O globo, n. 31693, 15/05/2020. País, p. 8

 

Bolsonaro quer empresários contra estados 

Gustavo Maia

Gustavo Schmitt

Silvia Amorim

15/05/2020

 

 

Presidente diz que defesa da reabertura imediata da economia é uma ‘guerra’ e, em videoconferência, convoca líderes empresariais a desafiarem regras de isolamento dos governadores, que têm respaldo do STF e de médicos 

 

DIVULGAÇÃO/MARCOS CORRÊAConvocação. O presidente Jair Bolsonaro participa de videoconferência com empresários: pedido para ignorar as medidas de isolamento social na pandemia

No dia em que assinou uma Medida Provisória para isentar de punição autoridades do governo, o presidente Jair Bolsonaro fez uma convocação a empresários do país a desafiarem as regras de isolamento social determinadas por governadores e prefeitos. Numa reunião por videoconferência com alguns dos principais líderes empresariais do país, o presidente conclamou todos que estavam na tela de seu computador a pressionarem os governos locais para retomarem suas atividades em todos os estados. Em tom assertivo, Bolsonaro disse que o momento no país “é de guerra”.

A exortação do presidente contraria não apenas as determinações de governadores e prefeitos, respaldadas por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), como as dos especialistas médicos, que alertam que a reabertura de atividades pode levar ao aumento acentuado do número de mortes e casos de coronavírus no país. Na mesma reunião, Bolsonaro atacou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a quem acusou de “querer ferrar o Brasil” com a articulação de medidas econômicas das quais discorda no Congresso. Horas depois, os dois se encontraram no Palácio do Planalto.

Aderente ao discurso de que políticas econômicas devem ter as mesmas prioridades de ações para o combate ao novo coronavírus, o presidente tem batido de frente com os governadores, em sua maioria contrários ao discurso do governo federal. No mais recente, Bolsonaro autorizou em decreto a reabertura, em meio à pandemia, de salões de beleza, academias e barbearias.

Diante da recusa por parte dos chefes de executivos locais, Bolsonaro reagiu:

— Tem governador falando que não vai cumprir. Eles estão partindo para a desobediência civil. Se alguém não concorda com um decreto meu tem dois caminhos: um projeto de decreto legislativo no Congresso, para tornar sem efeito meu decreto, ou ação na Justiça.

GOVERNADORES REAGEM

Desde o início da crise na área de saúde, Bolsonaro tem direcionado seus ataques principalmente contra o governador de São Paulo, João Doria, que tem evitado afrouxar as medidas de isolamento social e, por isso, é acusado pelo presidente de ter interesses eleitorais. Ontem, diante dos empresários, o presidente reagiu:

— O que parece que está acontecendo é uma questão política, tentando quebrar a economia, para atingir o governo. E essa medida agora (...) sobre São Paulo, ameaça de “lockout” [sic], um apagão total, é inimaginável. Um homem (em São Paulo) está decidindo o futuro da economia do Brasil. Os senhores, com todo o respeito, têm que chamar o governador e jogar pesado, porque a questão é séria, é guerra. É o Brasil que está em jogo —pediu Bolsonaro.

Doria reagiu: “Acorde para a realidade, presidente Bolsonaro. Saia da bolha de ódio e comece a ser um líder. Se for capaz”, escreveu o governador em rede social.

Os governadores do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), e do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), também reagiram nas redes sociais. Dino disse que o presidente tem que assumir sua responsabilidade pela economia. “Se a crise econômica fosse causada pelos governadores, por que ela existe em outros países? Quem está causando a grave crise econômica é o coronavírus. Incrível que Bolsonaro finja ignorar isso. E a responsabilidade da gestão econômica é dele. Se não sabe o que fazer, renuncie”, declarou Dino.

O governador do Espírito Santo também reprovou a fala de Bolsonaro e pregou união como saída para a crise que advém da pandemia.

“O diálogo sincero é o único caminho para, prioritariamente, preservarmos vidas e também empregos. Alimentar o enfrentamento, como tem feito o presidente Bolsonaro, dificulta ainda mais o trabalho durante esta pandemia”, disse Casagrande, no Twitter.

