Correio braziliense, n. 20877 , 21/07/2020. Política, p.4

 

Renda básica permanente contra as desigualdades

Simone Kafruni

21/07/2020

 

 

Grupo que elevou a proposta do auxílio emergencial foca na continuação do programa no pós-pandemia. E ajudará parlamentares na argumentação na defesa da manutenção

Desde o início da pandemia do coronavírus, um grupo de 163 organizações da sociedade civil, de centrais sindicais a institutos de pesquisa, passando por entidades de responsabilidade empresarial, tem se mobilizado em torno das propostas de renda básica. Em um primeiro momento, a urgência era de um auxílio emergencial. Por meio de documento técnico e abaixo-assinado, que teve a adesão de mais de meio milhão de pessoas, a campanha Renda Básica Que Queremos conseguiu elevar a proposta inicial do governo, de R$ 200 para R$ 600 e R$ 1,2 mil para mães com filhos. Agora, esse grupo foca na Renda Básica Permanente.

Para tanto, nesta semana, quando será instalada a Frente Parlamentar em Defesa da Renda Básica, o grupo pretende lançar um documento para que as propostas discutidas entre parlamentares considerem princípios básicos de direito e cidadania. “Estamos apostando nisso como um dos caminhos importantes para encaminhar nossa proposta. Se o governo quiser conversar, estamos dispostos a sentar para que não seja desperdiçada, novamente, como ocorreu com o auxílio emergencial, toda a inteligência em política social que existe no país”, diz o presidente da Rede Brasileira de Renda Básica, Leandro Ferreira.

O objetivo do documento é oferecer parâmetros para orientar uma construção pautada por três princípios: o da renda como direito humano, fundamental e indivisível dos demais; o da política de Renda Básica como vetor de redução de desigualdades; e o da solidariedade em relação ao seu financiamento. Ao todo, o grupo chegou a um conjunto de sete parâmetros para o estabelecimento de uma Renda Básica Permanente no Brasil.

Ferreira explica os sete critérios. “O primeiro é a incondicionalidade. Ninguém tem que sofrer caráter punitivo para que a pessoa possa receber sem ter que cumprir obrigações”, diz. No caso do Bolsa Família, por exemplo, é preciso que os filhos estejam matriculados na escola. “Nossa concepção é que saúde e educação são direitos, e não obrigações”, esclarece.

A individualidade é outro parâmetro. “Alguns benefícios levam em conta a renda familiar ou descontam o rendimento do mercado de trabalho. Estamos propondo que isso seja igualado. Cada pessoa precisa do auxílio, sem perder a noção de que pode ser ajustável, uma vez que públicos específicos precisam de aportes diferentes, como deficientes, idosos, crianças e adolescentes”, enumera. Outro requisito é a Renda Básica não ser tributável. “A pessoa não pode, porque recebe benefício, cair no Imposto de Renda, por exemplo. Ou se aceitar um emprego, perder o benefício. Temos que levar em conta sempre a renda. É preciso ter rampas de saída e de acesso”, explica Ferreira.

Redistribuição

O grupo defende o viés redistributivo da renda mínima. “A nossa carga tributária tem característica regressiva, pune os mais pobres. Qualquer reforma dessas transferências de renda deve levar em conta a possibilidade de ser paga pelos mais ricos”, destaca. O viés de ampliação de direitos é outra importante diretriz, segundo o grupo. “Quando se fala de uma noção que inclui renda, independentemente de condições ou não, trata-se de um direito, dissociado do mercado de trabalho, sem que outros direitos sejam reduzidos”, ressalta. Por fim, a referência deve ser o piso salarial. “Não estamos falando em indexar nada. Mas, em uma família com média de três pessoas, os benefícios individuais devem ser de algo em torno de R$ 350 para que a renda familiar chegue a um salário mínimo”, sustenta.

A importância do movimento é o critério da renda, não se a pessoa tem um emprego formal ou se já recebe outros benefícios, como funciona o auxílio emergencial. “Uma faxineira com carteira assinada e três filhos não recebe o auxílio emergencial, mas ganha um salário mínimo para quatro pessoas. Ela também precisa de uma renda básica”, defende o presidente da Rede Brasileira.

Durante a implantação do auxílio emergencial, o grupo monitorou os problemas de acesso a quem realmente precisa do auxílio, identificando um conjunto de 20 gargalos técnicos e solucionáveis que não foram abordados quando o benefício foi estendido por mais dois meses. “Isso significa a continuidade dos problemas já amplamente denunciados.”

Ferreira lembra que a proposta do grupo não é técnica. “Queremos construir o debate. São princípios. Um padrão de entrada como o do auxílio emergencial é uma boa referência. Só que removendo travas, com o único critério da renda”, resume.

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Entrevista - João Campos: 80 milhões ficarão sem nada no pós-pandemia

Luiz Calcagno

21/07/2020

 

 

O deputado federal João Campos (PSB-PE) é, dentro do Congresso, um entusiasmado defensor da renda básica universal. Ele presidirá uma frente ampla, com apoio de 22 dos 23 partidos da Câmara e diversos especialistas e representantes da sociedade civil, em defesa do fortalecimento da proteção social. O parlamentar projeta que, com o fim do auxílio emergencial, aproximadamente 80 milhões de brasileiros passarão a viver sem nenhum auxílio, na informalidade e abandonados à própria sorte. João conversou com o Correio sobre a possibilidade de tornar o benefício permanente. A seguir, os principais pontos da entrevista.

Como o senhor acha que o debate de uma renda básica universal conseguirá avançar no Congresso?

O conceito de renda básica não é antagônico ao conceito defendido pelos liberalistas econômicos. O próprio Milton Friedman defendia uma renda mínima como uma ferramenta de liberdade individual do cidadão. Mas a renda básica, pelo auxílio emergencial, virou algo vital para milhões de brasileiros.

Como fazer avançar diante da crise econômica?

Temos bilhões de Bolsa Família, Salário Família, isenção para dependentes de imposto de renda, que protege crianças ricas e não protege as que são filhas de pais trabalhadores informais; temos mais de R$ 200 bilhões do fundo parados para gerar superavit, e têm as isenções fiscais. Se você tira 10% de benefícios fiscais pouco produtivos, dá R$ 30 bilhões. Têm muitos caminhos para se construir uma alternativa de financiamento sem necessidade de aumentar a carga tributária. Acho que se reorganizar o que já existe, consegue fazer sem aumentar a carga tributária, que já é muito alta.

Em quanto tempo o senhor acha que esses debates começarão? E em quanto tempo espera algum resultado, como um PL, por exemplo?

Montamos uma frente ampla, com 23 de 24 partidos na Câmara, e tem chance de o Novo entrar. Eles estão discutindo isso internamente. A frente não terá uma proposta, pois é uma plataforma de debate. Parlamentares podem ter propostas, o governo diz ter uma proposta, espero que envie para o Congresso.

Estima-se que a crise econômica provocada pela pandemia será mais longa e profunda do que a própria crise sanitária. O Congresso consegue vislumbrar a dimensão desse problema?

O PL 3503/2020 prorroga o auxílio emergencial até dezembro. Mas, o mais importante, é a gente discutir uma renda básica permanente no país. Ao final de dois ou de seis meses, esse projeto acabará. E se acabar, 80 milhões de brasileiros ficarão sem renda formal. E não consigo conviver com essa possibilidade. É preciso fazer uma proteção que passa por uma renda básica permanente.