Valor econômico, v.21, n.5039, 09/07/2020. Brasil, p. A10

 

Governo quer US$ 4 bi de fundos que criticaram ações ambientais do país

Cristiano Zaia 

09/07/2020

 

 

Alvo de renovadas críticas internacionais por sua política ambiental, o governo pretende usar a reunião de hoje com representantes dos 29 fundos estrangeiros que ameaçaram tirar dinheiro do Brasil, diante de “incertezas” com o aumento do desmatamento no país, para convencê-los a investir em programas federais de conservação florestal lançados há poucos dias.

A ideia é não só ficar na defensiva, mas também apresentar novos instrumentos financeiros de captação de investimento externo, como o pagamento por serviços ambientais que, sozinho, pode atrair investimentos da ordem de US$ 4 bilhões por ano, segundo cálculos do governo. Outra aposta é num programa embrionário, chamado “Adote um Parque”, que vai ofertar 132 parques nacionais para empresas privadas interessadas em manter e conservar esses espaços.

O encontro por videoconferência, que será conduzido pelo vice-presidente Hamilton Mourão, também contará com a presença de Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central. O chefe da autoridade monetária, um dos primeiros a alertar o governo ainda em 2019 sobre os riscos de a política ambiental afetar a entrada de capital estrangeiro no Brasil, tem feito um “meio de campo” com esses fundos, com quem tem relacionamento acumulado de duas décadas de mercado financeiro.

Essa estratégia de usar os programas de conservação, que estão sob o guarda-chuva do Meio Ambiente, acontece num momento em que o ministro da pasta, Ricardo Salles, voltou a desagradar à comunidade internacional e vem recebendo críticas até mesmo de dentro do governo Bolsonaro. Integrantes da equipe econômica e ministros pragmáticos do governo inclusive passaram a defender de forma reservada a saída do ministro, depois que ele sugeriu “passar a boiada” em normas ambientais.

Na reunião desta quinta-feira, Mourão vai apresentar as iniciativas à frente do Conselho da Amazônia, na intenção de mostrar a grandes fundos de private equity e de pensão, como Sumitomo, Nordea, Fram Capital, BlueBay e Robeco, que neste ano há uma ação de fiscalização mais antecipada de combate às queimadas, que já está em campo.

A carta dos investidores, enviada ao governo Bolsonaro há duas semanas, foi organizada pelo grupo norueguês Storebrand Asset Management, que gere uma carteira de US$ 80 bilhões.

O vice-presidente também comunicará os gestores dos fundos sobre decreto que o presidente Jair Bolsonaro vai editar suspendendo as queimadas por 120 dias nos biomas amazônico e do Pantanal. E fará um discurso de proteção ambiental às terras indígenas, outro alvo de críticas frequentes por multinacionais e entidades internacionais.

Já a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, fará uma defesa enfática de uma nova lei de regularização fundiária na Amazônia, a fim de titular terras públicas da União e dar segurança jurídica a mais de 100 mil pequenos agricultores. O governo até chegou a enviar uma medida provisória nesse sentido para o Congresso, mas, diante de resistências da oposição e de organizações não-governamentais, a “MP da Grilagem”, como chegou a ser apelidada, acabou perdendo a validade. Tereza também vai divulgar que o setor agropecuário já começa a estruturar um mercado de títulos verdes.

Ao chanceler Ernesto Araújo, outro ministro que passa a enfrentar resistência interna no governo, caberá dizer que os acordos comerciais firmados com o Brasil já preveem cláusulas de preservação ambiental como condição para manter livre comércio ou redução tarifária sobre produtos. O Itamaraty cuidou de elaborar uma carta de resposta à correspondência dos fundos estrangeiros, que deve reforçar o compromisso do governo de combater os desmatamentos, e também será apresentada.

O Valor apurou ainda que o governo também testará a disposição dos 38 CEOs de grandes companhias, como Microsoft, Itaú, Vale e Santander, em investir nesses programas ambientais. Em carta ao governo, esses executivos pediram o combate à escalada de desmatamentos. Uma reunião com os representantes dessas companhias está prevista para a próxima sexta-feira.

