Correio braziliense, n. 20873 , 17/07/2020. Política, p.2

 

CPMF em troca de benefícios sociais

Alessandra Azevedo

Luiz Calcagno

17/07/2020

 

 

PODER » Guedes quer apresentar um tributo mais palatável: atrelado a auxílios à população de baixa renda, como a criação de um fundo de Previdência para trabalhadores informais e reestruturação do Bolsa Família. Projeto será enviado separado da reforma tributária

Para tentar emplacar o projeto antigo de criar um tributo sobre transações digitais, o ministro da Economia, Paulo Guedes, estuda propor a nova Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) na esteira de matérias que tratam de temas sociais. Estão em estudo, por exemplo, a criação de um fundo de Previdência para trabalhadores informais e a reestruturação do Bolsa Família, que passará a fazer parte do programa Renda Brasil.

Ao encaminhar os assuntos em paralelo à reforma tributária, o governo tenta tornar o assunto mais palatável e justificar o possível apoio do presidente Jair Bolsonaro à criação do imposto que, até poucos meses atrás, ele dizia rejeitar. O Planalto não se preocupa, no entanto, com a primeira fase da reforma, que busca unificar a tributação sobre bens e consumos.

Guedes pretende apresentar o texto pessoalmente ao Presidente do Senado, Davi (DEM-AP), na próxima terça-feira. Já a criação da nova CPMF exige mais esforço e será encaminhada em outra etapa, ainda sem data, para dar tempo de conseguir apoio no Congresso. De início, para facilitar o trâmite, a equipe econômica pode sugerir que a cobrança seja temporária, por dois anos, com alíquota de 0,2% sobre operações financeiras digitais.

O apelo social é grande nas conversas com parlamentares. Representantes do governo argumentam que a nova fonte de recursos poderia servir para aumentar benefícios sociais. Guedes afirma que, com as medidas tributárias propostas na segunda fase, o governo pode, inclusive, ter condições de criar um esquema de imposto negativo para informais.

A ideia é conceder desconto de 20% sobre o que seria declarado no IRPF, sem precisar de contribuição do trabalhador ou da empresa, dinheiro que seria colocado em um fundo e resgatado pelo trabalhador na aposentadoria. Seria uma proposta de capitalização, com o valor coberto pelo governo. O objetivo inicial da CPMF, entretanto, é compensar a diminuição de impostos pagos por empresários sobre a folha de salários.

Para cobrir os gastos, a reforma tributária também deve trazer corte ou até o fim das deduções com saúde e educação no Imposto de Renda, o que afeta, em especial, a classe média. Com a revisão das isenções e com a desoneração da folha, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), concorda. Em várias ocasiões, o deputado defendeu acabar com deduções que beneficiam quem tem salários maiores.

Controvérsia

A CPMF continua sendo o maior ponto de discordância de Maia com a equipe econômica, que aposta no apoio do Centrão, novo aliado, para conseguir aprová-la. O governo acredita que consegue até 200 votos favoráveis de legendas como PP, PL, Republicanos e PSD. Lideranças do grupo, antes abertamente contrários ao novo imposto, agora são reticentes ou o defendem.

Para abrir espaço para a discussão, antes rechaçada, parlamentares do Centrão alegam que não se trata de uma nova CPMF. O imposto, extinto em 2007, “tem essa pecha, essa maldição do passado”, considera o líder do PL no Senado, Jorginho Mello (SC). Após deixar claro que a situação atual é diferente, o senador disse que “a princípio” é contra criar um imposto, mas ponderou que é preciso “discutir e entender o que o governo vai enviar”.

Apesar de Guedes ter dito que o imposto é “feio, mas não é tão cruel” quanto outros, a oposição aponta que não é bem assim. “É argumento para inglês ver. Na prática, arrocha classe média e trabalhadores e beneficia apenas empresários”, considera a líder do PSol na Câmara, Fernanda Melchionna (RS). Segundo ela, mesmo com acenos sociais, a oposição não vai apoiar nenhuma proposta de criação de impostos que não seja para taxar milionários. “Zero chance”, disse.

