Valor econômico, v.21, n.5036, 06/07/2020. Brasil, p. A4

 

Combate à crise no país é destaque negativo na AL, diz estudo

Arícia Martins

06/07/2020

 

 

A contenção da covid-19 e a perspectiva para o crescimento econômico e as contas públicas são piores no Brasil não só se comparados à média global, mas também em relação a seus pares na América Latina, epicentro mundial da pandemia. É o que mostra análise da equipe de economistas do Barclays para o continente, que coloca o país em último lugar num ranking de sete nações da região.

Em relatório, o banco diz que a situação parece estar mais controlada na Colômbia, Argentina e Uruguai. Já no Peru, Brasil, Chile e México, as políticas de combate à crise se mostraram menos eficazes. As estratégias dos governantes para enfrentar a pandemia e o perfil etário da população são relevantes para explicar a mortalidade e a evolução de casos do novo coronavírus em cada país, mas outros fatores podem ter desempenhado papel mais importante, afirma a instituição.

“No Brasil, o governo federal subestimou a situação, o que parece não estar ajudando a conter a disseminação da doença”, disse Roberto Secemski, economista-chefe para o país do Barclays. O ranking elaborado pelo banco, no qual a economia brasileira está na lanterna, combina o sucesso no controle da pandemia, o potencial de deterioração das contas públicas e a expectativa de retomada econômica.

O primeiro colocado da lista é o Uruguai, onde o número de óbitos por um milhão - estatística melhor para avaliar as medidas de confinamento, segundo os analistas, uma vez que não há testagem em massa no continente - está abaixo (-4) da taxa sugerida pelo modelo do banco. No Brasil, esse índice de mortalidade supera a estimativa do Barclays em 84 pessoas, pior resultado no grupo de países analisados. A data de corte do estudo é 30 de junho.

Para projetar qual seria o contingente de mortos por milhão, em média, que deveria ser visto nos países latino-americanos, a equipe de análise do Barclays rodou uma regressão com base em uma série de variáveis que influenciam no contágio. São elas, de acordo com o modelo estatístico, o sistema de saúde de cada país, as medidas de enfrentamento do governo, e a idade mediana da população.

O banco faz, então, uma estimativa dos desvios da taxa de mortalidade em cada país em relação às variáveis explicativas. “Controlando pelas diferenças nas variáveis mencionadas acima, as estratégias [de controle da doença] parecem ter sido mal implementadas no Brasil, Chile e México, países que apresentam o maior desvio em relação ao modelo”, observam os analistas.

Segundo Secemski, uma particularidade brasileira que pode ter afetado o resultado do país é a oposição do presidente Jair Bolsonaro às diretrizes de distanciamento social e ao fechamento da economia. Isso pode ter minado parcialmente os esforços dos governos locais em sentido contrário, comenta ele.

Na data de corte do relatório, o Brasil, com 6.396 casos por 1 milhão de habitantes, mostrava o terceiro maior número de contaminações pelo novo coronavírus nessa proporção, atrás do Chile (14.235) e do Peru (8.688). De acordo com o Barclays, a curva começou a se estabilizar aqui e no Peru, enquanto no México, que tem uma taxa de contaminação menor (1.763), os dados podem não ser confiáveis, porque o governo limitou o número de testes. Já o Chile, que é o terceiro do ranking geral, tem testado mais a população.

No quadro fiscal, segundo quesito levado em conta pela instituição para classificar os países, as perspectivas para a economia brasileira são as mais preocupantes da amostra. Nas estimativas de Secemski, o resultado do setor público consolidado em 2020, excluindo o pagamento de juros da dívida, será negativo em 11,8% do PIB - 10,9 pontos acima do déficit de 2019.

“O Brasil enfrenta um cenário desafiador, mesmo desconsiderando seus riscos políticos em potencial”, afirma o economista. Em seus cálculos, o pacote de estímulos fiscais do governo para amenizar os efeitos econômicos da covid-19 supera 15% do PIB, dos quais oito pontos terão efeito direto no déficit nominal deste ano, projetado em 16% do PIB.

Por fim, a recuperação econômica, último item que compõe o ranking do Barclays, deve ser lenta por aqui. No último trimestre de 2021, calcula Secemski, o PIB brasileiro ainda estará 2,3% abaixo do nível pré-crise, do quarto trimestre de 2019. Pelas projeções do banco, o Uruguai já terá praticamente recuperado todas as perdas da recessão em igual comparação, ao passo que Chile e Colômbia terão crescido 2% e 1,2%, respectivamente.

“O ritmo de recuperação continua altamente incerto, ainda que indicadores de maio mostrem melhora modesta na margem”, avalia o economista para Brasil. “A evolução incerta da pandemia em diferentes regiões pode resultar na imposição de novas medidas de quarentena ou ‘lockdowns’, o que pode reverter ou interromper os sinais incipientes de recuperação.”