Correio braziliense, n. 20874 , 18/07/2020. Economia, p.7

 

Garantia para o teto de gastos

Rosana Hessel

18/07/2020

 

 

CONJUNTURA » Secretário defende corte de programas que apresentam baixo resultado para acomodar a elevação das despesas sociais no orçamento de 2021. Segundo ele, passada a pandemia do novo coronavírus, é preciso que o ajuste fiscal seja retomado

O novo secretário do Tesouro Nacional, Bruno Funchal, defendeu a realocação de recursos para abrir de espaço fiscal para novas despesas para assistência social no Orçamento de 2021, que está sendo elaborado pela equipe econômica e será enviado em agosto para o Congresso. De acordo com ele, o novo programa Renda Brasil, que deve substituir o Bolsa Família e o auxílio emergencial de R$ 600, vai exigir cortes de programas que não estão dando resultados para que o teto global de gastos seja respeitado.

“Não é uma tarefa fácil, mas o principal direcionamento será o teto de gastos para 2021. É o nosso pilar, apesar de a inflação abaixo da meta comprimir ainda mais as despesas discricionárias", afirmou Funchal, ontem, durante uma palestra em um evento virtual da XP Investimentos.

Em meio à retomada das discussões dentro do governo sobre a volta da CPMF para compensar as despesas com proteção social ou a desoneração da folha de pagamentos, Funchal afirmou que o peso dos impostos sobre os contribuintes já está no limite.

“Não existe espaço para aumento de carga tributária para dar lastro a aumento de despesa”, disse. Ele defendeu que governo e Congresso debatam melhor sobre redução de despesas para alocação de outras que forem criadas, respeitando o teto de gastos.

 “O Brasil é um país que tributa muito e gasta muito mal. É preciso melhorar a qualidade do gasto”, afirmou.

Dívida

O secretário assumiu o cargo na última quarta-feira e reforçou o discurso do antecessor, Mansueto Almeida, ao defender a manutenção do teto de gastos, que limita o crescimento das despesas do governo à variação da inflação do ano anterior. Aprovada em 2016, a emenda constitucional ajudou na mudança da trajetória da dívida pública, reduzindo a expectativa de risco fiscal, o que abriu espaço para diminuição da taxa de juros que, consequentemente, fez com que o custo da dívida também caísse.

Funchal explicou que a falta de espaço fiscal para aumento de despesas é resultado do fato de que as contas públicas estão no vermelho desde 2014, porque o governo gasta mais do que arrecada. Isso piora a trajetória da dívida pública, pois o governo não consegue gerar superavit primário para pagar uma parcela dos juros dos títulos soberanos que emite no mercado.

O rombo nas contas do governo central (que inclui Tesouro, Previdência Social e Banco Central) deverá chegar a 12% PIB neste ano, considerando a projeção de retração de 6,5% da economia, de acordo com Funchal. Até o fim do governo, as contas públicas não voltarão ao azul. Em 2010, a dívida pública bruta chegará a 98,2% do PIB e alcançará 98,6% em 2024.

Essa sensível estabilidade da dívida, contudo, segundo ele, tem a ver com o fato de que o governo tem uma “janela de juro baixo até 2022 ou 2023”, porque grande parte da dívida pública está indexada à Selic (taxa básica de juros), atualmente em 2,25% ao ano, o menor patamar da história.

Na avaliação de Funchal, para que a dívida não exploda nos próximos anos, é preciso que o forte aumento de gastos emergenciais para o combate à covid-19 fique restrito a 2020. “O choque (da crise) é temporário. O governo vinha fazendo a lição de casa, de consolidação fiscal. Neste ano, haverá um deficit muito grande, mas a nossa agenda não mudou. Quando a pandemia passar, o processo de consolidação fiscal volta, com a retomada da agenda de reformas estruturais, de marcos regulatórios e de crescimento para trazer confiança aos investidores”, garantiu.

Ao rejeitar o aumento de impostos, o secretário destacou que o Brasil já gasta, em proteção social, mais do que o dobro da média global em proporção ao PIB, e tem uma carga tributária elevada, de 33,1% do PIB, próxima à média dos países ricos que integram a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de 34,3% do PIB.

“O Brasil é um dos países que mais tributa, ao lado de Barbados, atrás de Cuba, e bem acima da média dos países da América Latina. A gente precisa otimizar esse nosso arranjo e fazer com que as despesas caibam na receita e entreguem um maior grau de efetividade do serviço público”, defendeu.

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"Reforma ambiciosa preocupa"

Vera Batista

18/07/2020

 

 

O Brasil vive um momento de recuperação lenta e aparentemente sólida, mas os índices de inflação e de inadimplência poderão crescer no período pós-pandemia, assinalou o presidente do Banco do Brasil, Rubens Novaes, durante live da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Ele demonstrou, ainda, preocupação com os termos em que vem sendo discutida a “ambiciosa” reforma tributária, no Congresso Nacional. E disse, ainda, que a expansão de despesas, em consequência da crise sanitária, não deve permanecer no ano que vem.

“Tivemos uma queda brusca da economia, e vamos para uma recuperação de forma alongada. Os resultados têm surpreendido positivamente. Diversos economistas estão revendo suas projeções e o próprio governo já prevê queda do Produto Interno Bruto (PIB) menor do que 5% em 2020”, disse Novaes. O presidente do BB lembrou que a agricultura vem tendo ótimo desempenho e que o comércio e a indústria se adaptaram à nova realidade. O problema está no setor de serviços, que só deverá reagir, “quando as pessoas voltarem a circular livremente”.

Para Novaes, o equilíbrio das contas públicas no futuro depende do controle dos gastos. “As medidas (de auxílio a pessoas físicas e a micro, pequenos e médios empresários) têm que terminar em 31 de dezembro. Senão, vamos perder a confiança. Consumidores e investidores estão olhando para as perspectivas das contas”. Para incrementar a atividade econômica, no curto prazo, é preciso “deixar a população trabalhar”. “Não se pode impedir que as pessoas lutem pela sobrevivência. A meu ver, passou o pico da pandemia.”

Tributos

Somada às incertezas quanto à duração da crise sanitária, ele reclamou que uma reforma tributária ampla é mais um ingrediente no contexto de insegurança. “Aí, se coloca uma reforma tributária muito ambiciosa. Tenho medo dessa reforma que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), colocou em primeiro plano. Pode gerar traumas na população. Quando se envolve todos os entes federados, a tendência é de aumento de tributos”, alertou.

Novaes defende, assim como o ministro da Economia, Paulo Guedes, mudança mais modesta, com foco em alguns tributos. Sobre a inflação, ele disse que tem “receio de que não continue tão baixa, quando essa quantidade de moeda voltar a circular”. “Hoje em dia, está havendo um empoçamento de moeda (porque as pessoas estão mais em casa)”, destacou.

O executivo voltou a defender a privatização do BB. “Uma empresa estatal com capital privado é uma anomalia. Ou você é público ou você é privado”, afirmou, ao criticar o que chamou de política de compadrios e corrupção no setor público. “Qualquer liberal que tentar entrar nesse meio vai receber uma rejeição, como um vírus que tenta entrar em um organismo. É muito difícil para um grupo de liberais trabalhar no ambiente político de Brasília”, completou.