O Estado de São Paulo, n.46251, 04/06/2020. Política, p.A10

 

CPI detecta anúncios do governo em canais de teor ‘inadequado’

Patrik Camporez

Breno Pires

04/06/2020

 

 

Lista inclui páginas que difundem notícias falsas ou promovem jogos de azar e até sites de conteúdo pornográfico

Relatório produzido pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Fake News mostra que o governo federal investiu dinheiro público para veicular 2 milhões de anúncios publicitários em canais que apresentam “conteúdo inadequado”. A lista inclui páginas que difundem fake news, promovem jogos de azar e até sites pornográficos. Canais que promovem o presidente Jair Bolsonaro também receberam publicidade oficial.

O documento, produzido por consultores legislativos, tem como base informações da própria Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom) referentes ao período de junho a julho do ano passado. Os dados foram obtidos via Lei de Acesso à Informação pela CPI, que os divulgou em sua página. O relatório foi noticiado na noite de terça-feira pelo jornal O Globo e obtido também pelo Estadão.

Segundo a análise dos consultores, a maior parte dos anúncios está relacionada à campanha do governo para promover a reforma de Previdência, aprovada no ano passado no Congresso. A verba da Secom foi distribuída por meio do programa Google Adsense, que paga um valor determinado ao site a cada vez que um usuário clica na publicidade. O relatório não aponta quanto foi pago por canal.

Em entrevista no Palácio do Planalto, o secretário de Comunicação, Fabio Wajgarten, afirmou que cabe à empresa de internet definir as páginas que receberão os anúncios com base em critérios técnicos. “Na Secom do presidente Bolsonaro não há desvios, não há favorecimento de A, B ou Z. A Secom preza a tecnicidade e a economicidade”, afirmou ele.

Na ferramenta do Google, no entanto, é possível adicionar filtros que bloqueiam a veiculação em sites determinados.

A empresa afirmou ontem, em nota, que as suas plataformas “oferecem controles robustos que permitem o bloqueio de categorias de assuntos e sites específicos, além de gerar relatórios em tempo real sobre onde os anúncios foram exibidos”. Ou seja, segundo o Google, o anunciante – no caso, o governo federal – é informado onde os anúncios são exibidos e pode bloqueá-los.

De acordo com o Secretário de Publicidade da Secom, Glen Valente, o governo já faz uma seleção e exige do Google que sites impróprios não tenham publicidade oficial. Ele afirmou, no entanto, que a secretaria não pretende alterar os critérios para incluir páginas que disseminam notícias falsas na lista. “A Secom não vai definir o que é site de fake news ou não. Não vamos fazer censura”, afirmou.

Apoiadores. Ao todo, a comissão identificou que os mais de 2 milhões de anúncios foram exibidos em 843 canais diferentes. Destes, 741 eram no YouTube, mas foram removidos após a página de vídeos apontar irregularidades, como conteúdo inadequado ou que desrespeita direito autoral.

Há também publicidade oficial em páginas de apoiadores e que promovem Bolsonaro. O relatório cita como exemplo o canal de YouTube “Bolsonaro TV” e os aplicativos para celular “Brazilian Trump”, “Top Bolsonaro Wallpapers” e “Presidente Jair Bolsonaro”. A destinação de dinheiro público para este tipo de conteúdo pode gerar questionamentos legais ao governo com base no princípio constitucional da impessoalidade, pois, segundo a consultoria legislativa, “abre a possibilidade de se interpretar tal fato como utilização da publicidade oficial para promoção pessoal, conduta vedada pela Carta Magna.”

O site Terça Livre, do blogueiro Allan dos Santos, também aparece na lista dos que receberam dinheiro público por meio de anúncios da Nova Previdência. Santos é um dos alvos do inquérito das fakes news, no Supremo Tribunal Federal, e teve documentos e equipamentos apreendidos na semana passada pela Polícia Federal. Ele nega irregularidades.

No ano passado, em depoimento à CPI das Fake News no Congresso, Santos chegou a afirmar que não recebia dinheiro público em seu site.

Oposição. O relatório também mostrou que até mesmo um canal do YouTube do deputado Paulo Pimenta (PT-RS) recebeu verba pública. Segundo o documento, a publicidade veiculada foi da campanha em defesa da reforma da Previdência. O parlamentar militou contra a mudança nas regras de aposentadoria.

“Deve ser uma mistura de falta da controle com provocação. Pois um canal que publicamente trabalhou contra a reforma da Previdência ter um post de um vídeo de defesa da posição do governo é no mínimo estranho”, disse Pimenta ao Estadão. O parlamentar era líder da bancada do PT na Câmara na época em que os anúncios oficiais foram exibidos em seu canal.

‘Censura’

“A Secom não vai definir o que é site de fake news ou não. Não vamos fazer censura.”

Glen Valente

SECRETÁRIO DE PUBLICIDADE DA SECRETARIA DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DA PRESIDÊNCIA