Valor econômico, v.21, n.5039, 09/07/2020. Política, p. A12

 

Facebook liga Bolsonaro a rede de ‘fake news’

Carolina Freitas

Cristiane Agostine

Renan Truffi

Vandson Lima

Cristian Klein

09/07/2020

 

 

O Facebook identificou e desabilitou uma rede de perfis irregulares ligados ao presidente Jair Bolsonaro e a dois de seus filhos, o senador Flávio e o deputado federal Eduardo. O esquema, operado por auxiliares dos três políticos, levava conteúdo de interesse da família Bolsonaro - falso ou enviesado - disfarçado de notícias jornalísticas a 2 milhões de pessoas no Facebook e no Instagram.

A exclusão de 35 contas, 14 páginas e 1 grupo no Facebook se deu por “comportamento inautêntico coordenado”, termo usado pelo Facebook para designar a prática de atuar em conjunto para enganar quem consome conteúdo nas plataformas da empresa. A tática está associada à disseminação de notícias falsas. Essa mesma rede bolsonarista teve conteúdos removidos antes, por pregar “discurso de ódio”.

A ação compõe investigação do Facebook que desmobilizou ontem redes de “fake news” nos Estados Unidos, Canadá, Equador e Ucrânia.

Em comunicado ontem, o diretor de Cibersegurança do Facebook, Nathaniel Gleicher, explicou: “A atividade incluiu a criação de pessoas fictícias fingindo ser repórteres, publicação de conteúdo e gerenciamento de Páginas fingindo ser veículos de notícias.” A rede estava ativa desde antes das eleições de 2018, quando Bolsonaro se elegeu, e tinha como tema predominante a política. Agora em 2020, as páginas passaram a divulgar conteúdo falsos sobre coronavírus. A epidemia, que tem sua gravidade negada pelo presidente desde o início, matou 67,9 mil brasileiros até ontem, em quatro meses.

O diretor de Cibersegurança do Facebook disse que as pessoas envolvidas na rede usavam recursos para ocultar a identidade. Investigação da empresa, no entanto, encontrou ligação entre os coordenadores dos perfis e páginas e os gabinetes de Jair, Flávio e Eduardo Bolsonaro, dos deputados estaduais Alana Passos e Anderson Moraes (PSL-RJ) e com o PSL, partido pelo qual o presidente se elegeu.

Estudo do Atlantic Council’s Digital Forensic Research Lab (DFRLab) feito em parceria com o Facebook mostra que há ao menos um funcionário direto de Jair Bolsonaro envolvido no esquema. É o assessor especial da Presidência Tercio Arnaud Tomaz, que recebe salário mensal de R$ 13,6 mil. Arnaud trabalhou antes para o gabinete do vereador Carlos Bolsonaro.

Paulo Eduardo Lopes, conhecido como Paulo Chuchu, também aparece no estudo como um dos coordenadores da rede de disseminação bolsonarista. Ele é funcionário do gabinete de Eduardo Bolsonaro e líder do Aliança pelo Brasil em São Bernardo do Campo (SP) - partido que os Bolsonaros tentam tirar do papel.

A rede desarticulada no Brasil era acompanhada por 883 mil pessoas no Facebook, 917 mil no Instagram e reunia 350 participantes em um grupo no Facebook.

Procurado pela reportagem, o Planalto não se manifestou até a noite de ontem. Eduardo Bolsonaro também não se respondeu. Flavio criticou a ação do Facebook. “O governo Bolsonaro foi eleito com forte apoio popular nas ruas e nas redes sociais e, por isso, é possível encontrar milhares de perfis de apoio. Até onde se sabe, todos eles são livres e independentes. É impossível avaliar se a plataforma ultrapassou ou não os limites da censura”, disse o senador em nota.

Os deputados estaduais do Rio Alana Passos e Anderson Moraes negaram a prática de irregularidade. Os parlamentares mantêm suas contas ativas, mas um ex-funcionário do gabinete de Alana e uma assessora nomeada por Moraes tiveram seus perfis apagados pelo Facebook.

“Quanto a perfis de pessoas que trabalharam no meu gabinete, não posso responder pelo conteúdo publicado”, afirmou Alana, em nota. A parlamentar disse que “nenhum funcionário teve a rede bloqueada por qualquer suposta irregularidade”, mas o Valor apurou que o Facebook excluiu o perfil de um contratado que cuidava das mídias digitais e trabalhou com Alana até três meses atrás. “Nunca orientei sobre criação de perfil falso e nunca incentivei a disseminação de discursos de ódio”, concluiu a deputada, sargento do Exército que se apresenta como a “01 do Bolsonaro” desde a campanha para a Assembleia Legislativa fluminense.

Anderson Moraes defendeu a funcionária de seu gabinete que teve a conta excluída nas redes sociais. “Uma pessoa com perfil real, não é falsa”, segundo Moraes. “A remoção da conta foi absurda e arbitrária, porque postava de acordo com ideologia e aquilo que acreditava.” Para o deputado, o Facebook em nenhum momento apontou o que estava em desacordo com as regras. “[Por] Qual motivo excluíram? Falam em disseminação de ódio, mas será que também vão deletar perfis de quem desejou a morte do presidente?”

O PSL afirmou, em nota, que as contas apontadas pelo Facebook não estão relacionadas a assessores do partido, mas a de parlamentares. “Os políticos citados, na prática, já se afastaram do PSL há alguns meses com a intenção de criar um outro partido, inclusive, tendo muitos deles sido suspensos por infidelidade partidária. Tem sido o próprio PSL um dos principais alvos de ‘fake news’ proferidos por este grupo", informou a legenda.

O vice-presidente nacional do PSL, o deputado federal Júnior Bozzella (SP) afirmou que o processo de expulsão de deputados bolsonaristas do partido deve ganhar força com a ação do Facebook de ontem. Um dos principais alvos de expulsão, disse Bozzella, é o deputado Eduardo Bolsonaro.

O dirigente nacional do PSL tentou descolar a imagem do partido da investigação e denúncia do Facebook. Segundo Bozella, são parlamentares que não representam a legenda, apesar de ainda estarem filiados ao partido. “É preciso deixar claro que os deputados e integrantes do PSL investigados pelo Facebook são bolsonaristas”, disse Bozzella. “Essa ação do Facebook complementa aquilo que temos combatido em relação à disseminação de “fake news” e que está sendo investigado na CPMI das ‘fake news’, no Supremo Tribunal Federal e no Ministério Público”, afirmou.

O vice-presidente nacional do PSL disse ainda que o partido apura denúncias de irregularidades envolvendo “bolsonaristas” em relação ao uso da máquina pública e de financiamento de empresários para espalhar desinformação. “São uma milícia digital”, afirmou.

“Muitos deputados estão suspensos de suas atividades no partido, como é o caso do Eduardo Bolsonaro”, disse Bozzella. “A tendência é de o PSL expulsar Eduardo e outros deputados envolvidos na disseminação de ‘fake news’”, afirmou.