O globo, n. 31632, 15/03/2020. Especial Coronavírus, p. 16

 

Como o jantar de Bolsonaro e Trump virou foco do vírus

Peter Baker

Katie Rogers

15/03/2020

 

 

Festa em resort parece marcar o fim de uma era; teste de presidente americano deu negativo, informa Casa Branca

Do New York Times

Sob luzes baixas e globos brilhantes de discoteca girando no teto, um bolo enfeitado com velinhas tipo estrela de prata foi levado ao salão, onde o aguardava um um animado coro que cantava “Parabéns pra você” e incluía o presidente Donald Trump. A aniversariante era Kimberly Guilfoyle, namorada de Donald Trump Jr., que deu um soco noa reberrou:

—Mais quatro anos! Era um anoite de luxo, festa e despreocupação em Mar-aLago, o resort na Flórida de Trump. Em retrospectiva, aquele sábado há uma semana, que começou com um jantar com o presidente Jair Bolsonaro na mesma propriedade, agora parece marcar o fim de uma era e o início de outra. Desde então, o resort de Trump é lembrado como uma espécie de foco de contágio de coronavírus. Pelo menos três convidados de Mar-a-Lago disseram que estão infectados, e outros estão em quarentena. Até agora, nem o presidente nem sua família relataram se sentir doentes ou anunciaram que vão se isolar.

O médico da Casa Branca disse na noite de sexta-feira que não havia necessidade de Trump ser testado, pois ele não apresentava sintomas do vírus e as chances de transmissão eram baixas. Apesar disso, ontem houve uma mudança de posição e Trump anunciou que fez o teste. À noite, a Casa Branca revelou que o exame deu negativo.

O alegre jantar virou uma espécie de metáfora para os perigos de reuniões na era do coronavírus, demonstrando a rapidez e o silêncio com que o vírus pode se espalhar. Ninguém está necessariamente seguro, nem senadores, diplomatas ou mesmo a pessoa mais poderosa do planeta, aparentemente intocável atrás de uma fortaleza de agentes do Serviço Secreto. Alguns dos convidados preocuparam-se com o fato de que aquela festa pode ter sido a última do gênero por um bom tempo em Mar-a-Lago. “Espero que não”, escreveu o deputado Matt Gaetz, da Flórida, em uma mensagem de texto. “Os seres humanos interagindo uns com os outros são tipicamente mais felizes e mais produtivos, pelas experiências que tive”.

As experiências de Gaetz emitem um alerta. Ele participou de eventos em Mar-a-Lago nas noites de sexta e de sábado do primeiro fim de semana de março, sem perceber que já tinha sido exposto a alguém infectado com o coronavírus em um evento político anterior.

Somente na segunda-feira, quando viajou com Trump no Air Force One para Washington, foi informado do encontro, sendo então separado do presidente e de outros passageiros e posto em quarentena. Desde então, ele fez um teste, que deu negativo, e relata estar se sentindo bem. Pelo menos três outras pessoas em Mar-a-Lago tiveram resultados positivos, incluindo duas que acompanharam Bolsonaro no jantar com Trump: o secretário de Comunicação do governo, Fabio Wajngarten, e o encarregado de negócios brasileiro em Washington, Nestor Forster.

O senador Nelsinho Trad (PSD-MS) e Karina Kufa, advogada de Bolsonaro, também estavam na delegação brasileira e tiveram resultados positivos, mas não foram a Mar-a Lago. Outra pessoa de identidade não é conhecida, que esteve no resort no dia seguinte para um brunch de arrecadação de fundos com o presidente, também testou positivo. Bolsonaro disse na sexta feira que seu teste deu negativo, mas o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, contou mais tarde que o presidente será testado novamente por precaução. O prefeito de Miami, Francis Suarez, que se encontrou com Bolsonaro, informou na sexta-feira que seu teste deu positivo. Embora pessoas que estiveram com Trump tenham dito que o presidente estava preocupado, ele insistiu publicamente que não tinha receios, mesmo depois que uma fotografia apareceu nas redes mostrando-o com Wajngarten.

