O globo, n. 31632, 15/03/2020. Economia, p. 42

 

Entrevista - Henrique Meirelles: "Não se combate o pânico com frases otimistas"

Henrique Meirelles

Henrique Gomes Batista

15/03/2020

 

 

À frente da Secretaria de Fazenda de SP, economista vive a 3ª crise em um cargo público e afirma que é preciso anunciar medidas e transmitir confiança

Henrique Meirelles, de 74 anos, vive sua terceira grande crise em um cargo público, agora como secretário de Fazenda de São Paulo. Na primeira, em 2008, chefiava o Banco Central. Na segunda, em 2016, estava à frente do Ministério da Fazenda. “Não se pode vender falsas esperanças ”, disse, em entrevista ao GLOBO. “A questão do Brasil está muito relacionada a esta questão de confiança”.

O que é esperado de uma autoridade pública em momentos de estresse econômico?

É necessário serenidade, firmeza e realismo. Como já disse uma vez o ex-presidente do Banco Central americano Paul Volcker: “A maior virtude, a maior qualidade necessária a um presidente de um Banco Central é a coragem ”. Eu acrescentaria que isso vale para as autoridades econômicas em geral. Serenidade e realismo. Não se pode vender falsas esperanças. Você tem que anunciar as medidas de uma for maque transmita confiança, que entra na fase de combater o pânico. Você não combate o pânico com frases otimistas, vazias. Você combate o pânico com medidas objetivas e anúncio de medidas.

Por exemplo?

Em 2008, nós tivemos uma crise que era na realidade uma crise do sistema financeiro americano e, depois, secundariamente,do sistema europeu. Os financiamentos externos representavam 20% da oferta de crédito no Brasil. Uma queda de 20% na oferta de crédito é brutal. A Petrobras, que na época ia fazer um lançamento de bônus em Nova York de US $1 bilhão, acabou tomando este empréstimo em reais, na Caixa, e isso secou o financiamento para pequenas e médias empresas, e também grandes. Teve um outro fator. Grandes empresas brasileiras haviam apostado pesado que o dólar iaca ire, com acrise, o dólar subiu. De R$ 1,56 para R$ 2,50, em uma velocidade astronômica. Identifiquei os dois problemas principais: falta de financiamento externo e alta do dólar. Definido isso, anunciamos as medidas.

Quais as principais medidas?

Por exemplo, vendendo dólar. Antes, não estávamos falando na danem vendendo nada. Masa nunciei isso eme perguntaram quanto o BC poderia vender. Eu disse :“oque for necessário ”. Pediram uma estimativa. Eu disse :“nossa previsão, hoje,éa té US $50 bilhões ”. O dólar derreteu, caiu de R$ 2,50 para R$ 2,11 em questão de horas. Na questão das linhas externas, decidimos usar as reservas para fazer leilões de linhas de dólares para os bancos. Eu disse que estava preparado para substituir o sistema financeiro internacional por um ano emeio.

Em 2008, houve muita coordenação internacional...

Alguns países estavam em dificuldade: México, Coreia do Sul, Tailândia. Então, nós, presidentes do BCs, assinamos um acordo com o Banco Central americano. Foi muito importante, primeiro porque ajudava a conter as crises em outros países e, mesmo no Brasil, nem todo mundo acreditava que nós tínhamos reservas suficientes.

A crise de 2008 foi global e de liquidez. Já a recessão do Brasil e a crise de 2017 foram locais. Qual a diferença de enfrentamento?

No fundo, é a mesma coisa, você precisa enfrentar o problema diagnosticando qual é a raiz da crise. A crise de 2015 foi a maior crise da História do Brasil. O nível de confiança do empresário, do consumidor, do investidor e de diversos setores, como indústria, comércio e serviços, saiu de 2010 muito alto e começou a cair até 2016, quando entrei no ministério. Eu entendi muito bem que, quando você inspira confiança, isso não é gratuito, as pessoas têm a expectativa que você vai fazer as coisas certas, senão, essa credibilidade começa a cair.

E qual o diagnóstico da atual crise?

Falando do pré-coronavírus: a questão do Brasil está muito relacionada a esta questão de confiança. O país tem espaço para crescer, era questão de confiança. Você tem que transmitir segurança, não otimismo. Eu não tenho que projetar euforia ou irrealismo.

O senhor sente isso na atual equipe econômica?

Eu não vou entrar em uma discussão direta sobre estas pessoas da equipe econômica, mas, baseado na minha experiência, diria: você tem que ter um diagnóstico preciso, uma ação precisa, mas também um discurso preciso e unificado. A equipe tem que concordar.

Guedes tem falado de câmbio, que é atribuição do BC...

Eu gosto de uma frase do Alan Greenspan. Em um jantar da Basileia, ele fez para todos uma pergunta retórica: “qual é a finalidade dos mercados de câmbio?” Todos falaram que era manter o equilíbrio, promover exportação... chutes para cá, para lá. Então, Greenspan disse o seguinte: “a finalidade da taxa de câmbio é manter a humildade e o realismo dos economistas e banqueiros centrais”. Ponto.

A equipe econômica perdeu a confiança?

Eu não falaria da equipe econômica, mas do governo como um todo. Às vezes, a equipe econômica pode fazer uma coisa na linha certa, uma declaração certa, mas uma outra área do governo contradizer. O conjunto do governo tem que transmitir unidade e confiança. Ecada um falar com autoridade na sua área. Oque cada autoridade fala tem que servis to como uma decisão do governo, uniforme. O excesso de promessas é negativo.

Que medidas o senhor vê necessárias nesta crise? Muitos dizem que seria a hora do fim do teto dos gastos?

Seria um desastre, pois aí você vai dar uma sinalização de que, além do coronavírus, teremos a volta da instabilidade fiscal, da ameaça do governo ficar insolvente no futuro. Aí é que o risco-Brasil vai subir mesmo, e a coisa vai complicar.

A PEC Emergencial, que permite reduzir gastos como redução de salário de servidores, é uma solução?

Em uma situação de crise, é positivo o Estado poder diminuir os salários que forem necessários, diagnosticando e medindo bem o tamanho do problema.

É hora de investir em infraestrutura e em programas sociais?

Investir em infraestrutura é bom, mas não há recursos para isso. Se o governo começara gasta roque não tem, emitir dívida,você terá problema pior. O que você pode e deve fazer: o ambiente internacional é favorável, você tem grande liquidez no exterior. A nossa experiência com São Paulo é positiva. Na estrada Piracicaba-Panorama, licitada agora, são R $14 bilhões, investimento privado do fundo soberano de Cingapura. Há o interesse de investir no país.

Mas o investimento de forma geral não tem vindo para o Brasil...

Você precisa respeitar as regras e criar regras sólidas. Por exemplo, há um interesse enorme pela Sabesp,de investidores que me procuram. É só aprovar alei do saneamento eis sovai embora. Hoje, coma leide hoje, não investe.