O globo, n. 31702, 24/05/2020. Opinião, p. 2

 

A corrosão na confiança dos investidores

24/05/2020

 

 

Não são muitas as certezas possíveis sobre o cenário brasileiro depois da pandemia. Uma delas, porém, é a de que o país vai precisar atrair investimentos externos para ajudar a alavancar o processo de recuperação da economia. O governo tinha uma perspectiva otimista, assentada na venda de 36 empresas estatais a partir de agosto. Na lista oficial constam, entre outras, Eletrobras, Correios, Embrapa, Finep, Nuclep, Serpro, Dataprev e Casa da Moeda.

Em paralelo, achava possível a atração de até US$ 100 bilhões do setor privado para a área de petróleo. Argumentava com a disponibilidade de US$ 1,5 trilhão no mercado mundial. Talvez fosse real na virada do ano, mas o mundo mudou com o vírus, e uma dose de realismo pode ser adequada. O Brasil encerrou 2019 como um dos quatro maiores receptores de investimentos estrangeiros diretos. Foram US$ 78,6 bilhões. Em março, no início da pandemia, o Banco Central refez projeções e estimou uma queda de 24%, para US$ 60 bilhões, neste ano. Poderá ser maior, devido ao recrudescimento da disputa por hegemonia entre Estados Unidos e China e das políticas protecionistas em vários países.

Já não basta oferecer condições favoráveis ao trânsito de capitais. Vai ser preciso firme sinalização sobre a estabilidade política, a segurança jurídica e o rigor na proteção ambiental — fator cada vez mais relevante nas decisões dos maiores fundos globais. A chave está na conquista da confiança. E nesse ponto reside, hoje, a grande dificuldade brasileira, comum governo que se mostra desnorteado. Sob Jair Bolsonaro, a Presidência se tornou o principal vetor de instabilidades na República, depois do novo coronavírus. O governo se transformou numa usina de crises e de conflitos com o Legislativo e o Judiciário. Exemplo vívido está no vídeo da reunião ministerial de abril, com o presidente dizendo que sua intenção é “armar o povo” e o ministro da Educação,

Abraham Weintraub, pedindo a prisão de integrantes do Supremo Tribunal Federal. Ou com o ministro Augusto Heleno direcionando ameaçasa outros Poderes.

O governo não fomenta confiança. Ao contrário, acirra as próprias contradições programáticas. Militante da retórica antipolítica, Bolsonaro passou 16 meses sem se preocupar com uma base parlamentar e, agora, adotou o “toma lá dá cá”. Tal qual os antecessores que criticava, passou a distribuir cargos em troca de votos no Congresso, em alianças pouco confiáveis com líderes notórios pelo prontuário em escândalos de corrupção. A instabilidade resulta em insegurança. Soma-se a confusão em áreas como meio ambiente, e o obscurantismo na política externa, com hostilização a parceiros como a China. O governo reconhece a dependência de capitais externos para a economia emergir da crise.