O Estado de São Paulo, n.46254, 07/06/2020. Metrópole, p.A13

 

‘Parece que querem uma cirurgia nos números’

Breno Pires

07/06/2020

 

 

Mandetta diz que Estado pode ser mais nocivo que à doença ao omitir informações

Ex-ministro. Mandetta criticou a gestão militar no comando da Saúde e citou epidemia que teria sido ‘escondida’ em 1975

O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS) chamou de “tragédia” e de “pior dos mundos” a alteração pelo governo federal da forma de divulgação dos dados de covid-19. “Parece que estão querendo fazer uma cirurgia nos números dos protocolos públicos. Não informar significa o Estado ser mais nocivo do que a doença”, disse Mandetta, em live da faculdade IDP, de Brasília.

Em sua fala, Mandetta também criticou a possibilidade de o País deixar a Organização Mundial de Saúde – como havia sugerido o presidente Bolsonaro na semana passada, nos passos do presidente americano, Donald Trump. Ontem, o Ministério da Saúde passou a restringir as informações disponíveis em sua página na internet que mantém sobre informações a respeito da pandemia. Depois de retirar do ar por um dia, o endereço exibe agora apenas as informações sobre os casos de pessoas recuperadas da doença, novas contaminações e óbitos. Todas as demais informações históricas e dados acumulados foram omitidos.

O ex-chefe da pasta da Saúde desferiu uma série de críticas após ser questionado, na live, especificamente, sobre a restrição das informações. Ele classificou como estratégia política com intenção de “esconder números, manipular os números, não deixar notícias ruins” e disse que isso é prejudicial para o cidadão. “O direito à informação é quase como um direito que ele tem para conseguir se prevenir daquela doença infecciosa, como ele contrai, o que ele pode fazer. O que acontece na sua cidade, no seu bairro, no serviço público, como está funcionado, cada um deles, para que ele possa se portar enquanto cidadão, sabedor dos riscos”, comentou o ex-ministro.

Mandetta criticou diretamente a gestão militar no comando da saúde. “O SUS (Sistema Único de Saúde) não foi conquistado, ele está sendo temporariamente ocupado por pessoas que têm uma excelente formação para o campo militar, mas não têm nenhuma formação para o campo da saúde pública”, disse. “Em guerras, militares são muito acostumados a construir bunkers de segredos inacessíveis. Mas, na guerra contra vírus, a informação compõe a primeira linha de defesa do indivíduo”, afirmou, destacando estar preocupado que os atuais responsáveis por conduzir a saúde possam estar lá apenas “cumprindo missão”. “Se essa missão é se passar por sonegar as informações, colocá-las em horário inacessível, ou rever, torturar os números para que eles confessem verdades que entendam que sejam as que melhor se encaixam para o momento, talvez seja isso que a gente vá presenciar: uma grande noite da ciência”, afirmou.

Fazendo um paralelo, o ministro disse que o regime militar escondeu informações sobre uma epidemia de meningite em 1975. “É uma tragédia o que a gente está vendo agora, o desmanche da informação”, afirmou. “Por mais que eles queiram retirar do ministério, podem os conselhos nacionais de secretários estaduais de Saúde transmitir as informações. É da transmissão de informações que se ganha credibilidade”, frisou. Mandetta finalizou ressaltando que o coronavírus pode estar causando um “genocídio” da população indígena no País.

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TCU fala em assumir divulgação; Defensoria e oposição vão à Justiça

André Borges

Lorenna Rodrigues

07/06/2020

 

 

Rede Sustentabilidade vai recorrer ao Supremo; Gilmar Mendes fala em ‘manobra de regimes totalitários’

O Tribunal de Contas da União (TCU), em parceria com os Tribunais de Contas Estaduais (TCEs), poderá assumir a responsabilidade de fazer a consolidação de dados diários da covid19. Já parlamentares da oposição e procuradores do Ministério Público Federal devem apresentar ações na Justiça contra o atraso na divulgação de dados.

A possibilidade de assumir a divulgação já foi discutida pelo ministro do TCU Bruno Dantas e pelo presidente da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), Fábio Nogueira. A ideia é que os tribunais estaduais contatem Secretarias de Saúde estaduais, de modo a recolher as informações sobre a evolução da doença até as 18 horas de cada dia. A partir daí, esses dados seriam enviados ao TCU para consolidação e posterior divulgação das informações.

“O Estado tem obrigação com a sociedade de prestar informações verdadeiras em tempo hábil para que medidas e decisões sanitárias sejam tomadas, levando em consideração o quadro real do País”, disse Bruno Dantas. A Defensoria Pública da União (DPU) entrou neste sábado com um pedido de liminar no plantão da Justiça Federal de São Paulo para obrigar o Ministério da Saúde a divulgar atualizações integrais do avanço da covid-19. A DPU pede ainda que a pasta adicione novamente ao Painel Coronavírus os dados apagados sexta-feira. O defensor João Paulo afirma que é dever do poder público “informar correta e adequadamente à população”.

MP e STF. O Ministério Público Federal também já analisa o atraso e a omissão dos dados pelo governo federal e deve atuar. “Pura omissão de informações, dolosa. Como na época da ditadura, com a meningite”, avaliou uma procuradora ouvida reservadamente pelo Estadão. “Apagar os números é apagar a memória de cada um que se foi.”

Segundo a reportagem apurou, a Rede Sustentabilidade vai apresentar ação ao Supremo Tribunal Federal – a peça estava sendo redigida neste sábado.

Ontem, na s redes sociais, o ministro Gilmar Mendes postou que “a manipulação de estatísticas é manobra de regimes totalitários”. “Tenta-se ocultar os números da #COVID19 para reduzir o controle social das políticas de saúde. O truque não vai isentar a responsabilidade pelo eventual genocídio.”

O deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) afirmou que deverá seguir o mesmo caminho, e representará o Planalto no Tribunal de Contas da União para que seja assegurada a divulgação de números verdadeiros. O líder do PT na Câmara, Enio Verri (PR), também confirmou que o partido vai protocolar ação pedindo transparência nos dados. Ainda nessa linha, o PDT avalia medidas judiciais e o PCdoB vai subscrever ações da oposição.

Maia. Já o presidente da Câmara , Rodrigo Maia (DEM-RJ), cobrou do governo federal o restabelecimento dos dados completos. “Hoje eu liguei ao ministro Jorge Oliveira (ministro da Secretaria-Geral da Presidência) e fiz um apelo, em nome da Câmara, para que sejam restabelecidos os dados e a transparência. Você adiar informação, você adia o trabalho de muitas secretarias estaduais e municipais no Brasil inteiro, que trabalha com suas informações e com os dados consolidados do Brasil inteiro”, argumentou o presidente da Câmara, em uma live promovida pelo músico Tico Santa Cruz.

Crítica

“Bolsonaro está desesperado para manipular o número de mortos, que sobe pela irresponsabilidade dele.”

Alessandro Molon

DEPUTADO