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Reforma tributária será entregue na terça

Rosana Hessel

17/07/2020

 

 

 Recorte capturado

Ministro da Economia diz que entregará proposta da reforma pessoalmente ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre

Em palestra para investidores, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tentou minimizar a polêmica gerada nos últimos dias em torno da volta da CPMF. Ele disse que não pretende aumentar a carga tributária com um novo imposto, que está sendo estudado pela equipe econômica como forma de compensar a desoneração da folha de pagamentos, mas que tem recebido críticas de parlamentares. “Temos um compromisso de não aumentar impostos e controlar os gastos”, frisou.

Guedes informou que pretende enviar a reforma tributária do Executivo, na terça-feira, fatiada, em forma de projetos de lei, e não de PEC (proposta de emenda à Constituição), como as duas que já estão no Congresso. “Não vamos aumentar impostos. Vamos aumentar a base para mais gente pagar imposto. Tem muitos isentos. Quem tem poder político tenta escapar da reoneração e tem gente que vai para o contencioso”, destacou. De acordo com ele, existem mais de R$ 3 trilhões de processos judiciais contra a Receita Federal de empresas que preferem questionar na Justiça o pagamento de tributos.

Guedes defendeu a retomada da agenda de reformas, os avanços de marcos regulatórios para estimular o investimento privado e a aprovação do projeto de lei da independência do Banco Central, que estão no Congresso. “Precisamos de um BC autônomo, que não está a serviço de interesses de reeleição, como já ocorreu no passado.”

Para Guedes, as reformas administrativa e tributária são fundamentais para garantir sustentação do teto de gastos, emenda constitucional aprovada em 2016 e que limita o crescimento das despesas primárias à inflação do ano anterior.

Ao ser questionado se o teto de gastos pode ruir em 2021 devido ao grande volume de despesas emergenciais que estão sendo realizadas para combater os efeitos da covid-19, ele ressaltou um problema que a emenda possui, que é o engessamento do orçamento, “pois 96% das despesas são obrigatórias, e cabe ao Congresso decidir o destino de 4%”. “Aprovaram o teto, mas não fizeram as paredes”, lamentou. “E esse teto tem um piso que sobe todo ano e vai nos esmagar.”

Para ele, existem duas possibilidades na mesa para 2021: abrir mão do teto “e ir de novo para o gasto descontrolado”, ou “quebrar o piso”, ou seja, rever gastos obrigatórios e desvincular despesas. “Hoje, no processo de alocação de recurso público, o Congresso só pode decidir sobre 4% do Orçamento, porque 96% estão carimbados. Não tem o que fazer”, afirmou. “É como o Mansueto (Almeida, ex-secretário do Tesouro) dizia: o Brasil é gerido por um software. O piso vai subindo e não tem parede para segurar o teto”, complementou ele, citando as reformas administrativa e tributária como as paredes que vão “controlar as trajetórias futuras de expansão dos gastos”.

“Só abatido”

Na palestra — promovida pela XP Investimentos —, Guedes disse, também, que só sai do governo “abatido ou à bala”. “Eu tenho uma missão a cumprir”, frisou, se referindo ao compromisso que assumiu com o presidente Jair Bolsonaro, na campanha, de construir uma aliança de centrodireita, “que ganhou as eleições depois de 30 anos de governos de centroesquerda”. Em seguida, tentou consertar e disse que essa questão de sair à bala era uma “forma de brincar” e “ser decisivo na afirmação”. “Temos uma agenda de reformas a cumprir. E, enquanto houver essa agenda e o presidente quiser, eu fico. Se ele desistir dessa agenda, eu não tenho o que fazer. Vou ter que ir embora para casa”, afirmou.