Correio braziliense, n. 20872 , 16/07/2020. Política, p.6

 

Pazuello deve ser demitido até agosto

Renato Souza

16/07/2020

 

 

Enxurrada de críticas à permanência do general no Ministério da Saúde e pressão da ala militar do governo farão com que Bolsonaro escolha substituto após sair da quarentena

O Brasil está há dois meses sem ministro da Saúde, enquanto os casos de morte e infecção por covid-19 só aumentam. A situação da pandemia no país tem provocado uma enxurrada de críticas ao governo por manter no comando interino da pasta um militar, o general Eduardo Pazuello, que não é especialista em saúde pública. A pressão pela saída dele tem causado animosidade entre os poderes, e até a ala militar do Executivo quer a exoneração, por temer impactos à imagem das Forças Armadas.

Ontem, o vice-presidente Hamilton Mourão disse que Pazuello deve deixar o Ministério da Saúde no mês que vem. “Pazuello assumiu interinamente. Acredito que em mais um mês, em agosto, Bolsonaro vai retornar da quarentena e analisar outros nomes”, afirmou, em entrevista ao portal UOL.

Enquanto Pazuello não é exonerado, o governo tenta frear as críticas. Ontem, o general ofereceu ao ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), acesso aos dados sobre as ações do governo no combate à doença. Os dois conversaram por telefone, após uma série de críticas feitas pelo integrante da mais alta Corte do país sobre a lotação de cargos por militares na pasta. Tanto integrantes do governo quanto os comandos das Forças Armadas se incomodaram após Gilmar Mendes afirmar que “o Exército está se associando a esse genocídio”, por desempenhar funções na alta cúpula do ministério.

De acordo com o jornal O Estado de S. Paulo, a ligação partiu de Gilmar Mendes, que não conseguiu contato num primeiro momento. Mas Pazuello retornou a ligação em seguida, ao sair de uma reunião. O ministro interino ofereceu os dados para que o magistrado tenha informações “corretas” sobre a atuação do governo contra pandemia. Na ligação, não houve pedido de desculpas de Gilmar Mendes, como o governo aguardava desde a deflagração da crise. O ministro voltou a ressaltar a preocupação com a imagem das Forças Armadas atreladas ao Executivo. O magistrado já tinha afirmado ser preocupante que “28 militares ocupem cargos executivos no Ministério da Saúde” diante do aumento de mortes e novas infecções, em detrimento de técnicos da área.

As críticas de Gilmar Mendes foram rebatidas pelos ministros da Defesa, Fernando Azevedo, e do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno; pelos comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica; e por Mourão. Na terça-feira, Azevedo apresentou uma ação contra o magistrado na Procuradoria-Geral da República (PGR), que foi convertida em uma notícia de fato, ou seja, uma apuração preliminar, que pode ser mantida ou não pelo procurador-geral, Augusto Aras. O presidente Jair Bolsonaro preferiu não se envolver no assunto, mas determinou que seus auxiliares atuassem para evitar um acirramento de ânimos com a Corte.

O presidente do Supremo, Dias Toffoli, também agiu nos bastidores, ligando para integrantes do Executivo e destacando o respeito que o tribunal tem pelas Forças Armadas. As declarações de Gilmar Mendes ganharam repercussão e apoio na internet. Autoridades também se manifestaram endossando as preocupações do magistrado, como o ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União (TCU).

Crise

A animosidade entre Gilmar Mendes e o governo foi deflagrada no sábado, quando o magistrado externou a preocupação com o que está ocorrendo na pasta em plena pandemia: sem ministro titular há dois meses e comandada por militares, em vez de especialistas na área. “Não podemos mais tolerar essa situação que se passa no Ministério da Saúde. Não é aceitável que se tenha esse vazio. Pode até se dizer: a estratégia é tirar o protagonismo do governo federal, é atribuir a responsabilidade a estados e municípios. Se for essa a intenção é preciso se fazer alguma coisa”, ressaltou, em videoconferência realizada pela revista IstoÉ. “Isso é péssimo para a imagem das Forças Armadas. É preciso dizer isso de maneira muito clara: o Exército está se associando a esse genocídio, não é razoável. É preciso pôr fim a isso”. As declarações foram classificadas pelo ministro Fernando Azevedo e pelos comandantes das três Forças como “acusações levianas”.

Exigência

Na prática, a exoneração de Pazuello tem sido forçada por integrantes do Exército. Se o general optar por continuar no Executivo, deverá pedir a transferência para a reserva. Militares que chegaram à pasta com Pazuello trabalham com a previsão de saída, no máximo, até setembro. Antes mesmo da eclosão da nova crise, o general já havia dito que o seu prazo à frente do ministério estava se esgotando.

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Bolsonaro faz afago ao ministro interino

Augusto Fernandes

16/07/2020

 

 

Enquanto a ala militar do governo continua inconformada com o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), pelas críticas que ele fez à presença principalmente do Exército na cúpula do Ministério da Saúde, como o ministro interino da pasta, Eduardo Pazuello, o presidente Jair Bolsonaro defendeu a atuação do general no combate à pandemia do novo coronavírus.

Segundo Bolsonaro, “Pazuello é um predestinado” e “quis o destino” que ele assumisse a interinidade da Saúde. O chefe do Executivo ainda defendeu que o general “nos momentos difíceis, sempre está no lugar certo para melhor servir à sua pátria”. O presidente também elogiou o currículo de Pazuello, mesmo que o ministro interino não tenha formação médica, e afirmou que “todos nós queremos o melhor para o Brasil”. Além disso, frisou que “o nosso Exército se orgulha desse nobre soldado”.

“O gen. Pazuello é formado na Academia Militar das Agulhas Negras, na arma de Intendência, possuindo mais de 40 anos de experiência em logística e administração. Em 2014/2015 na sua primeira grande missão como oficial general foi na criação do Centro de Obtenções do Comando Logístico do Exército”, escreveu Bolsonaro, em uma rede social, ontem. “Em 2016, nos JO (Jogos Olímpicos) Rio 2016, o gen. Pazuello e sua pequena equipe foram convocados para a gestão da Logística Olímpica e Financeira na parte de segurança e defesa. A competição foi um sucesso e elogiada no mundo todo. Entre 2018 e 2020, a situação de Roraima foi agravada com um crescente número de venezuelanos fugindo da ditadura e fome de Maduro. Também lá o gen. Pazuello ficou à frente da Operação Acolhida. A ONU (Organização das Nações Unidas) e o mundo elogiam até hoje as ações do Exército na região.”

Bolsonaro, contudo, não criticou Gilmar Mendes diretamente. Ele não deve fazê-lo para proteger o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ). O ministro do STF é o relator do processo que decidirá se o inquérito sobre as rachadinhas na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro será conduzido pela primeira ou pela segunda instância. O Tribunal de Justiça do Rio decidiu que Flávio tem direito a foro privilegiado, mesmo com os fatos investigados tendo ocorrido antes de ele ser eleito para o Senado.

Provisoriamente no cargo desde maio, quando Nelson Teich pediu demissão do posto de ministro da Saúde, Pazuello deu aval para que ao menos outros 28 militares assumissem cargos na pasta nesse período. Uma das primeiras ações dele à frente do ministério foi publicar um protocolo que permite o uso, em larga escala, da hidroxicloroquina no tratamento contra a covid-19, mesmo sem uma comprovação científica de que o medicamento tem eficácia no combate à doença.