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Barroso determina ajuda para comunidades indígenas 

Luísa Martins

Juliano Basile

09/07/2020

 

 

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou ontem que o governo federal adote uma série de medidas emergenciais de enfrentamento à pandemia em comunidades indígenas, incluindo a criação de barreiras sanitárias para indivíduos isolados, a expulsão de invasores de suas terras e a adoção de um planejamento de ação em nível nacional. As primeiras providências devem ser tomadas em até 72 horas.

Na decisão assinada ontem, o ministro diz que o atual plano do governo para impedir o contágio da Covid-19 entre indígenas é "vago", pois "expressa meras orientações gerais e não prevê medidas concretas, cronograma ou definição de responsabilidades". Além disso, critica ele, sua elaboração não contou com representantes das comunidades.

Ela foi tomada no mesmo dia em que o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Xavier, foi diagnosticado com covid-19 e o presidente Jair Bolsonaro sancionou com vetos o projeto de lei que trata de medidas de proteção às comunidades tradicionais durante a pandemia. Entre os itens vetados pelo presidente estava, por exemplo, a obrigatoriedade de o governo fornecer acesso a água potável, materiais de higiene e limpeza, internet e cestas básicas, além da desinfecção de superfícies nas aldeias.

A ação foi protocolada no Supremo pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) junto a seis partidos políticos - PSB, PSOL, PCdoB, Rede, PT, PDT. Eles apontaram omissão do governo no combate ao novo coronavírus entre indígenas. Como o caso chegou à Corte antes do recesso, não foi preciso "terceirizar" a decisão ao ministro presidente, Dias Toffoli.

A primeira medida a ser tomada pelo presidente Jair Bolsonaro é designação de representantes, em até 72 horas, do grupo que discutirá um novo plano nacional de enfrentamento à pandemia, que deve ser apresentado em um mês; e da equipe da Sala de Situação que deverá ser criada para gerir as ações quanto a povos indígenas em isolamento. Em ambos os casos, é essencial a participação da sociedade civil, por meio da Apib, diz Barroso.

A Sala de Situação também deverá contar com membros da Procuradoria-Geral da República e da Defensoria Pública da União, enquanto os termos do plano nacional deverão ter a anuência do Conselho Nacional de Direitos Humanos.

Barroso determinou que o plano tenha uma cláusula específica para conter invasores de terras indígenas e para retirar os que já estão lá. Se nada for feito, voltará ao tema para uma nova determinação, alertou. Na semana passada, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), com sede em Brasília, já havia ordenado ao governo medida semelhante, para expulsar garimpeiros ilegais.

A União também deverá providenciar condições de acesso ao Subsistema Indígena de Saúde em todas as aldeias, independentemente de suas terras e reservas indígenas estarem ou não homologadas, e também para indígenas que não vivem em comunidade.

Antecipando-se às eventuais críticas sobre um suposto ativismo judicial, Barroso disse a Justiça tem um papel de facilitar o diálogo entre governo e comunidades indígenas, indispensável para a elaboração de políticas públicas de saúde a essas populações.

"Não há que se falar em interferência do Judiciário sobre Políticas Públicas, mas, sim, em mera implementação judicial de norma federal que não está sendo observada pelo Poder Executivo", disse ele. A Sala de Situação, por exemplo, consta em portaria do Ministério da Saúde e da Fundação Nacional do Índio, mas não foi colocada em prática.

Após o resultado do teste feito no presidente da Funai, que entrou em isolamento, servidores do seu gabinete foram colocados em quarentena e estão trabalhando remotamente. Também estão sendo realizados procedimentos para a descontaminação da sede do órgão, em Brasília.

A direção da Funai recomendará a todos os que tiveram contato com Xavier nos últimos dias a monitorar seu estado de saúde e procurar a presidência em caso de sintomas da doença causada pelo coronavírus. (Colaboraram Fabio Murakawa e Matheus Schuch)