Valor econômico, v.21, n.5033, 01/07/2020. Política, p. A6

 

Senado aprova projeto das ‘fake news’, que vai à Câmara

Vandson Lima

01/07/2020

 

 

O Senado aprovou ontem, por 44 votos a 32, o texto principal do projeto que visa combater a disseminação de notícias falsas ou com conteúdo difamatório - chamado projeto das “fake news”. A matéria agora segue para a Câmara dos Deputados.

O relator, senador Ângelo Coronel (PSD-BA), procurou fazer uma série de concessões e retirou da proposta, entre outros pontos, a exigência de um cadastro prévio, no qual o usuário teria de fornecer CPF e número de telefone, para abrir conta em rede social ou aplicativo de mensagem.

Agora a identificação do usuário fica condicionada à suspeita de conta inautêntica ou automatizada não identificada como tal e mediante ordem judicial. Este era um dos pontos mais criticados por especialistas e companhias de mídia digital nas versões anteriores do parecer do senador.

Apesar disso, a matéria dividiu o plenário, o que se refletiu na apertada votação. O líder do governo, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), orientou o voto contra a proposta. Segundo Bezerra, o governo buscou até o último momento um acordo com o relator para mudar o dispositivo que prevê a rastreabilidade de mensagens, exigindo que os serviços de mensageria privada, como o WhatsApp e Telegram, guardem todos os registros dos envios de mensagens veiculadas em encaminhamentos em massa, pelo prazo de três meses.

“Cheguei a trabalhar com o autor da proposta, senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), em um texto alternativo no artigo 10, que trata da rastreabilidade. Mas o relator não aceitou. Aí é uma situação muito difícil. Há muitos dispositivos que criam uma burocracia às plataformas, vai criar uma leitura negativa do ponto de vista do investimento. Não está adequada aos interesses nacionais. A liberdade de expressão está sendo arranhada, tolhida”, criticou Bezerra.

Coronel afirmou que a manutenção deste ponto era uma “questão de honra” e sua retirada faria o projeto perder o sentido. “O projeto não resolverá todos os problemas. A sociedade quer uma resposta, alguma coisa tem de ser feita hoje”, alegou. “Ficar de braços cruzados não é solução para nada. Por isso, o substitutivo é formado, em sua quase totalidade, por pontos de consenso”, completou o relator.

A proposta provocou um debate acalorado entre os senadores, apesar da sessão à distância. Com troca de acusações, opositores do texto disseram que a proposta foi pouco discutida e tem potencial de virar uma “lei da mordaça”. Os favoráveis, entre eles o presidente Davi Alcolumbre (DEM-AP) defenderam que era necessário enfrentar o tema, mesmo sem acordo. “O Senado dará um sinal claro na votação dessa matéria, em defesa da liberdade de expressão, mas que infelizmente alguns criminosos utilizam para destruir a vida de milhões de brasileiros”, disse Alcolumbre.

A análise da proposta, apresentada há pouco mais de um mês, foi impulsionada pelo fato de vários senadores, inclusive o presidente do Senado, terem sofrido com a propagação de notícias falsas contra si recentemente.

Para o líder do MDB, Eduardo Braga (MDB-AM), “não se trata de colocar mordaça em alguém”. “Quem vai votar em contrário quer permanecer dentro de um sistema utilizado para atacar as pessoas e que rende muito dinheiro. Quem quiser criticar alguém que o faça, mas não no anonimato”, disse.

O líder do Podemos, Alvaro Dias (PR), atacou a pressa na votação. “Não tivemos possibilidade de fazer audiências públicas nem discutir para oferecer uma legislação sem riscos à liberdade de expressão, evitando a exclusão digital e o avanço sobre a privacidade de milhões de brasileiros.”

Pela proposta, deverão ser guardadas informações de quem encaminhou, a data e horário do encaminhamento e a quantidade de usuários que receberam a mensagem - os dados armazenados sobre a cadeia de encaminhamento só serão acessíveis por meio de ordem judicial. Aqui adicionou-se que a guarda dos metadados (o caminho das mensagens) só acontece em mensagens que atingiram mil ou mais usuários.