O globo, n. 31693, 15/05/2020. Especial Coronavírus, p. 11

 

Brasil ultrapassa 200 mil casos

Leandro Prazeres

Thais Arbex

15/05/2020

 

 

Em meio a desentendimentos de Bolsonaro e Teich, Covid-19 avança

Fonte: Ministério da Saúde

O Brasil rompeu ontem a marca dos 200 mil casos de Covid-19 em meio à falta de entendimento entre o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Saúde, Nelson Teich. No centro da atual discórdia está a hesitação de Teich em mudar o protocolo da pasta para o uso de medicamentos à base de cloroquina no tratamento do novo coronavírus.

De acordo com balanço do Ministério da Saúde, o país tem 202.918 casos confirmados da doença e 13.993 mortes. Entre quarta-feira e ontem, o Brasil bateu mais um recorde no número de casos em 24 horas: 13.944. O número de mortes também foi alto neste período: 844, o segundo maior desde o início da epidemia. No mundo, as mortes já passam de 300 mil.

RELAÇÃO TENSA

Em meio à escalada da Covid-19, os sinais são de que a convivência entre Bolsonaro e Teich está tensa. A resistência do ministro em relação à cloroquina tem criado desgaste. Prestes a completar um mês no cargo, Teich não concorda com a possibilidade de dar aval à orientação para que o medicamento seja administrado desde os primeiros sintomas. Além disso, tem demonstrado incômodo com a insistência do mandatário.

Bolsonaro tem feito pressão para que Teich mude a norma da pasta, que hoje só autoriza a utilização da cloroquina em pacientes em estado grave. A nota técnica, assinada no fim de março, ainda sob a gestão de Luiz Henrique Mandetta, diz que a cloroquina e a hidroxicloroquina podem complementar “os outros suportes utilizados no tratamento”. O protocolo prevê que elas sejam usadas durante cinco dias apenas em pacientes hospitalizados.

Na terça-feira, o ministro foi ao Twitter para falar sobre os riscos. “Um alerta importante: a cloroquina é um medicamento com efeitos colaterais. Então, qualquer prescrição deve ser feita com base em avaliação médica. O paciente deve entender os riscos e assinar o termo de consentimento antes de iniciar o uso da cloroquina”, escreveu.

No dia anterior, em entrevista coletiva, Teich já havia dito que o Ministério da Saúde não recomenda o uso do medicamento porque ele não tem eficácia científica comprovada, mas também não proíbe seu uso.

A pressão de Bolsonaro e a resistência de Teich impulsionaram, dentro e fora do governo, especulações sobre uma nova mudança no Ministério da Saúde. Aliados do presidente, no entanto, têm atuado para evitar a saída do oncologista e aparar as arestas da relação.

Setores do governo e do Congresso avaliam que uma troca, no momento em que a curva de casos da doença está em franca ascensão, tende a ser ainda mais desastrosa para Bolsonaro. A busca por uma solução que alinhe o presidente e o ministro também passa pela avaliação de integrantes do governo de que as opções de Bolsonaro para o comando da Saúde estão cada vez mais restritas. Além do uso da cloroquina, o presidente defende o afrouxamento das regras de isolamento social.

Teich dedicou grande parte de sua agenda à elaboração de um plano para relaxar as regras de restrição de circulação de acordo com as diferentes realidades no país. O ministro, no entanto, não conseguiu apoio de estados e municípios.

‘PODE E VAI MUDAR’

Ao falar por videoconferência a empresários de São Paulo, ontem, Bolsonaro cobrou do ministro que altere o protocolo.

— Se o Conselho Federal de Medicina decidiu que pode usar cloroquina desde os primeiros sintomas, por que o governo federal vai dizer que é só em caso grave? Eu sou comandante, para chegar para qualquer ministro e falar o que está acontecendo. Eu não estou extirpando ministro, nunca fiz isso, e nem interferindo em qualquer ministério, como nunca fiz —disse, gritando.

