Correio braziliense, n. 20874 , 18/07/2020. Política, p.2

 

Guedes quer dobrar Bolsonaro por CPMF

Alessandra Azevedo

Luiz Calcagno

18/07/2020

 

 

PODER » Aumenta apoio no Planalto à criação de um imposto nos moldes da Contribuição Provisória Sobre Movimentação Financeira. Ministro da Economia confia que convencerá o presidente com o argumento de que a arrecadação pode ser usada em benefícios sociais

O governo começa a afinar o discurso em defesa de um novo imposto sobre transações financeiras digitais, nos moldes da antiga Contribuição Provisória Sobre Movimentação Financeira (CPMF). O apoio à medida cresce aos poucos no Planalto, com a insistência do ministro da Economia, Paulo Guedes, que não pretende abrir mão do projeto. Idealizador da proposta, ele acredita que conseguirá convencer o presidente Jair Bolsonaro com o argumento de que a arrecadação extra pode ser usada para criar ou ampliar benefícios sociais.

O apoio explícito do chefe do Executivo, para Guedes, é questão de tempo. O vice-presidente Hamilton Mourão, por exemplo, já defende abertamente a proposta. Ontem, em entrevista à Rádio Gaúcha, afirmou que “temos que tributar isso aí”, em referência às movimentações financeiras feitas pela internet. Mas, no caso de Bolsonaro, a situação é mais complicada. É preciso um bom motivo para justificar a criação do imposto que ele mesmo rejeitava.

Por isso, parlamentares duvidam do apoio do chefe do Executivo à medida. Deputados e senadores apontam a possível incoerência de Bolsonaro, caso embarque na ideia, após ter demitido Marcos Cintra, ex-secretário da Receita Federal, por defender uma nova CPMF. “Não acredito que o presidente vá comprar (a ideia). Acho que é mais uma tentativa, que é legítima, de colocar o tema em debate”, ponderou o líder do DEM na Câmara, Efraim Filho (PB).

A proposta do governo, mesmo com contrapartidas sociais, é “natimorta”, considerou Efraim Filho. “Já nasce derrotada pela memória ruim que a sociedade tem do imposto, tanto o setor produtivo quanto a população”, explicou. Por enquanto, no Congresso, o poder de convencimento da equipe econômica não vai para além do Centrão, grupo aliado do governo. “Não queremos novos impostos e, muito menos, a ressurreição da CPMF”, reforçou o deputado.

Apenas lideranças de partidos como PP, PL e PSD defendem o imposto, e geralmente com alguma ressalva, como a inclusão da desoneração da folha por mais tempo do que pretende o governo. Para tentar ampliar a base de apoio, Guedes chegou a dizer que vai inserir cobranças sobre dividendos na proposta de reforma tributária, o que poderia agradar parte da esquerda. Mas logo explicou que, em troca, acabaria com o Imposto de Renda para pessoas jurídicas.

A perda de arrecadação de um lado seria compensada pela cobrança, de outro. Guedes usa mesma lógica para várias situações, mas, atualmente, aponta a CPMF como fonte de financiamento de praticamente todas as ideias levantadas. O novo imposto, segundo o ministro, pode ajudar na ampliação da desoneração da folha de salários de empresas, na criação de um fundo de Previdência para trabalhadores informais e no aumento e benefícios do Bolsa Família.

Compensações

Mesmo que a CPMF não seja capaz de cobrir todas as mudanças, as compensações devem entrar no debate da reforma. Para o líder do PP no Senado, Esperidião Amin (SC), é importante sugerir contrapartidas para garantir que não haverá aumento de carga tributária. “A discussão sobre diminuir encargos sobre a folha de salários deve ser ampla, com equivalência financeira. Temos de levar em conta todas as opções de contrapartida”, disse. O senador cita como exemplo as propostas de taxar dividendos e de rever isenções no Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF).

O líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO), concorda com a necessidade de se manter o nível de impostos. Como não há proposta de reforma oficial sobre a mesa, a discussão está em aberto, no governo e no Congresso, lembrou o parlamentar. “No jogo de equilíbrio, o brasileiro não sustenta aumento de carga tributária. Toda ideia é válida, desde que seja consequência de manutenção do volume atual de impostos. A mesma regra se aplica à tributação de dividendos”, frisou.

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Mourão defende criação de tributo

Augusto Fernandes

18/07/2020

 

 

O vice-presidente Hamilton Mourão disse, ontem, ser favorável à criação de um novo imposto sobre transações digitais. A proposta, que tem sido tratada como uma nova Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), é defendida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.

Em entrevista à Rádio Gaúcha, Mourão comentou que o novo tributo é “justo”, poderia ser importante para desonerar a folha de pagamento para até um salário mínimo e permitir o financiamento do novo programa de renda mínima em estudo pelo governo federal, o Renda Brasil, que deve substituir o Bolsa Família.

“O que eu vejo na criação desse imposto de transações financeiras é que ele deve ter um fundamento muito claro. O ministro Paulo Guedes coloca como um substituto da desoneração da folha. Ao desonerar a folha haveria uma oportunidade muito maior da criação de empregos formais”, afirmou. “Eu vejo ainda mais além, acho que ele pode ser utilizado no programa de renda mínima, o Renda Brasil, que vem sendo montado aqui pelo governo.”

Segundo o vice-presidente, o objetivo do governo com a volta da CPMF não é “criar um imposto por criar um imposto”. “Hoje, a discussão está centrada em cima da desoneração da folha, então, eu acho justo. Não abrangeria todos os tipos de transações. Hoje, nós temos uma série de transações eletrônicas que são feitas e que não pagam tributo nenhum”, ressaltou. “Nós temos de arrumar um jeito de tributar isso aí. Vamos lembrar que o nosso sistema tributário atual tem uma evasão/sonegação de mais de R$ 400 bilhões. Isso é muito dinheiro.”

Enquanto a proposta ganha força no Executivo, dentro do Congresso Nacional há muita resistência, sobretudo do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Por diversas vezes, o deputado já disse que não gostaria de discutir a volta da CPMF e que é preciso encontrar uma outra solução para simplificar o sistema tributário.

À rádio, Mourão destacou que caberá ao Legislativo tomar a melhor decisão sobre o retorno ou não da CPMF. “A discussão é dentro do Congresso. Eu tenho feito a comparação com a Amazônia, comparando com a bacia do Solimões-Amazonas. O Congresso é o grande Solimões-Amazonas, onde deságuam todos os afluentes, ou seja, todas as correntes de opinião. Então, tem que ser discutido lá dentro. Se o Congresso aceitar, significa que a sociedade brasileira aceita. Se não aceitar, paciência.”

Após a entrevista, Mourão continuou a discussão sobre o tema ao falar com jornalistas, no Palácio do Planalto. “Um imposto dessa natureza, para ser criado, tem que ser para compensar outros que serão abolidos. Se discute bastante a questão da desoneração da folha, que, em tese, gera emprego formal, que é o que a gente precisa, mas tem que compensar arrecadação na outra ponta”, defendeu.