O globo, n. 31631, 14/03/2020. País, p. 20

 

Esvaziado

Amanda Almeida

Thais Arbex

Isabella Macedo

14/03/2020

 

 

Congresso decide manter atividades, mas evita pautas polêmicas na crise

Em meio ao aumento de casos de coronavírus, o Congresso entrou em compasso de espera. Os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), divulgaram ontem as pautas de votações das duas Casas na próxima semana. A sinalização de que o Congresso não fechará foi um acerto político entre a cúpula do Legislativo, líderes partidários e presidentes de comissões para diminuir o alarde sobre o impacto do coronavírus, posicionar que o Parlamento não será um empecilho a votações urgentes e ganhar tempo para costurar uma

solução, caso as dependências das Casas realmente precisem ser esvaziadas. Mas, com o avanço da doença no país, os dois chefes do Legislativo já preveem sessões esvaziadas, sem quorum para votações que exigem a aprovação de um número maior de parlamentares, como as propostas de emenda à Constituição (PECs). Projetos polêmicos também não devem avançar pela maior dificuldade em construir consensos. Alcolumbre e Maia vão reavaliar o cenário até segunda-feira, quando mais testes de coronavírus feitos por parlamentares já terão sido divulgados. Alguns congressistas já comunicaram aos dois presidentes que vão trabalhar de casa e autorizarão seus funcionários a fazer

o mesmo. Pontuam que os ambientes do Congresso são considerados inapropriados neste momento por conta de carpetes, ar condicionado, túneis e outros espaços de contaminação. Nas duas Casas, parlamentares com mais de 65 anos têm sido estimulados a não passar pelos plenários. Embora constem como os primeiros itens da pauta do Congresso na terça-feira, os vetos ao pacote anticrime, apresentado pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, por

exemplo, não devem ser votados. É um tema que divide os parlamentares. Os projetos de lei que dão ao Congresso o controle de R$ 19 bilhões do Orçamento de 2020 também estão na agenda dessa sessão e, da mesma forma, não devem ser apreciados. Em geral, reuniões do Congresso, que reúnem deputados e senadores em uma mesma sessão, já têm dificuldade de avançar por falta de quorum.

A ideia inicial de Alcolumbre e Maia é analisar pautas mais simples, que, em alguns casos, demandam apenas votação simbólica, na tentativa de mostrar que as Casas não pararam. O entendimento é o de que, no momento em que o Congresso está sob pressão, os parlamentares não podem dar brecha para impulsionar críticas à atuação

do Legislativo. Segundo relatos feitos ao GLOBO, quando parlamentares o procuram para demonstrar preocupação com o vírus, Maia tem defendido que o acesso às dependências do Congresso seja ainda mais restringido do que preveem as portarias já publicadas, pontuando que seria temerário parar as atividades. Reservadamente, porém, Alcolumbre e Maia admitem a possibilidade de ter de esvaziar as dependências caso a situação da doença se agrave em Brasília e surja um número expressivo de casos de parlamentares e funcionários contaminados. Esse cenário tem sido considerado uma encruzilhada por eles e parlamentares, que não querem expor o Congresso a mais críticas por um eventual fechamento

em um momento que o governo encaminhou uma medida provisória liberando R$ 5 bilhões para o enfrentamento do coronavírus. Caso a situação se agrave, as possibilidades em estudo são suspender as atividades por apenas uma semana, criar comissões representativas de parlamentares nas duas Casas com poder de deliberar sobre emergências e criar um sistema de votação virtual — que tem sido visto como mais inviável.

No caso de comissões representativas, há sugestão de se adotar modelo usado nos recessos parlamentares, quando sete senadores e 16 deputados são escolhidos para esses colegiados. Eles podem, por exemplo, deliberar sobre sustação de atos normativos do Executivo e projetos de lei de créditos orçamentários adicionais, desde que a Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO) tenha emitido parecer sobre eles. Mas não há consenso se essa opção teria respaldo legal.

LIMPEZA REFORÇADA

Além das restrições à circulação de pessoas, o Senado decidiu adotar novas regras de limpeza em suas dependências na tentativa de evitar a proliferação do coronavírus. Uma medida já alterou, ontem, a dinâmica dos parlamentares em plenário: agora, eles não podem usar seguidamente um microfone para discursar. Há dois microfones na Mesa para discursos, instalados nas pontas dela. Normalmente, os parlamentares podem escolher o mais próximo de onde se sentam. Agora, eles têm de fazer um revezamento: quando um senador discursa em um, o próximo orador necessariamente tem de usar o outro. Nesse meio tempo, um funcionário do Senado passa um produto de limpeza e pano no aparelho usado pelo senador anterior.

Ao anunciar as regras, o senador Izalci Lucas (PSDBDF), que presidia a Casa na manhã de ontem, acabou criando um debate sobre a possibilidade ou não de o Congresso fechar nas próximas semanas pelo coronavírus.

— Há de sua parte (Izalci) concordância ou não com a possibilidade de o Congresso ficar fechado por duas semanas em função desta crise realmente alarmante? — perguntou Jorge Kajuru (Cidadania-GO).

Izalci disse ser contra:

—Acho que temos que buscar um mecanismo de evitar tudo isso (proliferar o vírus), mas não podemos paralisar todas as atividades do Brasil.