O Estado de São Paulo, n.46250, 03/06/2020. Metrópole, p.A15

 

Brasil bate recorde e atinge 31 mil mortes

Gonçalo Junior

Ludimila Honorato

Sandra Manfrini

03/06/2020

 

 

Marca foi alcançada 79 dias após 1º óbito; total de infectados chegou a 555,4 mil

O Brasil ultrapassou a marca das 30 mil mortes pelo novo coronavírus ontem, com o registro de 1.262 óbitos em um dia, informou o Ministério da Saúde. O País levou 79 dias para atingir esse patamar após a primeira vítima morrer em 16 de março. Só quatro países superaram a marca das 30 mil mortes: Estados Unidos, Reino Unido, Itália e agora o Brasil. Em meio à alta de óbitos, Estados como São Paulo, Rio, Ceará e Amazonas já anunciam a flexibilização da quarentena, o que é visto com ressalvas por especialistas.

Com os registros de ontem, o Brasil já tem 31.199 mortes e cerca de 555,4 mil casos. “O número de 30 mil é significativo e mostra o desastre que estamos passando no País. Indica a falência que foi o processo de contenção da covid-19 no País. O pior é que temos números ascendentes. Existe uma grande quantidade de casos não testados”, opina o epidemiologista Paulo Lotufo, professor da Faculdade de Medicina da USP.

Desde o início da crise, o País perdeu dois ministros da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, demitido pelo presidente Jair Bolsonaro, e Nelson Teich, que pediu para sair após menos de um mês no cargo. Ambos saíram em meio a divergências com Bolsonaro sobre medidas de distanciamento social e uso da cloroquina como tratamento – defendido por Bolsonaro. O presidente tem sido crítico à quarentena e afirma temer um colapso econômico. Há 18 dias, a pasta é chefiada interinamente pelo general Eduardo Pazuello. Indagado ontem sobre a falta de um titular no ministério e dos secretários que deixaram o governo, o secretário executivo substituto, Élcio Franco, disse que “a máquina não para” e estão sendo feitas “entrevistas com candidatos” para as vagas. O governo disse ainda ter habilitado 7.441 leitos de UTI e distribuído 2.651 ventiladores a Estados.

Ontem, na saída do Palácio da Alvorada, Bolsonaro disse que “lamenta por todos os mortos, mas é o destino de todo mundo”. A afirmação foi feita após uma apoiadora pedir uma palavra de conforto para os “enlutados, que são inúmeros”.

Do primeiro óbito até o marco das mil mortes, em 10 de abril, foram 25 dias. Quase um mês depois, em 9 de maio, o País passou das 10 mil vítimas, 54 dias após a primeira. Dali para as 20 mil mortes, foram apenas 12 dias e, depois, mais 11 dias até a marca dos 30 mil mortos.

Embora a velocidade de contágio esteja acelerada, os outros países demoraram menos tempo para alcançar a marca de 30 mil óbitos. Nos Estados Unidos, foi atingida no 47.º dia após a primeira morte; no Reino Unido, no 59.º dia.

O epidemiologista Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas, coordena um estudo sobre o número de infectados. A pesquisa, a primeira em âmbito nacional, estima que o número de casos seja sete vezes maior no Brasil. “Se repetir o padrão dos países que têm estágios mais avançados, estamos muito perto do pico no Brasil.”

Alguns Estados têm adotado planos de reabertura que, embora graduais, podem alterar o fluxo da epidemia e prolongar a chegada do pico. É o caso de São Paulo, cujo governo anunciou uma retomada em cinco fases a partir deste mês – ontem, o Estado também bateu recorde, com 327 óbitos em um só dia. “Praticamente todos os países que já passaram por essa fase, no momento do pico ou ao redor do pico, estavam fechados. O Brasil está aplicando um modelo diferente”, diz Hallal.

Ontem, a Organização PanAmericana de Saúde (Opas), braço da Organização Mundial da Saúde, sugeriu a governadores brasileiros que mantenham medidas de isolamento social. “A mortalidade vem crescendo. De 11 a 25 de maio, o total de municípios infectados aumentou 68%. É importante que as medidas sejam implementadas em conjunto”, disse Marcos Espinal, diretor do Departamento de Doenças Transmissíveis da entidade, que recomendou cuidado maior em Estados como Amapá, Ceará e Maranhão, com altas taxas UTIs ocupadas.

Testes. Além disso, a Opas criticou o baixo índice de testagem no País, de 4,3 mil por milhão de habitantes. Os exames são considerados essenciais para mapear o espalhamento do vírus e planejar a reabertura com segurança. O continente americano, segundo a OMS, é o epicentro da pandemia no mundo e ainda não chegou ao pico.

Rafaela Rosa-Ribeiro, doutora em biologia celular que trabalha com um grupo de virologistas no Ospedale San Raffaele, em Milão, destaca o elevado número de casos e a baixa testagem no Brasil. “Pode ser que a situação seja ainda mais crítica nas próximas semanas”, diz.

Ela compara ainda Brasil e Itália. Após ser o epicentro da doença na Europa, a Itália chegou aos 33 mil mortos e agora inicia a retomada das atividades econômicas. “Na Itália não tivemos a fase de negação da doença. Assim que estava se espalhando, os cidadãos e os líderes já assumiram suas responsabilidades para tentar frear o espalhamento e se organizar em termos de atendimentos médicos e ajuda social. Quando chegamos a esse número, já tínhamos medidas importantes e havia expectativa de quando os casos começariam a baixar. Havia esperança.”

Professor da Faculdade de Saúde Pública da USP, Eliseu Waldman afirma que a interiorização do vírus preocupa. “Acho que os prefeitos, pressionados pelas forças econômicas de elite da cidade, acabam cedendo (na reabertura) e há aumento (de casos)”, diz. Conforme o Estadão mostrou ontem, um em cada três registros no País está fora de capitais e regiões metropolitanas. O fato de o País não ter conseguido construir consenso sobre as medidas de distanciamento social e delegado a governadores e prefeitos a decisão de abrir regiões também teve impacto. “A gente está pagando um preço por isso”, diz.