Valor econômico, v.21, n.5035, 03/07/2020. Política, p. A8

 

Bolsonaro tenta atenuar desgaste no exterior com meio ambiente

Matheus Schuch

Daniel Rittner

03/07/2020

 

 

Alertado por auxiliares de que a repercussão internacional sobre queimadas na Amazônia e a vulnerabilidade de povos indígenas pode comprometer acordos comerciais, o presidente Jair Bolsonaro afirmou ontem, durante a cúpula do Mercosul, que intensificará o diálogo para tentar reverter o quadro. Uma das preocupações imediatas envolve o acordo de livre comércio entre o bloco sul-americano e a União Europeia (UE).

"Nosso governo dará prosseguimento ao diálogo com diferentes interlocutores para desfazer opiniões distorcidas sobre o Brasil e expor as ações que temos tomado em favor da floresta amazônica e do bem-estar das populações indígenas", afirmou Bolsonaro, em um curto pronunciamento.

Nas últimas semanas, o governo brasileiro deu sinais de mudança de postura em alguns temas ambientais. Responsável pelo Conselho da Amazônia, o vice-presidente Hamilton Mourão ampliou conversas com autoridades estrangeiras que tradicionalmente aportam recursos em projetos de preservação da floresta, admitiu que o governo deveria ter dado atenção à área mais cedo e defendeu que o "negacionismo não leva a nada".

O Ministério da Defesa também tenta assumir protagonismo no combate ao desmatamento ilegal e queimadas, além do auxílio a indígenas, com ações pontuais de assistência em função da pandemia de covid-19. Por outro lado, uma ala do setor de agronegócio mantém esforços para modificar a legislação ambiental e permitir ampliação de atividades de exploração econômica na região amazônica e nas aldeias indígenas.

Um dos casos de repercussão negativa envolveu o presidente da França, Emmanuel Macron, que agora pressiona as demais autoridades europeias a não ratificarem o acordo com o Mercosul. Ao lado de 265 organizações da sociedade civil, Macron se posicionou favorável nesta semana à tipificação do crime de “ecocídio” no direito internacional, para julgar, por exemplo, quem não protege ecossistemas.

O grupo tenta aproveitar a brecha aberta pelos parlamentos da Áustria, da região da Valônia, na Bélgica, e também da Holanda, que retiraram seu apoio ao acordo birregional.

A mobilização cresceu porque a Alemanha, que assumiu a presidência rotativa da UE nesta semana, tem como prioridade justamente tentar avançar na ratificação do acordo com o Mercosul. Na cúpula, Bolsonaro apelou por um desfecho neste semestre.

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Mudança de postura será decisiva para Salles e Araújo

Cristiano Zaia

03/07/2020

 

 

Alvo de críticas crescentes até dentro do governo, o ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, vem sendo aconselhado pela ala ideológica a mudar sua postura e entregar resultados principalmente no combate aos desmatamentos na Amazônia neste ano para evitar uma possível demissão. Na mesma linha, o chanceler Ernesto Araújo enfrenta uma série de desgastes internos que ultrapassam a resistência apenas do núcleo militar e podem tornar inevitável sua saída do cargo a médio prazo, revelam fontes do governo.

Na semana passada, uma carta assinada por 29 fundos estrangeiros criticou o aumento do desmatamento no Brasil como fator de incerteza para investimentos no país. Para a semana que vem, Mourão, Salles e os ministros Fernando Azevedo (Defesa), Tereza Cristina (Agricultura) e André Mendonça (Justiça) farão uma reunião virtual com representantes desses fundos para tentar mostrar políticas ambientais do governo e acalmar os ânimos dos investidores. Na ocasião será entregue uma carta, que deve ser assinada pelo chanceler Ernesto Araújo, em que o governo se compromete em adotar ações para controlar os índices de desmatamento.

De maneira reservada, integrantes do governo chegaram a defender a troca de Salles e Araújo nos últimos dias como alternativa para o Palácio do Planalto, em resposta a crises constantes com a China ou com a Europa em relação à questão ambiental.

Na avaliação de ministros, Salles e Araújo têm atrapalhado cada vez mais a estratégia e o discurso do governo de atrair investimento estrangeiro, por conta das incertezas trazidas pela política ambiental ou por atritos com a China e ruídos na área de comércio exterior. O alerta da equipe econômica, nos bastidores, é de que é preciso dirimir incertezas ao ambiente de negócios no Brasil, sob pena de afastar investidores de projetos de infraestrutura e telecomunicações, e importadores de commodities agropecuárias.

No caso de Salles, ministros já o aconselharam a atuar de maneira reservada e começar a mostrar imediatamente ações concretas de sua pasta. Pelo menos por enquanto Bolsonaro mantém apoio a Salles, renovado em agenda entre os dois na quarta-feira. Salles é elogiado por Bolsonaro por defender ferrenhamente a pauta do governo de flexibilização de leis e normas da área ambiental.

Amanhã Salles também assina uma portaria para regulamentar o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) e, nos próximos dias, um decreto junto com Bolsonaro para lançar o programa “Adote um Parque”, para firmar Parcerias Público-Privadas (PPPs) com empresas privadas para a manutenção de parques federais de conservação.

Procurado, Salles se limitou a dizer que tem focado nos assuntos de sua pasta. “Desde o início da minha gestão, o Ministério tem foco na agenda ambiental urbana e tenho me concentrado nisso. Agora, finalmente tivemos uma importante vitória nessa área, com a aprovação do marco regulatório do saneamento no Congresso”, afirmou ao Valor.

Já no caso de Araújo, fontes da cúpula do governo avaliam que os desgastes se acumularam de tal forma que até a equipe econômica e ministros pragmáticos vêm se queixando de sua atuação. O mais provável seria uma transição amigável que durasse até o fim do ano, culminando com uma nomeação para uma embaixada importante ou indicação para algum cargo em organismo internacional.

A condução de Araújo em temas caros à diplomacia e aos interesses comerciais do Brasil, como a recente relação comercial com a China repleta de atritos e o acordo comercial Mercosul e União Europeia - que sofre nova ameaça de não ser ratificado por países do bloco europeu -, tem tornado sua permanência no governo uma incógnita crescente. O aval que Araújo tem do deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, e de Felipe Martins, assessor presidencial e discípulo do escritor e guru do governo Olavo de Carvalho, porém, ainda é capaz de o segurar no cargo. Por meio de sua assessoria de imprensa, o Itamaraty não quis se pronunciar sobre o assunto.