—Não tenho ideia de quem ele é, mas tiro fotos e dura literalmente segundos — disse Trump a repórteres na sextafeira. —E naquela noite eu estava tirando centenas de fotos. Agora, sentei-meco mo presidente por provavelmente duas horas, mas ele deu negativo. Então isso é bom.

Só depois surgiu a informação sobre Forster. O embaixador sentou-se à mesa com Trump, o que sugere uma exposição mais prolongada. No comunicado da Casa Branca, o comandante Sean P. Conley, médico do presidente, disse que o monitoraria após seus encontros com os brasileiros. “A exposição do presidente ao primeiro indivíduo foi extremamente limitada (fotografia, aperto de mão) e, embora ele tenha passado mais tempo próximo do segundo caso, todas as interações ocorreram antes de qualquer sintoma”, escreveu Conley. “Essas interações seriam categorizadas como baixo risco de transmissão de acordo com as diretrizes do CDC e, como tal, não há indicação de quarentena residencial no momento”.

Apesar do coronavírus, Trump não mudou sua prática de receber convidados no resort. Ele acredita que sua boa vontade para apertar as mãos e se conectar ajudou a impulsioná-loa o cargo, e a regra não escrita do clube é que aqueles que gostam dele ou que querem estabelecer conexões podem entrar em contato. Essa regra foi exibida no fim de semana passado no salão de festas do clube, quando o presidente, ao mesmo tempo, recebeu Bolsonaro para jantar e a família Trump para o aniversário de Guilfoyle, com os dois eventos se sobrepondo. Enquanto Trump escoltava Bolsonaro para dentro do clube, um repórter perguntou se os casos de coronavírus recém-relatados na área de Washington o preocupavam.

— Não — ele disse. — Não estou preocupado. E então os dois entraram. Entre os convidados presentes estavam muitos dos mais influentes nomes do entorno de Trump, incluindo o vice  presidente Mike Pence, o advogado do presidente, Rudy Giuliani, o senador Lindsey Graham, o apresentador do Fox News Tucker Carlson e Bernard B. Kerik, ex-comissário de polícia de Nova York. Além de Donald Jr. e Guilfoyle, havia outros membros da família, incluindo a filha Ivanka e Jared Kushner, Eric Trump e a mulher, Lara, e a outra filha do presidente, Tiffany. A primeira-dama Melania não viajou para a Flórida.

Bolsonaro tirou fotos com o presidente e outros, incluindo Pence e Giuliani.

—Vamos ter um bom jantar —disse Trump ao apresentar o brasileiro a Ivanka e Carlson. Carlson estava preocupado que o presidente não estivesse levando o coronavírus a sério e conversou com ele sobre isso, de acordo com uma pessoa informada sobre a conversa. Dois dias depois, em seu programa da Fox, Carlson alertou os telespectadores:

—As pessoas em quem você confia, nas quais você provavelmente votou, passaram semanas minimizando o que é claramente um problema muito sério. Mas o clima naquela noite de sábado era leve. Guilfoyle, com um vestido de lantejoulas de ouro, que completaria 50 anos dois dias depois, foi homenageada com brinde, em meio à iluminação roxa erosa.

— Você trabalha tão duro para o presidente — disse Ivanka Trump.

—Foi incrível conhecê-la —acrescentou Kushner. Graham disse que ela “representa tudo o que Bernie Sanders odeia” e prometeu obter um corte nos impostos. Os convidados dançaram formando uma linha de conga e aproveitaram anoite. Embora Graham tenha entrado em quarentena por causa da exposição na mesma conferência política de Gaetz, nenhum hóspede relatou estar doente.

Dois participantes disseram que não receberam orientações específicas do clube, mas outros afirmaram que receberam uma notificação geral sobre precauções para evitara exposição. Mar-a-Lago ainda estava abertona sexta-feira, mas Lori Elsbree, anfitriã de um“desfile de moda para cães” e angariação de fundos agendada para sábado, disse que o evento foi adiado. Chase Scott, outro organizador, disse que a decisão foi tomada depois que os dois casos de coronavírus foram confirmados. Ele disse que os organizadores, e não o resort, fizeram o pedido.