O presidente afirmou que a decisão caberá a ele:

— Votaram em mim para eu decidir. Está tudo tudo bem com o ministro, mas essa questão vamos resolver. Pode mudar e vai mudar.

Teich mais uma vez deixou de comparecer à entrevista coletiva realizada pelo Ministério da Saúde sobre a situação da doença no país. A última vez em que ele se apresentou à imprensa foi na segunda, quando ficou sabendo pelos repórteres que o presidente havia colocado academias e salões de beleza entre as atividades essenciais.

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Médicos denunciam falta de testes, máscaras e até sabão

Leandro Prazeres

Paula Ferreira

15/05/2020

 

 

Levantamento feito pelo Conselho Federal de Medicina, entre 30 de março e 6 de maio, registrou mais de 2 mil queixas

Uma pesquisa inédita do Conselho Federal de Medicina(C FM) registrou 2,1 mil denúncias de médicos que atuam na linha frente do combate ao novo coronavírus. Eles relatam da falta de exames para detectar a doença à ausência de equipamentos de proteção, como máscaras e aventais. Alguns profissionais denunciaram até a falta de sabão.

Segundo o órgão, os pesquisadores identificaram que, nos locais onde há mais denúncias, a probabilidade é que o número de casos e mortes também seja maior. O estudo foi feito via internet com médicos de todo o país, entre os dias 30 de março e 6 de maio. No total, 1.563 profissionais registraram denúncias em uma plataforma disponibilizada pelo CFM.

Entre as regiões, o Sudeste lidera, seguido por Nordeste, Sul, Centro-Oeste e Norte. São Paulo, Rio e Minas encabeçam o ranking dos estados.

Entre os pontos mais relatados estão a falta de equipamentos de proteção individual; a falta de insumos, como exames para detecção da doença e medicamentos; a carência de recursos humanos, como médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem; a falta de material para higienização, como sabonete líquido e desinfetante; as falhas no processo de triagem; e a dificuldade de acessoa leitos, tanto de UTI como de enfermaria.

Na avaliação do presidente do CFM, Mauro Ribeiro, a pesquisa aponta para uma correlação entre o número de denúncias e a quantidade de mortes e casos da doença:

— Os resultados permitem inferir uma associação estatística entre a quantidade de denúncias apresentadas pelos médicos e o número de óbitos e de novos casos de Covid-19 notificados em cada um dos estados. Isso significa que quanto maior o número de denúncias, maior a probabilidade de casos existentes e,con se quen temente, mortes.

Na opinião do diretor de fiscalização do órgão, Emmanuel Fortes Cavalcante, os dados apontam para a precarização à qual o sistema de saúde vem sendo submetido ao longo dos anos. Ele chama atenção para a falta de itens básicos para impedir a transmissão do vírus.

— O cenário identificado pela pesquisa é pior do que havíamos projetado. Acompanhamos toda a parte de construção da estratégia de enfrentamento da Covid-19 e ela previa uma série de ações que vão atrasando — ressalta.

— Os hospitais de campanha estão atrasados, já deveriam estar prontos, e isso faz falta. Quando a gente constata que está faltando água, sabão, toalha de papel, isso é sério, porque o abastecimento desses materiais não foi afetado pelo consumo. Isso tudo demonstra uma precarização do sistema.

OC FM entregará o relatório às autoridades, incluindo o Ministério da Saúde e o Ministério Público, solicitando atuação efetiva para mitigar o problema. Na opinião de Cavalcante, a falta de equipamentos pode acabar agravando esse quadro ao expor profissionais de saúde ao risco.

O Brasil tem 31.790 casos confirmados de Covid-19 em profissionais de saúde desde o início da epidemia. Os dados foram divulgados ontem pelo Ministério da Saúde. No total, 199.768 foram identificados como suspeitos e precisaram ser afastados. Além dos confirmados, 114.301 estão em investigação.

“Quanto maior o número de denúncias, maior a probabilidade de casos existentes e mortes”

Mauro Ribeiro, presidente do Conselho Federal de Medicina