O globo, n. 31695, 17/05/2020. País, p. 4

 

Cautela militar

Natália Portinari

Thaís Arbex

17/05/2020

 

 

Ministros aconselham Bolsonaro a não efetivar general na Saúde

 O presidente Jair Bolsonaro foi aconselhado por militares do primeiro escalão do governo a não efetivar o general Eduardo Pazuello no cargo de ministro da Saúde. Secretário-executivo da pasta, o oficial responde interinamente pelo comando das ações na área após a demissão do médico Nelson Teich, na última sexta-feira. A informação foi antecipada pelo colunista do GLOBO Lauro Jardim. De acordo com o relato de um general, ministros já disseram a Bolsonaro que “botar um militar para ser o número um da Saúde é levar para o colo das Forças Armadas o problema da Covid-19”.

O mesmo grupo de ministros vem se opondo à indicação do ex-ministro e hoje deputado Osmar Terra (MDBRS), cotado para o cargo desde a exoneração de Luiz Henrique Mandetta. Além disso, sugeriu ao presidente que não faça uma escolha açodada do substituto de Teich. Apesar das resistências de auxiliares do Planalto, partidos do centrão, que passaram a oferecer apoio ao governo Bolsonaro, defendem que o general Pazuello fique como ministro, numa espécie de gestão tampão, até o fim da pandemia provocada pelo novo coronavírus. O argumento é que, por ser um militar, Pazuello seguiria as ordens impostas por Bolsonaro sem questionamentos, ao contrário de um médico, como foram os dois ministros anteriores. Uma das tarefas de Pazuello deve ser assinar um novo protocolo para o uso da cloroquina no tratamento da Covid-19, exigência de Bolsonaro.

O vice-líder do governo e ex-ministro da Saúde Ricardo Barros (PP-PR) é um dos que vêm defendendo esse ponto de vista a interlocutores. Para o líder do governo no Congresso, o senador Eduardo Gomes (MDBTO), Pazuello é a pessoa ideal para organizar a parte de logística e o apoio aos estados, essencial durante a crise do coronavírus:

—Por isso, não haveria um movimento dele (Bolsonaro) de preenchimento da vaga ou de confirmação mais definitiva do Pazuello. Como Pazuello está à frente dessa missão com estados e municípios, já poderia continuar. Gomes classifica como “exagero” a discordância de Nelson Teich sobre o uso da cloroquina, já que o Conselho Federal de Medicina (CFM) teria aprovado a droga —o órgão, porém, diz “autorizar” o uso do medicamento a partir dos primeiros sintomas, e não “recomendar”. Estudos internacionais já demonstraram a ineficácia da cloroquina no tratamento de pacientes com a Covid-19.

CENTRÃO NÃO QUER INDICAR

Políticos do centrão ouvidos pelo GLOBO diagnosticam ainda que, nesta fase da pandemia, não há vantagem em indicar alguém para o ministério. Quem entrar será responsabilizado pela contagem crescente de mortos, avaliam.

O “núcleo duro” de líderes do centrão na Câmara dos Deputados que se aproximou de Bolsonaro é composto por PP, PL, PSD e Republicanos. Outros, como DEM e Solidariedade, têm se colocado como “independentes”. A oncologista e imunologista Nise Yamaguchi, defensora da ampliação do uso de cloroquina em pacientes com Covid-19 e conselheira do governo, nega ter sido convidada ou sondada para o ministério. Logo antes de Nelson Teich pedir demissão, na última sexta-feira, o presidente Jair Bolsonaro teve uma reunião com Yamaguchi. Ela diz que o presidente não tocou no assunto e se restringiu a debater suas ideias para a área de saúde. Na avaliação da médica, o sucessor de Nelson Teich no Ministério da Saúde precisa ouvir todas as áreas.

— Ficou bem claro que o Ministério da Saúde deve caminhar alinhado com todos os outros. Precisa ter uma interface com os ministérios do Desenvolvimento, da Economia, da Agricultura —afirmou.

—Não acredito que esse nome deva surgir assim tão rapidamente, até porque tem um elenco de opções e potencialidades dentro do Brasil. Na opinião de Y ama gu chi, o governo não deve esperar a finalização de mais estudos científicos para ampliar a produção e distribuição de cloroquina no Brasil, por se tratar de uma situação emergencial.

Teich, afirma a oncologista, se opôs a esse plano porque acreditava que era necessário esperar o resultado de estudos científicos que comprovassem a eficácia do remédio. A médica se diz preocupada com pessoas que procuram a hidroxicloroquina mas não a encontram, mesmo com receita. Em doses baixas e aplicada no início do tratamento, segundo ela, a droga não apresenta toxicidade nos pacientes. No entanto, a cloroquina pode ter efeitos colaterais como arritmias cardíacas.