Correio braziliense, n. 20875 , 19/07/2020. Brasil, p.6

 

Como será a volta às aulas

Renata Rios

19/07/2020

 

 

Ainda em debate, a reabertura das escolas pelo país exigirá planejamento e preparo para evitar infecção descontrolada. No ensino superior, começa a movimentação pelo retorno nas universidades, que será remoto, no primeiro momento

A volta às aulas é um assunto delicado em meio à pandemia que atinge o Brasil. Apesar das ressalvas dos especialistas, a movimentação pelo retorno do ensino presencial começa a acontecer em alguns locais. A perspectiva assusta alguns pais e preocupa médicos. Outro ponto que ainda não ficou claro são os protocolos estabelecidos para o retorno. Segundo o Ministério da Educação (MEC), além de um parecer elaborado pelo Conselho Nacional de Educação e homologado no início de junho, foi divulgado um Protocolo de Biossegurança para o retorno às escolas.

No protocolo divulgado fala-se em distanciamento social seletivo, e o texto ressalta a importância de se cumprirem os protocolos de biossegurança para garantir a eficiência do isolamento. “O conceito de biossegurança é o conjunto de ações voltadas para a prevenção, minimização ou eliminação de riscos inerentes às atividades de pesquisa, produção, ensino, desenvolvimento tecnológico e prestação de serviços, visando a saúde do homem, dos animais, a preservação do meio ambiente e a qualidade dos resultados”, informa a cartilha preparada pelo MEC.

Recentemente, o Conselho Nacional de Educação aprovou um parecer que apresenta orientações para a retomada das atividades de forma gradual. O documento seguirá para ser homologado pelo MEC.

No Colégio Militar de Manaus, os cuidados para a volta dos estudantes também estão sendo pensados com antecedência. Na semana passada, houve uma visita de acompanhamento com o objetivo de verificar a adequação das instalações. Ainda na ocasião, houve um exercício de simulação da entrada dos alunos com participação de soldados do colégio.

Apesar da movimentação, médicos e pais de alunospreocupam-se com o controle das aglomerações entre os estudantes. “Temos de lembrar que estamos dentro de um contexto da comunidade. Se estamos preocupados com o aumento do número de casos, as escolas estão inseridas nesse contexto”, pondera a infectologista Valéria Paes, membro da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal. “O controle em relação às medidas necessárias para evitar o contágio são muito difíceis. Já são difíceis para os adultos, para as crianças a situação é bastante complicada.”

Esse também é receio da médica Daniela Louro, de 43 anos, que tem dois filhos, um menino de 9 anos e uma menina de 11. “Como mãe e médica, tenho muito medo da volta às aulas presenciais no DF. Acho difícil manter o distanciamento social entre crianças durante o período na escola, além da pouca idade e maturidade para o adequado uso das máscaras e a correta higienização das mãos”, avalia. “Embora ambos sejam orientados em relação ao coronavírus e como evitar contrair a doença, é difícil seguir à risca as orientações.”

Mesmo com todas as medidas de segurança, há risco de contágio, Valéria Paes. “Até o gesto de beber água pode ser perigoso. Esse retorno vai requerer muita gestão e organização”, diz. “As crianças podem adquirir o vírus e apresentarem sintomas leves, porém, acabam fazendo parte da cadeia de transmissão”.

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Pandemia põe Revalida à prova

Bruna Lima

19/07/2020

 

 

A saúde precisa de reforço e uma das dificuldades vigentes para ampliar a resposta de assistência em meio à pandemia é a carência de profissionais de saúde especializados. Diante desse cenário, um debate ganha força: aproveitar ou não os médicos formados no exterior que ainda não conseguiram oficializar seus registros para atuar no Brasil? Pesquisa realizada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) mostra que 91% dos brasileiros concordam com a necessidade de um exame para revalidar o diploma, mas a prova não ocorre desde 2017. Com isso, mais de 15 mil médicos ficam impedidos de trabalhar no país, aguardando o Revalida.

O paraense Renan Graça, de 31 anos, é um dos profissionais que se encontram nesse limbo. Formado em medicina pela Unifranz, na Bolívia, o médico vê o projeto profissional ser postergado justamente no momento em que se considera mais necessário. “Estão fechando as portas quando deveriam estar aceitando o máximo de ajuda. E não é que queremos um CRM de mão beijada. Queremos o direito de mostrar que a gente tem o conhecimento, capacidades e habilidades para atuar no mercado, fazer o bem sem olhar a quem. O governo precisa urgente abrir os olhos para essas questões”, afirma.

As regras do Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicas (Revalida) sofreram alterações no fim de 2019, com o objetivo de acelerar a aplicação das provas e sanar a demanda represada. Não foi o que ocorreu. Conforme associações de médicos brasileiros formados no exterior, a situação atinge cerca de 15 mil profissionais.

Entre as mudanças, ficou decidido que as provas ocorreriam duas vezes ao ano. No entanto, a possibilidade de que universidades particulares com notas superiores a 4 na avaliação de excelência do Ministério da Educação (cuja nota máxima é 5) pudessem aplicar as provas foi vetada pelo presidente Jair Bolsonaro. Na Câmara dos Deputados, o veto foi mantido e, por isso, somente as universidades federais têm autoridade para revalidar os diplomas no Brasil.

“São anos de estudo e preparação, dando a cara a tapa fora do país, sofrendo preconceito como estrangeiro. E agora, de volta ao país, mais uma batalha. Se avaliassem todos os médicos, inclusive os brasileiros, após a formação, acho que teríamos um outro olhar. Por enquanto, sigo na luta, mas me sinto impotente diante da situação”, desabafou Renan, que faz bicos como pintor e assistente de pedreiro. Atualmente, ele trabalha com a esposa vendendo suco detox para sustentar a filha de 4 anos.

Com previsão de novas provas somente no fim deste ano e, mesmo assim, sob grande incerteza provocada pela pandemia, a pressão por enquadrar esses profissionais na linha de frente do combate à covid-19 é grande, principalmente em regiões menos assistidas no Norte e no Nordeste.

Decisões recentes da Justiça têm reafirmado que só pode ser considerado médico no Brasil aquele que ao formar-se no exterior, tenha passado por exame conduzido pelo MEC para revalidação de diploma e se inscrito no Conselho Regional de Medicina (CRM). Uma recente ação civil pública movida pela Defensoria Pública União (DPU) tenta viabilizar a contratação de médicos habilitados no exercício de medicina em outros países sem a necessidade de revalidação do diploma, em caráter excepcional e temporário. No entanto, em 14 de maio, a Justiça Federal emitiu uma decisão em caráter liminar defendendo o exame. O documento indica que a situação de pandemia não justifica “permitir a contratação de profissionais médicos que não atendam a requisitos legais.” Nas instâncias locais, decisões recentes da Justiça têm apontado para a mesma direção.