Título: Assinatura suspeita
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 17/01/2013, Mundo, p. 18
Decreto supostamente firmado por Hugo Chávez com a nomeação do chanceler Elías Jaua levanta dúvidas sobre o real estado de saúde do presidente. Opositor exige que o líder bolivariano apareça em público
Uma suposta assinatura de Hugo Chávez provocou suspeitas sobre o real estado de saúde do presidente da Venezuela e um bombardeio de críticas da oposição. O decreto de nomeação de Elías Jaua para o cargo de chanceler foi publicado ontem no Diário Oficial, com o brasão do Despacho da Presidência, datado de 15 de janeiro. “Se o presidente da República pode assinar decretos, eu o chamo para que apareça, fale com a Venezuela e lhe diga o que está se passando nesse governo, porque, na Venezuela, o que existe hoje é um desgoverno”, afirmou Henrique Capriles Radonski, o principal líder opositor, ao prestar juramento como governador do departamento (Estado) de Miranda. Chávez se encontra internado em Havana, desde 11 de dezembro, para o tratamento de um câncer na região pélvica.
Um recado enviado ao vice-presidente Nicolás Maduro fez aumentar o mistério sobre a saúde do líder venezuelano. “(Chávez) Nos disse para transmitir do seu coração à FANB (Força Armada Nacional Bolivariana) todo seu agradecimento por tanta lealdade de vocês para com o ‘comandante’, um soldado humilde desta pátria”, disse Maduro, ao citar a conversa que teve com Jorge Arreaza, ministro da Ciência e genro de Chávez, na noite de terça-feira. A declaração foi feita durante uma cerimônia militar de entrega das propostas da FANB para o chamado Plano Socialista da Pátria, no período 2013-2019. Em uma demonstração de unidade e de coesão com o governo, a FANB prometeu “apoiar os poderes e as instituição do Estado socialista e revolucionário, ao mesmo tempo em que ratificou sua “subordinação e lealdade incondicionais” a Chávez.
“Se o presidente está com a saúde delicada, teria sido impossível assinar o decreto nomeando Jaua. E, se de fato o assinou, então é mentira que sua saúde seja grave. Qualquer leitura desse episódio leva a uma mentira”, opinou ao Correio o venezuelano Tony De Viveiros, analista internacional e ex-professor da Universidad Simón Bolívar. Ele denunciou a existência de máquinas capazes de reproduzir com exatidão uma determinada assinatura. “Elas estão disseminadas em empresas e em organizações, a fim de aliviar o trabalho burocrático. Não descarto que um aparato desses tenha sido usado para assinar o nome de Chávez”, acrescentou. Segundo De Viveiros, o desejo de uma aparição pública de Chávez tornou-se um clamor nacional, na Venezuela. “Chávez já está há mais de um mês em Havana. Não temos visto fotos nem vídeos dele. Nem sequer houve qualquer contato telefônico à emissora de tevê estatal, como nas ocasiões anteriores”, explicou.
Miguel Ángel Martínez Meucci, também cientista político da Universidad Simón Bolívar, explica que a Venezuela está mergulhada num “grande ceticismo” em relação à suposta assinatura de Chávez. “Elías Jaua foi, durante muito tempo, o coordenador da Frente Francisco de Miranda, uma organização de ‘preparação revolucionária’ de jovens militantes chavistas, muitos dos quais receberam instrução em Cuba”, lembrou à reportagem, em entrevista por e-mail. “Não há dúvidas de que, até agora, a voz ressonante durante a convalescência de Chávez tem sido dos irmãos (Raúl e Fidel) Castro.” O médico venezuelano José Rafael Marquina, que garante ter acesso privilegiado ao prontuário do presidente, contou ao Correio que não recebe informações sobre Chávez desde 4 de janeiro. Segundo ele, Chávez teria sido submetido a uma traqueostomia e à baixa da sedação, o que tornaria possível a assinatura de um decreto.
Em outro desdobramento polêmico, Maduro entregou anteontem à Assembleia Nacional o documento Memória e Contas — um relatório da gestão do governo em 2012, que somente seria apresentado por Chávez. A reação da bancada opositora, de ampla minoria na Casa, foi de revolta. “Maduro se tornou o presidente da Venezuela de fato”, criticou Abelardo Díaz, deputado do partido Comitê de Organização Política Eleitoral Independente (Copei). “Maduro segue exercendo as tarefas da Presidência da República, ainda que não formalmente, como ‘presidente encarregado’. Trata-se de uma situação irregular que, apesar de apegar-se ao ditame do Tribunal Supremo de Justiça, evidencia a ausência da divisão de poderes na Venezuela”, explicou Meucci. O especialista acredita que a polêmica evidencia a enorme influência de Havana na política venezuelana e no chavismo. “O castrismo manobra, de maneira hábil, para evitar que os militares venezuelanos, com Diosdado Cabello (presidente da Assembleia Nacional) na liderança, aumentem suas posições de poder e de influência no Estado venezuelano”, acrescentou Meucci.
De mãos atadas
“Não resta mais nada à oposição se não denunciar, se organizar e esperar. Não é possível recorrer à legalidade interna (cooptada totalmente pelo chavismo) nem ao sistema hemisférico, onde a Venezuela tem garantido o apoio de numerosos governos subsidiários de seu petróleo barato e de outras ajudas econômicas. O regime cubano é, na prática, o diretor de um sistema de tutela sobre a Venezuela, do qual se beneficiam muitas forças políticas da região. A oposição também é reticente em organizar mobilizações populares que, historicamente, têm servido para afiançar uma polarização política da qual o chavismo tem tirado enorme proveito.”
» Miguel Ángel Martínez Meucci, cientista político da Universidad Simón Bolívar (Caracas)
Brasil não quer intervenção Os embaixadores do Brasil, da Bolívia e do Paraguai na Organização dos Estados Americanos (OEA) firmaram ontem posição sobre a situação do governo da Venezuela, em reação ao Panamá, que denunciou uma “democracia doente”. “A ordem democrática da Venezuela está perfeitamente garantida”, declarou Breno Dias da Costa, representante interino do Brasil. Citado pelo jornal El Nacional, a Venezuela atravessa “uma situação excepcional, um problema de índole interna”. O embaixador paraguaio, Martín Sannemann, reconheceu “um problema” no país, o qual apenas os venezuelanos devem resolver. “Estamos preocupados com a Venezuela, é um governo legítimo, o que se discute é a legalidade”, declarou. Os três representantes descartaram a necessidade de uma intervenção em Caracas.