sobre a existência de funcionários fantasmas e não quis comentar as outras acusações.

Outras denúncias atingem as demais regiões do país. No município de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, o médico e servidor público federal aposentado Carlos Roberto Felin responde a processo por ter recebido salário durante três anos e quatro meses sem nunca ter comparecido ao Hospital Universitário da cidade. A Justiça Federal recebeu a denúncia do Ministério Público Federal no estado (MPF-RS) em 12 de dezembro do ano passado.

Os médicos Everaldo Hertz, Sérgio de Vasconcellos Baldisserotto e Sérgio Nunes Pereira, que ocupavam cargos de chefia na época, também podem ser enquadrados por terem acobertado o servidor. A Justiça Federal ainda vai ouvir todos os profissionais, que já foram intimados. O MPF quer que o médico devolva R$ 623 mil aos cofres públicos. O dinheiro é referente aos salários recebidos entre janeiro de 2007 e abril de 2009.

Segundo o MPF, as investigações apontaram que Felin dava três plantões por semana. O órgão informa que, em janeiro de 2007, ao ter negado um pedido de afastamento para fazer um curso de pós-graduação em Canoas (RS), devido à carência de médicos na unidade de saúde, ele não compareceu mais ao serviço. A partir de 28 de abril de 2010, se aposentou e passou a receber salário integral. Por isso, a ação de improbidade administrativa também pede a devolução dos vencimentos recebidos a partir de maio de 2010.

O procurador da República Rafael Brum Miron, responsável pelo caso, classifica o episódio de “um verdadeiro assalto aos cofres públicos”. Ele pediu à Justiça que determine a perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa e proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios e incentivos fiscais. Na esfera criminal, os médicos Felin, Everaldo Hertz e Sérgio de Vasconcellos foram denunciados por estelionato e falsidade ideológica. Em relação a Sergio Nunes Pereira, o MPF requer prestação de serviços gratuitos à entidade assistencial.

Liminar Em Rondônia, os Ministérios Públicos Federal e Estadual identificaram o caso de um servidor da Assembleia Legislativa que recebia salário normalmente, mas não trabalhava desde 2007. A Casa chegou a abrir um procedimento administrativo, que, no entanto, foi arquivado sem nenhuma solução. No fim do ano passado, após solicitação dos dois órgãos, a Justiça Federal concedeu uma liminar proibindo a Assembleia Legislativa de efetuar o pagamento ao servidor. A ação de improbidade administrativa a que ele responde ainda não foi julgada. O procurador da República Reginaldo Trindade e o promotor de Justiça Alzir Marques pedem que ele seja condenado ao ressarcimento integral do dano, à perda da função pública, à suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos e ao pagamento de multa.

Na Paraíba, uma investigação estadual tornou-se federal quando se descobriu que funcionários de uma escola de ensino fundamental de João Pessoa eram pagos com recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) sem prestarem o serviço para o qual foram contratados. O caso ainda está sob análise do Ministério Público Federal do estado. A prefeitura de Itapecerica da Serra (SP) também é investigada pela contratação de funcionários fantasmas. O inquérito civil aberto no MP paulista está em fase de depoimentos e corre sob sigilo.

O que diz a lei A Lei nº 8112/90, que trata do funcionalismo público no país, aponta o que deve ocorrer em âmbito administrativo com servidores que, entre outras irregularidades, acumulem cargos públicos remunerados ou recebam salário sem prestar o serviço, o caso dos fantasmas. A norma indica a abertura de procedimento disciplinar no órgão para apurar o caso que, se comprovado e após a defesa do acusado, poderá acarretar punições que vão de advertência até a demissão.

O funcionário fantasma ou que acumule cargos irregularmente também pode ser punido em âmbito civil por improbidade administrativa. As penas previstas são perda da função pública; suspensão dos direitos políticos por até 10 anos; proibição de receber benefícios fiscais e de crédito; e ainda ser obrigado a devolver aos cofres públicos o valor do dano causado, como o salário recebido indevidamente.

Memória Acúmulo de cargo Na quinta-feira da semana passada, o Correio denunciou o caso de um ex-funcionário da Câmara dos Deputados que recebeu salário por 20 anos sem efetivamente trabalhar e ainda acumular o cargo com outro em uma cidade distante 400km da capital. A Justiça Federal está avaliando a irregularidade. O Ministério Público Federal no Distrito Federal (MPF-DF) pede que Elias José Ferreira devolva todos os salários recebidos irregularmente e que os bens dele tornem-se indisponíveis.

O ex-funcionário trabalhou na Câmara de setembro de 1980 a março de 2010, passando por cargos como auxiliar de gabinete e técnico legislativo. Em julho de 1988, ele também assumiu o posto de defensor público em Coromandel (MG). A investigação começou a partir de um procedimento disciplinar aberto pela própria Câmara contra Ferreira, concluído no ano passado. Nos depoimentos, ele acabou admitindo que, quando esteve lotado no gabinete do deputado Antônio Andrade (PMDB-MG), sua função era conseguir votos para o parlamentar na cidade do interior de Minas. O parlamentar alegou que Elias estava cedido a seu gabinete e sempre compareceu normalmente ao trabalho em Brasília.

Na edição de sábado, o Correio revelou que o MPF-DF instaurou inquérito civil público para investigar denúncia de que a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) empregou funcionários fantasmas em seu gabinete na época em que exercia o mandato de deputada federal, entre 2007 e 2010. A apuração está na fase de coleta de provas para embasar uma futura ação civil pública contra a parlamentar e os servidores. A congressista pode ser enquadrada por improbidade administrativa. Ao término do inquérito, o órgão deve pedir à Justiça Federal que determine a devolução imediata dos salários pagos aos fantasmas de maneira irregular. A senadora não se pronunciou.

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