Título: Extremistas avançam e ameaçam franceses
Autor: Walker, Gabriela
Fonte: Correio Braziliense, 15/01/2013, Mundo, p. 16

Em reação à morte de 100 militantes, guerrilheiros islâmicos anunciam que país europeu "enfrentará perigo maior que no Iraque, no Afeganistão e na Somália". Governo Hollande reforça segurança interna e em representações diplomáticas

Rebeldes islamistas no Mali conquistaram mais uma cidade ontem, Diabali, 400 km ao norte da capital Bamaco, apesar da presença francesa no país. Cumprindo as promessas de ajuda internacional, a França enviou à antiga colônia ajuda militar na última sexta-feira. O país africano sofreu um golpe militar em março do ano passado e há meses sofre com os avanços de milícias religiosas e separatistas. Desde então, o governo local realiza bombardeios aéreos diários na parte norte do seu território, que está nas mãos dos rebeldes.

“Eles tomaram Diabali após intensa batalha e resistência do exército malinês, que não conseguiu manter seu domínio”, disse o ministro da Defesa da França, Jean-Yves Le Drian. Ele assumiu dificuldades em avançar o plano francês devido ao forte armamento dos grupos islamistas. “Há uma situação complicada no oeste”, admitiu, mas garantiu que as operações serão mantidas. Anteontem, Laurent Fabius, ministro do Exterior da França, garantiu que a participação no conflito malinês será rápida. “É uma questão de semanas”, afirmou. Segundo ele, as tropas serão retiradas da África assim que os “terroristas” forem controlados.

Em resposta à ação francesa e à morte de ao menos 100 militantes desde a chegada francesa, um porta-voz do Movimento para a Unidade e a Jihad na África Ocidental (Mujao), fez ameaças diretas em entrevista à rádio Europa 1. “A França abriu os portões do inferno para todos os franceses”, disse Oumar Ould Hamaha. Ele afirmou ainda que o país europeu enfrentará perigo maior que o vivido no Iraque, no Afeganistão e na Somália. “A França atacou o islã. Em nome de Alá, vamos atingir o coração da França”, declarou Abu Dardar, um dos líderes do grupo armado, em entrevista à agência France-Presse.

No sábado, o presidente francês, François Hollande, já havia ordenado um reforço das medidas antiterroristas no país e em suas representações diplomáticas. Ele anunciou aumento da “vigilância em prédio públicos e na infraestrututa de transportes”.

Avanço islamista O governo malinês enfrenta ao menos quatro grupos distintos, sendo três declaramente muçulmanos, a Al Qaeda do Magreb islâmico — braço da Al Qaeda original —, a Ansar al-Din — formado por tuaregues religiosos — e o Mujao. Os rebeldes têm sua força de ataque reforçada pelo envio de armas, alimentos e combustível por guerrilheiros islâmicos da Líbia. Os milicianos ganharam força nos últimos meses e avançaram pelo país, junto com o Movimento Nacional pela Libertação do Azawad (MNLA), quarto grupo de militantes, que, diferente dos demais, luta pela criação de um novo Estado, que ocuparia parte do Mali. “O golpe militar criou um tipo de vazio no poder e isso permitiu que houvesse um avanço desses grupos no norte do país”, explica o professor de história da África da Universidade de Brasília (UnB), Anderson Olivar. “Esses grupos têm se influenciado. Acho que, em algum momento, eles chegaram a se aliar em busca de apoio militar, de armamento, de forças e de mobilização para tentar conquistar a região do norte”, completa o professor.

Contrário à adoção da lei islâmica, a sharia, o MNLA já criticou a ação de grupos radicais e defende uma nação laica. Ontem, em uma tentativa de aproximação com o governo do sul e com a ajuda internacional, rebeldes tuaregues do MNLA ofereceram ajuda contra os islamistas. Aproveitando o “conhecimento do terreno e das populações” do norte do país, o grupo disse estar disposto a ajudar o exército francês.

Cerca de 90% da população malinesa é muçulmana, mas o apoio aos grupos extremistas é pequeno. Nas cidades dominadas por eles, o povo vive de acordo com a sharia, o que causou diversas denúncias de violação dos direitos humanos. Um vídeo onde um ladrão tem a mão amputada foi postado na internet no começo no ano, mostrando um dos castigos determinados pela lei islâmica. Também foram denunciados penas de apedrejamento, chicotadas e execuções.

Luta pela independência

Os tuaregues habitam a região do Saara, no norte da África, e são conhecidos por seus costumes comerciantes. Um movimento em prol de um Estado para esse povo ganhou força no norte do Mali e países vizinhos como a Argélia. Com o desenvolvimento da região, eles se viram deslocados politicamente. Surgiu, então, um movimento para a criação do Estado independente do Azawad.

Resgate frustrado

Rebeldes islamistas somalis postaram, ontem, na conta que mantêm no microblog Twitter, a foto de um homem branco morto. Segundo eles, o corpo é do comandante militar que liderou a tentativa frustrada de libertar o refém francês conhecido como Denis Allex. De acordo com o Ministério da Defesa da França, na ação realizada na madrugada de sábado, além do fracasso em encontrar o agente secreto, que está em poder dos somalis desde 2009, dois oficiais foram mortos. Testemunhas ouvidas pela imprensa internacional relataram que ao menos oito civis também morreram durante o ataque das forças francesas a cidade de Bulomarer, onde acreditavam que o refém era mantido. Os insurgentes afirmam que Allex continua vivo e que eles chegaram a um “veredicto unânime” sobre o futuro do agente, mas não forneceram provas de que o francês esteja bem. Tampouco deram detalhes sobre a decisão que teria sido tomada. Allex foi visto pela última vez em vídeo divulgado em 4 de outubro do último ano, onde pedia para o presidente da França, François Hollande, intervir e negociar sua libertação junto aos milicianos somalis.