Título: Um país em coma
Autor: Valente , Gabriela Freire
Fonte: Correio Braziliense, 08/01/2013, Mundo, p. 16

A oposição denunciou a existência de um governo acéfalo e o acusou de dividir a Venezuela. Por sua vez, o governo sustentou que o presidente Hugo Chávez se mantém no poder, criticou os opositores por manipularem a Constituição com “ignorância e maldade” e convocou uma grande manifestação para depois de amanhã — data estipulada pela Carta Magna para que o chefe de Estado preste juramento na Assembleia Nacional. Antes à margem da crise política, a Igreja Católica saiu em defesa da ordem democrática. “Alterar a interpretação da Constituição para alcançar um objetivo político é moralmente inaceitável”, alertou o monsenhor Diego Padrón, presidente da Conferência Episcopal Venezuelana, em um claro recado ao vice-presidente Nicolás Maduro, que descartou a necessidade de Chávez ser empossado para o quarto mandato consecutivo.

Cientista político da Universidad Central de Venezuela, Ricardo Sucre Heredia crê que o governo não convocará uma sessão da Assembleia Nacional na quinta-feira. “Tudo indica que ele dará uma demonstração de força para que o país aceite uma situação inaceitável: que não se cumpra com a Constituição”, admitiu ao Correio, por e-mail. “Tudo ficará como está, mas com um governo de legitimidade debilitada.” De acordo com ele, o problema central está no fato de que as instâncias de poder na Venezuela insistem em não reconhecer a ausência de Chávez e pretendem impôr uma ilegalidade, que trará problemas a Diosdado Cabello, presidente da Assembleia Nacional, e a Maduro.

Miguel Ángel Martínez, cientista social da Universidad Simón Bolívar (Caracas), explica à reportagem que, por trás da crise política causada pela ausência de Chávez, está uma disputa acirrada entre a ala civil e pró-Fidel Castro do chavismo, representada por Maduro, e a ala militar do governismo, liderada por Cabello. “Se Cabello chegar à Presidência, ele governará com poder suficiente para se distanciar de Havana e para fazer pactos com a oposição. Não obstante, para a totalidade do chavismo convém muito mais a manutenção da união, o que deve levar Cabello e Maduro a cooperarem entre si”, acrescenta.

Enquanto os chavistas blindam as informações sobre o estado de saúde do presidente — internado em Havana para tratar-se de um câncer — , os opositores insistem que o Partido Socialista Unido de Venezuela (PSUV) deixou o país à deriva. “A realidade é que temos um governo que não governa, paralisado por completo. Não há liderança no governo”, lamentou Henrique Capriles Radonski, governador do departamento de Miranda e líder da oposição. Maduro rebateu e tentou desqualificar a eventual declaração da ausência absoluta de Chávez. “O presidente, que já está em curso absoluto e em desenvolvimento de todas as suas funções, segue presidente da República, presidente reeleito, que segue em funções. A mesma Constituição prevê, no artigo 231, que, caso haja alguma adversidade, o Supremo Tribunal de Justiça pode fixar nova data e empossar o presidente”, declarou o vice.

Até o fechamento desta edição, não havia informações sobre o estado de saúde de Chávez. Contatado pelo Correio, o médico venezuelano José Rafael Marquina — que garante ter acesso a dados do prontuário do presidente — disse que não recebe notícias desde quinta-feira passada. Segundo ele, o hermetismo no Centro de Investigaciones Médico Quirúrgicas (Cimeq), em Havana, pode ser um indicativo de que “as coisas vão muito mal”.

Pontos de vista

Por Ricardo Sucre Heredia

Projeto de egemonia “É uma estratégia perigosa, pois se distancia muito da Constituição em relação a um tema de importância, como o juramento do presidente e de um novo governo, na ausência de informação confiável sobre o estado de saúde de Chávez. Mais que a continuidade, eu diria que essa estratégia busca dar confiança às bases do governo ante o estado de saúde de Chávez. Ao mesmo tempo, segue a linha do governo, que consiste em impôr um projeto hegemônico na sociedade venezuelana. Eles querem dar uma ideia de normalidade, quando não é essa a situação atual na Venezuela, devido à desinformação sobre Chávez e à ausência dele.”

» Professor de ciência política da Universidad Central de Venezuela

Por Miguel Ángel Martínez

Desacato à arta Magna “Essa estratégia tem sido denominada de ‘continuísmo’. A tomada de posse seria uma mera formalidade, e Nicolás Maduro, vice-presidente, poderia seguir substituindo Chávez. A Constituição parece estipular outra coisa. Se Chávez não se apresentar na quinta-feira para tomar posse na Assembleia Nacional, o procedente em termos constitucionais seria que o presidente do Legislativo, Diosdado Cabello, assumisse o cargo. Enquanto isso, uma junta médica decretaria a falta temporária ou absoluta de Chávez. Na primeira hipótese, Cabello governaria por até seis meses, prorrogáveis por mais seis. Se for absoluta, novas eleições seriam realizadas em 30 dias”

» Cientista Social da Universidad Simón Bolívar (Caracas)

Um líder onipresente

Ele está presente nas vitrines de várias lojas de Caracas, quase sempre ao lado de seus ídolos maiores, o libertador Simón Bolívar e o líder da Revolução Cubana, Fidel Castro. O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, transformou-se em boneco, estilizado das mais diversas maneiras. O mandatário aparece com a camisa vermelha e o cabelo à mostra, com a farda verde-oliva e a tradicional boina vermelha — esse último modelo custa 220 bolívares fortes (cerca de R$ 103). A imagem do presidente também estampa relógios, anéis, medalhas e pratos. Em 2012, o governo venezuelano reservou um orçamento de US$ 14 milhões para a promoção presidencial.