O globo, n. 31631, 14/03/2020. Economia, p. 38

 

Difícil proteção da economia

Míriam Leitão

14/03/2020

 

 

A arrecadação vai cair porque a atividade econômica está se enfraquecendo, a privatização da Eletrobras pode não acontecer — ou por não ser aprovada pelo Congresso, ou pela volatilidade dos preços das ações —os royalties de petróleo serão menores do que o previsto. O crescimento será mais baixo ainda do que a nova previsão feita pela equipe econômica. O déficit vai aumentar. É improvável que o governo consiga cortar despesas na mesma dimensão da perda de receitas. Por isso o déficit vai subir. A dúvida é sobre a dimensão do pacote de estímulo econômico para mitigar os efeitos do coronavírus. O Ministério da Economia ainda não concluiu as projeções da redução da receita com a queda da expectativa de crescimento que fez esta semana. Reduziu de 2,3% para 2,1%. Terá que diminuir mais. A cada revisão precisará cortar a receita prevista e fazer o contingenciamento da despesa. Uma coisa se sabe nesta altura da pandemia: não poderá cortar em saúde, a maior despesa do orçamento. Pelo contrário, terá que elevar. As convicções fiscalistas da atual equipe econômica serão testadas.

Esta semana marca o momento importante em que a equipe econômica sai da negação. Até agora, a resposta do ministro Paulo Guedes era que enfrentaria a crise com as reformas que estão no Congresso e as que não consegue tirar da mesa do presidente. A administrativa foi esvaziada, e a tributária é muito tímida. Se as propostas fossem boas e amplas, elas produziriam avanços estruturais, mas o governo precisa ter medidas emergenciais para o atual momento de incerteza e eventuais inesperados. Portanto, aprovar reformas pode ser bom, mas não resolve problemas agudos. Esses dias em que a bolsa teve quedas abissais e recuperações dramáticas levaram a crise da saúde para dentro da economia. Mesmo um governante irresponsável como o presidente Donald Trump, que negava a gravidade do problema até outro dia, estava ontem decretando emergência nacional. No Brasil, em que o presidente Jair Bolsonaro compartilha tanto com Trump, houve também a compreensão de que era preciso partir para algum tipo de programa de emergência para atenuar os efeitos econômicos da pandemia. As primeiras medidas anunciadas foram poucas, mas boas.

Suspender aprova devida, evitando que o aposentado ou a pensionista tenha queira um local cheio de gente é sensato. É impressionante que isso não tivesse sido pensado antes. A segunda decisão, de antecipar o pagamento de metade do 13º, não eleva gastos e coloca já R$ 23 bilhões na economia. Há outras ideias sendo ventiladas, nem todas elas boas: estimular o endividamento através do consignado, inventar novos truques com o FGTS, a Caixa oferecer mais dinheiro para empréstimos. Amais importante medida foi a mudança de atitude, da negação de que algo além das “reformas” precisasse ser feito à criação de um grupo que ficará dedicado no Ministério da Economia apensar no assunto. Alguns setores podem sucumbir, o mais vulnerável talvez seja aáre ad acultura. Deu ml ado, os produtores culturais e artistas já enfrentavam um governo hostil e estatais que fazem escolhas ideológicas no patrocínio. De outro, passarão a viver a fuga do público e, em alguns casos, a proibição, como São Paulo e Rio de Janeiro, da abertura de cinemas e teatros por 15 dias. Em momentos de emergência, em que a conjuntura muda completamente, a equipe econômica tem que mudar a abordagem, preservando o essencial da política econômica. Isso é que não se soube fazer na crise de 2008.

No primeiro momento, o Banco Central agiu com precisão cirúrgica, garantindo liquidez. O BNDES ajudou a financiar fusões de empresas que sozinhas não sobreviveriam. O erro veio depois, quando não se soube o momento de parar as desonerações setoriais, que acabaram virando moeda de troca na eleição de 2010. Em 2008, o país estava com superávit primário de 3,85% e dívida de 55% do PIB. Hoje o déficit é de 0,72% e a dívida, 76%. Os erros de depois da crise é que pioraram as contas públicas. Não há espaço fiscal, já que o país tem déficit, mas os avanços recentes com a reforma da Previdência e a queda dos juros reduziram a pressão de duas grandes despesas. Nesse caminho estreito o governo terá que encontrar respostas para evitar que a economia piore muito e ter recursos para proteger a vida dos brasileiros.