A conversa com os empresários teve com principal interlocutor o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf. Os ministros Paulo Guedes (Economia), Walter Braga Netto (Casa Civil) e Jorge Oliveira (Secretaria-Geral da Presidência), e o secretário de Comunicação, Fabio Wajngarten, estavam ao lado de Bolsonaro. Além da pressão contra os governadores, Bolsonaro tratou de outras questões.

O presidente reclamou, por exemplo, da perda de validade da Medida Provisória 910, que trata da regularização fundiária na Amazônia, o que para ele foi “um absurdo”. E mencionou a possibilidade de o presidente da Câmara “tirar proveito político lá na frente” depois de “ferrar o governo”.

— É a mesma coisa a regularização fundiária. Caducou, eu acho que anteontem, a MP 910. É um absurdo, um absurdo. Parece que quer afundar a economia para ferrar o governo e talvez tirar um proveito político lá na frente —afirmou Bolsonaro.

“Os senhores têm que chamar o governador e jogar pesado, porque a questão é séria, é guerra. É o Brasil que está em jogo”

Jair Bolsonaro

“Acorde para a realidade, presidente. Saia da bolha de ódio e comece a ser um líder. Se for capaz”

João Doria, governador de SP

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Após a reunião, críticas à falta de propostas concretas

Henrique Gomes Batista

Léo Branco

15/05/2020

 

 

Convidados pelo presidente e por Guedes a pressionar estados, empresários dizem que governo não dá caminho para reabertura

Empresários que acompanharam a reunião do presidente Jair Bolsonaro e do ministro Paulo Guedes (Economia), por videoconferência, consideram que o debate foi positivo, porém improdutivo. O GLOBO conversou com seis executivos que participaram do encontro organizado pela Federação das Indústrias do

Estado de São Paulo (Fiesp), que falaram sob anonimato.

A avaliação é que, novamente, o governo acerta na temática, mas falha na apresentação de medidas práticas para sair da crise. Alguns empresários disseram se surpreender com a falta de propostas efetivas em meio à grave crise econômica. Dizem que esperavam soluções mais rápidas para, segundo eles, tentar minimizar os impactos econômicos da pandemia.

Flavio Rocha, do grupo Guararapes (Riachuelo) viu a reunião como positiva e, ao contrário dos colegas, produtiva. Ele afirmou que os empresários defenderam formas para que o dinheiro chegasse na ponta neste momento de crise. Disse ainda que foram comemoradas as flexibilizações trabalhistas — redução de jornada e de salários e suspensão do contrato de trabalho — como forma de evitar uma explosão de fechamento de vagas, como nos EUA.

Ele afirmou também que os empresários não pediram a prorrogação do pagamento do auxílio emergencial de R$ 600, pois, a solução virá apenas coma retoma dada economia.Ele indicou que governo e empresários estão unidos na estratégia de fazer com que os prefeitos — e não os governadores —decidam sobre as medidas de isolamento social:

— Foi muito bem tratada a proposta de se descentralizar a decisão de, gradualmente e com todos os protocolos, ir liberando os municípios que, dentro dos parâmetros-chave, que são a sobrecarga do sistema de saúde e penetração do vírus, ir liberando a economia —disse Rocha.

O presidente voltou a defender a retomada da economia, porém sem apresentar medidas práticas para isso. Coube aos executivos a indicação de sugestões, como aumentar linhas de crédito para atravessar a pandemia e a apresentação de pontos específicos para mudanças trabalhistas e para a reforma tributária.

Paulo Skaf, presidente da Fiesp e organizador do encontro —que contou com quase 500 participantes —, disse que o diálogo foi positivo. Depois, à CNN Brasil, ele defendeu a flexibilização das regras de isolamento social, acreditando que é melhor que os municípios decidam sobre a retomada ou não da economia. Hoje em dia as regras são estaduais.

Empresários que participaram da videoconferência destacaram ainda que o ministro Paulo Guedes continua com um tom otimista, que destoa dos analistas econômicos . O ministro afirmou que o país “surpreendeu o mundo” com a reforma da previdência e que voltará a “surpreender” comas retomadas da economia.